O Mulato e a Dama

Caro alguém,

É outono novamente, me encontro sentado num banco em frente a figueira, esta sim é minha companheira, sua folha que antes verde e viva, com o tempo se torna seca, morta e cai ao chão, assim como um dia eu caí, e vim parar nesta praça.

Nem sempre vivi sentado escrevendo, eu era como essas pessoas que sobrevivem uma vida corrida, sem coragem de tentar algo novo e focar no que realmente importa.

Em uma serena noite de primavera, estava na praça indo a caminho da biblioteca atrás dos livros de Sr Sena, quando uma bela donzela de boca pequena atraiu o meu olhar, mas logo o desviei. Ainda assim, ela não saiu dos meus pensamentos.

Passou-se alguns dias e havia descoberto onde a garota morava pois sempre fazia o mesmo caminho. Intrigado, tomei por hábito trilhar este caminho, com meu pequeno bloco de notas para me inspirar e criar poemas que almejava entregar pra ela um dia. Enquanto isso, observava de longe seus estudos ao ar livre com auxílio do Padre Antônio, o mais instruído dos padres da época.

Ficava durante horas sentado nos galhos cortados da figueira sem nunca ter me arriscado. Aos meus 16 anos comecei a trabalhar, minha mãe havia mostrado um de meus textos para um simpático jornaleiro que, após lê-lo, me deu um emprego em um pequeno jornal que quase ninguém lia. Consegui ajudar minha mãe e estava finalmente mostrando para meus escritos para alguém. Sempre me perguntei se ela os lia...

Um dia, já homem, saí de casa decidido a agir. Coloquei o melhor dos meus poucos ternos que usava para ir à cidade grande, apanhei algumas flores do jardim da família Vieira, e fui até a catedral, onde estava havendo a missa que minha amada frequentava. Esperei do lado de fora, um mulato como eu não entrava naquele tipo de lugar, mas não ligava.

A missa acabou, pessoas saindo aos poucos, a ansiedade aumentando, meu pé tremulando, a avistei com o mais belo dos vestidos, oh Deus, eu estava amando! Mal tive tempo de dar um passo para frente, senti uma mão pesada em meu ombro, era seu pai e com ele, padre Antônio.

Descobri que o lugar onde ficava para observá-la não era tão escondido assim, eles sabiam de meus interesses. Antônio começou dizendo que permitia que eu invadisse suas aulas pois sabia a importância de uma boa educação e, segundo ele, observando seus sermões, eu me tornaria alguém mais culto.

Fui o primeiro amor dela, o pai me disse, todos os dias ela suplicava para que os sermões fossem ao ar livre, para ver o tal menino mulato.

Então perguntei a eles, o porquê estavam ali, impedindo que um amor tão puro, verdadeiro e de longa data finalmente pudesse florescer. Padre Antônio baixou a cabeça como se tivesse cometendo um pecado e disse para mim que era tarde demais para assumir esse amor. O pai me explicou que devido a sua situação financeira, ofereceu um dote a um cavalheiro rico da cidade grande que havia gostado da minha garota. Caí ao chão, depois de uns segundos de joelhos, abri meus olhos e vi a rosa despedaçada, lembrei-me de tudo que havia passado para estar alí,e das vezes que não tive coragem para ir até ela, não iria desistir novamente.

Levantei, me livrei do padre e empurrei o homem que acabara de vender sua filha, afrouxei a gravata e corri. Corri como nunca havia corrido antes, subi as escadarias daquela maldita igreja, tirei o meu antigo bloco de notas do bolso, olhei ao redor e vi alguns guardas vindo atrás de mim, eu não tinha muito tempo. Fui ao encontro da garota, ela se assustou e ao mesmo tempo sorriu, queria ter dito tudo que estava preso em minha garganta durante anos, mas não havia tempo. A entreguei meu pequeno bloco de notas, de alguma maneira sabia que aquela seria a última vez que a veria. Com a voz trêmula disse minhas primeiras e últimas palavras a ela: Eu te amo.

Acordei no meio da praça, sangrando, depois desse dia nunca mais a vi. Aquela paixão de menino nunca se esvaiu, mesmo nunca tendo coragem de chamá-la quando criança, quando ainda havia tempo, esperança.

Ao longo de minha vida tive relacionamentos, mas nunca amei uma pessoa como amei aquela garota. Hoje estou velho, sozinho e recito meus poemas vazios com minha voz rouca. Volto a essa praça todos os dias, onde tudo começou e terminou. Na verdade ainda reflito se realmente houve um começo.

Vivemos cegos pelas dificuldades do mundo que nos rodeia, temos medo da família, dos julgamentos, do amor. Não seja um covarde como eu fui, quem sabe a donzela de sua vida também o ame, e ainda dê tempo para viver. Arrisque, grite aos 7 ventos todo seu amor, seus versos,poemas, canções e dor. Esta carta dedico à você, ele, ela, ao meu eterno amor.