Palavras não ditas - Final

Mariana estava no restaurante no aguardo daquela pessoa.

- Pensei que não viesse – disse Mariana.

- Eu não deveria vir mesmo não. Tenho certeza do que se trata essa nossa conversa.

-Sente ai. Vamos direto ao assunto. Ontem eu tive uma discussão com o meu marido por conta daquele velho. Graças a você, agora o meu casamento pode desabar.

- Não seja dramática Mariana. Apesar de o Heraldo ser um homem tão inteligente, pra certas coisas ele é meio burro.

- O que você ta querendo dizer com isso?

- Eu quero dizer que o Heraldo ainda não se deu conta do tipo de pessoa que dorme ao lado dele todas as noites.

- Você ta louca? Meça suas palavras.

- Eu fui até a sua casa pra ajudar o seu pai que você jogou no asilo sem o mínimo de compaixão. Agora você vem me culpar pelas suas discussões com seu marido? Francamente.

- Isso tudo é inveja sua.

- Diz logo o que você quer comigo, eu tenho muito a fazer.

- Eu quero que você nunca mais me procure. Não quero mais saber das chorumelas daquele desgraçado. Acho que isso é o suficiente pra você nunca mais aparecer na minha vida.

- Tudo bem. É melhor assim. Mais eu tenho pena do seu Antero, de ter um monstro como filha.

- Vai embora logo.

Mariana sofreu muito na infância e adolescência. Teve uma vida humilde. Cresceu com a vontade de se vingar. De fazer justiça com as próprias mãos. Jamais deixaria impune tudo o que aconteceu pra isso. Casou-se com um empresário rico e subiu na vida em um piscar de olhos, sem esforço nenhum. Abandonou o pai no asilo. Chamava aquilo de justiça. Ali, ela acreditava que seu pai pagaria por todos os seus erros do passado. Mas sem saber, a pior pessoa prejudicada nisso tudo seria ela mesma.

Era uma mulher afundada em ressentimentos, mágoas e rancor, que se escondia debaixo de tecidos caros e finos. Tentava manter a pose de uma mulher bem sucedida, da elite, quando na verdade era um ser humano vazio.

Na mesa de jantar...

A mesa de jantar do casal deixou de ser um cenário para refeições unidas para dar lugar a um palco de discussões.

- Até quando você vai ficar sem falar comigo Heraldo? – disse Mariana.

- Mariana, por favor... Eu não estou afim de discussões – respondeu Heraldo.

- Eu também não, por isso estou pedindo pra você falar comigo. Vamos esquecer isso tudo.

- Sinceramente Mariana, eu não sei se um dia você vai se arrepender e mudar. Só tenho medo que isso aconteça tarde demais.

- Arrepender? Você esta falando do velho?

- Do seu pai. Estou falando do seu pai. Isso é inaceitável. Sabe, a cada dia que passa essa história fica mais amarga, mais difícil de digerir. Eu não sei como você consegue colocar a cabeça no travesseiro e dormir – disse Heraldo.

- Heraldo eu jamais vou me arrepender. Sabe por quê? Eu passei os piores dias da minha vida naquela casa, comi o pão que o diabo amassou. Eu sofri todos os dias, não era feliz, não tinha motivos pra sorrir. E o pior do que ver aquelas coisas todas, era não poder fazer nada. Mas... Eu jurei pra mim mesma, que ia me vingar um dia. O meu sangue ferve por dentro só de lembrar em tudo o que aconteceu – justificou.

- Tudo bem Mariana. Você sofreu, teve uma infância difícil e... Mais acabou isso tudo, esquece isso, segue a sua vida. Olha pra você, olha aonde você chegou. Você agora é rica, tem dinheiro, e... Pode ajudar o seu pai, mas ajudar de uma maneira mais humana, mais digna. Não se paga o mal com o mal. Aprende isso.

- Vamos encerrar esse assunto em definitivo Heraldo.

- Tudo bem Mariana. Se você quer assim, eu não vou mais tocar nesse assunto. Mais você sabe o que eu penso disso tudo – finalizou Heraldo.

Na manhã do dia seguinte...

Mariana foi ate o asilo, onde o pai estava.

- Filha?! Eu não to acreditando, será que to enxergando direito? É você mesmo? – disse Antero.

- Surpreso em me ver? – disse ela entrando no quarto.

- Eu já estava perdendo as esperanças filha... Mais no fundo eu sempre soube que você ia me tirar daqui, você me ama, eu sei disso.

- Engraçado você me falar de amor, não acha? – ironizou Mariana.

- O que você ta falando filha? – perguntou Antero.

- Eu vim até aqui pra esclarecer umas coisas. Você acabou com a minha vida e com a da minha mãe. E agora você me fala de amor.

- Filha... Se eu errei eu te peço perdão, mas eu tive meus motivos. A bebida, o jogo... Tudo isso me tirou do caminho e... Eu perdi a noção das coisas, era como se eu estivesse cego, não tava vendo tudo o que eu fazia tudo o que eu causei.

- Colocar a culpa na bebida não vai livrar você de nada. Se você bebeu, foi porque você quis. Se você jogava, também foi porque você quis. Então não venha com essa historinha pro meu lado, você não vai me comover.

- Por favor, filha. Olha pra mim. Eu já estou velho, ando com dificuldade, a minha vida esta cada dia mais difícil e vazia. E aqui nesse lugar tudo se torna mais árduo. Me tira daqui, pelo amor de Deus – suplicou Antero em lágrimas ardentes de dor.

- Eu quero ver você sofrendo. E mesmo assim, tudo isso vai ser pouco perto da dor que você me fez sentir e pela perda da minha mãe – disse Mariana.

Mariana também estava chorando. No fundo ela queria mesmo era dizer eu te amo. Mas algo a impedia de fazer isso.

- Eu não matei a sua mãe, não tive culpa disso.

- Teve sim. Minha mãe morreu de desgosto coitada. Quantas noites ela passou em claro à sua espera. Ela ficava sentada na cozinha esperando você ate altas horas da noite, na esperança de você chegar. Ela colocava a sua janta, lavava e passava todas as sua roupas e... Onde você estava? No bar, em algum jogo por ai. Você não tinha vergonha não?

- Mariana eu... Como te disse filha, eu me arrependo de tudo, eu vou pagar pelos meus erros, aliás, já estou pagando, como você mesma pode ver. Mas eu te amo, acredita nisso. Olha aqui – disse Antero mostrando algumas fotos.

- O que é isso? – perguntou Mariana.

- São fotos. Fotos da nossa família. Essa aqui é do seu aniversário de cinco anos. Olha... Eu, você e sua mãe. É isso o que importa filha. Os momentos bons, os momentos felizes que passamos juntos.

- E foram raros não é. Bastantes raros esses momentos felizes. Mas eu não vou me comover com esse seu sentimentalismo fajuto não. Você quer me passar pra trás, pra que eu tenha pena de você.

- Não filha. Eu não quero que você tenha pena de mim não. Mais... Eu quero que enxergue que eu te amo. Toda família tem as suas desavenças, mais o que importa é o amor – disse Antero com os olhos cheios de lágrimas.

- Adeus! – disse Mariana saindo do quarto.

Ela entrou no carro. Dirigia chorando ao volante. Estava chovendo. Em sua memória o filme de sua vida era exibido em cenas dolorosas e ao mesmo tempo felizes. No fundo Mariana queria que tudo aquilo pudesse ter sido diferente.

Em casa, ela vasculhava algumas gavetas. Tirou de dentro de uma delas uma caixa. Eram fotografias, cartas, desenhos. Tudo o que lembrava a sua infância estava ali.

- A caixinha de música. Eu nem lembrava dela mais – disse Mariana.

O único presente que Mariana havia ganhado de seu pai. A caixinha de música foi dada a menina em um natal. E ela guardou com carinho. Enquanto a música tocava, em suas mãos ela tomou algumas fotos de seu pai e as trouxe pra junto de seu corpo.

- Oh pai, como eu queria que isso tudo fosse diferente. Por que meu Deus, por quê?! – disse Mariana com as fotografias envolvidas em seus braços.

O que Heraldo disse, estava prestes a acontecer: o arrependimento da esposa.

- Mais eu ainda tenho tempo de mudar isso, ou pelo menos uma parte disso.

Mariana pegou o carro e foi em direção ao asilo.

- Onde esta meu pai Lúcia? Eu quero ver ele, falar com ele.

Lúcia se manteve em silêncio.

- Fala Lúcia. Cadê meu pai.

- O seu Antero, ele...

- Ele o quê Lúcia? Para de me enrolar, fala.

- O seu pai morreu Mariana.

- Não, não pode ser. Isso é mentira, cadê ele sua desgraçada, o que você fez com ele? – disse Mariana sacudindo Lúcia pela gola de sua camisa.

- Me solta. Eu não fiz nada com o seu pai. Quem fez foi você.

- O que você esta falando?

- Um pouco depois que você veio aqui e discutiu com o seu pai ele começou a passar mal, a gente socorreu, levou pro hospital, mas não resistiu.

- Não pode ser. Meu pai não.

- E sabe o que é pior de tudo? Ele morreu chamando o seu nome.

Mariana ficou aos prantos com aquela notícia e chorou muito, chorou até soluçar. Foi até o quarto onde o pai ficou e estendeu naquela cama. Mariana sentiu sua presença, era como se ele ainda estivesse ali.

Ela teve todos o tempo para pedir perdão ao pai. De perdoar e ser perdoada. De dizer um eu te amo e colocar uma pedra no passado. Trocar as mágoas por alegrias. Ressentimentos por ternura. Ódio por amor. Vingança por esquecimentos e perdão. Enfim, Mariana poderia ter feito tudo isso. Mas já era tarde e nada mais restava a si mesma do que suas palavras não ditas.

Fim.

Luccas Nascimentto
Enviado por Luccas Nascimentto em 07/03/2017
Código do texto: T5933294
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