Caixa de papelão
Ao virar a esquina da tão conhecida rua em que morava, ele avistou a janela vermelha em que tantas vezes se debruçou e pulou para encontrar alguma paquera. Estacionou o carro e ficou apreciando em sua antiga casa, tantas lembranças se passaram em sua cabeça. A sua esposa bateu no vidro do carona, tirando-o do transe.
Ele encontrou a mãe com os braços abertos, lhe esperando. Que saudade! Após exclamações de saudades e carinhos, ele se retirou para seu antigo quarto, enquanto sua esposa e filha ajudavam a mãe na cozinha a terminar o almoço. Subiu as escadas como se fizesse isso pela primeira vez. Abriu a porta e percebeu que o quarto pareceu o mesmo. Organizado e limpo como sua mãe gostava que ficasse.
Entrou e se sentou na cama. Olhou para o teto, para o armário, para o chão. Procurava voltar ao passado, sentia o reconhecimento de tudo vivido. Lembrou-se de seu segredo. Foi ao antigo armário e encontrou uma antiga caixa de sapato, escondida, empoeirada.
Sentou-se novamente na cama, dessa vez com uma caixa de sapato forrada de tecido, apoiada no colo. Não sabe quanto tempo ficou olhando para o que tinha no colo. Lágrimas começaram a cair. Tantas lembranças voltaram com uma intensidade, que ele ainda podia sentir o vazio que ele jurava já está preenchido, abrir-se.
A mãe estranhando a demora do filho, foi chamá-lo no quarto. Deixou a nora e a neta olhando os álbuns da família. Ao entrar no quarto, ela vendo o filho tão quieto e com o olhar perdido, se aproximou e perguntou:
- Filho? O que você tem, querido? Estava com saudade do seu antigo quarto?
- Um pouco.
Ela chegou mais perto dele e colocou a mão no ombro do filho, confortando.
- Querido, está tudo bem....
Parou ao olhar para a caixa no colo do seu filho. Ficou surpresa ao ver o conteúdo.
- Você ainda guarda essas coisas? Depois de tanto tempo?
- Sim.
- Mas, por que?
- Porque ela ainda me faz muita falta. Sinto falta do que eu fui com ela.
- Ainda sente saudade dela?
- Saudade, não. Sinto falta mesmo. Se fosse saudade, o tempo já teria curado a ferida e eu a teria esquecido. O que eu sinto é falta. É um vazio que nunca fecha, nada preenche. Não importa o que eu faça ou quanto tempo passe. Eu sinto abri-lo um pouquinho, a cada dia.
A mãe achou graça da resposta do filho, mas percebeu que ele falava sério. Podia sentir a tristeza dela.
- É por isso que está tão triste?
- Sim. Porque eu olho essas fotos e vejo as cartas e lamento ter reduzido os melhores momentos da minha vida em uma caixa. Eu era tão feliz. Nunca mais me senti assim. Pena que o amor está confinado nessa caixa, esquecida num velho armário. Espero que o amor não se sinta sufocado. – ele riu sem achar graça, recolocando a tampa.
- Meu filho, guarda isso. Já passou. Sua vida seguiu outro rumo e o dela também. Vamos. Sua esposa te esperar na sala.
- E o meu amor me espera aqui, confinado nessa caixa.
- Quer que eu jogue essas coisas fora? Para você se sentir liberto?
- Não. Quero que guarde para mim. Promete?
- Sim.
- Guarde-a, mãe. A melhor versão do seu filho está aí dentro. E tudo o que ele poderia ter sido. Vamos?
Ele saiu e a deixou com a caixa nas mãos. A mãe abriu a caixa e olhou o seu conteúdo, detalhadamente. Viu as fotos. Leu as cartas. Abriu o diário. Conseguiu sentir todo o amor que estes objetos continham. Foi tocada por todas essas lembranças. Sentiu em si o vazio que seu filho descreveu. Ela sabia a dor que aquela caixa carregava.
“É, eu sei o que você sente, meu filho. Seu amor e uma parte de você estão aqui. Não consigo entender. Mas só um sentimento como o deles pode ser tão lindo e triste, mesmo confinado em uma simples caixa de papelão”, ela pensou com pesar.
Guardou a caixa e voltou para a sala de estar. Encontrou o filho com o olhar perdido, enquanto a nora e a neta riam olhando o álbum. Sentiu uma mistura de felicidade e melancolia.
Este conto é uma comemoração tardia do niver de uma pessoa muito especial: Eu. Sexta-feira, dia 06 de Janeiro, fez 02 (dois) anos que eu comecei a escrever no Recanto das Letras. Muito feliz.