Apenas um Olhar

José trabalhava em uma loja no centro da cidade. Não tinha seu próprio negócio. Entretanto, poucas mãos sabiam desmontar e consertar relógios tão bem quanto dele. Morava num quarto de pensão onde era conhecido como Zé do Relógio. Nasceu com saúde perfeita, mas, antes de completar três anos de idade sofreu poliomielite, também conhecida como paralisia infantil, que deixou suas pernas parcialmente atrofiadas, A doença lhe impôs limitações, fazendo-o andar com dificuldade, obrigando-o a valer-se de uma bengala.

Numa noite, foi ao cinema. Havia pouca gente na sala. Sentou-se em uma poltrona da fileira do meio e, como um convidado especial esperou o filme começar. Enquanto isso, passou os olhos pelo recinto e avistou na fileira de trás, do lado direito, uma moça morena, muito bonita, vestida com uma blusa azul. Os olhos dele se fixaram nela. No mesmo instante, a moça como se atraída pelo seu olhar, virou-se e ao ver que ele a olhava, sorriu. Ele olhou com ternura para aquela moça que sorria de um jeito tão simpático. Sentiu-se feliz de ver aquele rostinho moreno, com olhos alegres que brilhavam sobre os lábios aberto num sorriso. Apressou-se a respondeu ao sorriso dela com outro, e fez-lhe um aceno com a cabeça. Ela sorriu, novamente e respondeu.

Um sentimento inexplicável tomou conta dele. O quê? Não saberia responder. Sentia que algo muito estranho estava acontecendo. Mas, neste instante, um temor fê-lo recuar ao se lembrar de sua deficiência física, que o envolveu num pensamento desestimulador e pessimista. O medo de sofrer uma grande decepção fê-lo pensar que devido a sua deficiência física, aquela moça nunca iria se interessar por ele. Enquanto tentava apagar aqueles pensamentos, as luzes se apagaram e o filme começou. Seguiu-o, mas continuou pensando nela. O olhar daquela desconhecida, que por obra do destino estava ali tão perto, não saía de seu pensamento e estava grudado nele. Na saí-da, seria melhor evitar encontrá-la, pensou.

Quando o filme terminou, não se sentindo confiante, decidiu não olhar para ela. As luzes se acenderam. Não resistiu e olhou. Mas, ela desviou o olhar ao notar que ele a olhava. Não pretendia se levantar, enquanto ela não saísse. Parece que a moça teve o mesmo pensamento, pois, continuou sentada, mesmo com a amiga insistindo para que se levantasse. Minutos depois, a sala estava vazia e apenas ele, ela e a amiga permaneciam na sala. Ele não entendia porque ela não se levantava. Durante este tempo ela não olhou mais para ele. Depois de muita insistência da amiga, ela se levantou e saíram andando pelo corredor lateral e desapareceram. Foi aí que ele compreendeu e percebeu porque ela não queria se levantar, ela também tinha um problema físico, como ele. Esquecendo-se de suas dificuldades físicas, pôs se de pé e alimentado pela a ideia de falar com ela, saiu.

frente do cinema, deteve-se, ao vê-la entrar num carro, juntamente com outras moças. Ficou olhando até o carro desaparecer na rua. Nada mais podia fazer. Foi andando com passos lentos enquanto desenhava em seus pensamentos, o rosto e o olhar daquela moça. Voltou outras vezes ao cinema, mas nunca mais a viu, e também, nunca mais a esqueceu. Como poderia esquecê-la?