MAGIA


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Azaleia Gomes Sá de Deus das Cruzes, nome  poderoso para uma moça tão mirrada e sofrida, era pobre, agredida muitas vezes pelo padastro, que tendo ficado viúvo, não sabia como lidar com aquela mocinha calada e feiosa, então, por pura ignorância e incompetência, batia na enteada por qualquer coisa e até mesmo por nada, um total absurdo, o padre João, já o advertira que ele precisava cuidar da moça com mais respeito e agir como educador e não, como feitor. Tibúrcio não dava muita atenção, estava doido pra se livrar da garota, em suas andanças, procurava com afinco um marido para ela, mesmo que ela só tivesse quinze anos, naquele interiorzão do seu Nordeste era muito comum, as jovens formarem família bem cedo, para ele a moça era só um estorvo, já tinha até um pretendente em vista, era trabalhador meio bronco e arredondado, mas, se livrar logo de Azaleia era só o que tinha importância pra ele.

Foi falar com o rapaz, disse que Azaleia era pura, boa dona de casa, tinha um jeito quieto e seria de boa ajuda pra ele, tanto Tibúrcio insistiu, que o rapaz de nome Zé Célio, disse
- Tudo bem, traga a moça pra morar comigo

Tibúrcio ficou contente com isso, e para que o camarada não desistisse, prometeu levar junto com Azaleia, seis galinhas e uma cabra, além de um galão de pinga, depois de tanto oferecimento, o rapaz deu-se por satisfeito.

Chegado o dia, Tibúrcio encheu a carroça com o prometido, uma boa rede, pão, carne seca, farinha e água pro caminho, os poucos pertences da menina, que se tremia toda, com medo do que esperava por ela, sua vida poderia ser ainda pior, estava entregando pra Deus o seu destino.

Chegando na casa de Zé Célio, uma tímida Azaleia foi entregue ao rapaz, como se fosse parte da carga, ela foi literalmente...descarregada...Tibúrcio arriou tudo, se despediu rapidamente e foi embora, com um enorme sorriso de felicidade, no rosto de rugas marcado.

Zé Célio, recebe a moça meio sem graça, não tinha muita experiência com mulheres, mas, não era puro, se virava com as quengas da Casa da Dona Dézinha, um bordel perto do rio, agora seria diferente, não teria que pagar. Foi ter com Azaleia pra conhecer melhor a moça mirrada, que Tibúrcio despejara em sua porta, sem muitas conversas. A garota era magra, mas, de pernas fortes, isso era bom pensava ele, na lida do dia a dia, ainda não havia olhado muito pro rosto da moça, resolveu se apresentar e foi nesse momento que a magia se fez, mudando pra muito melhor a vida de Azaleia. Quando ela levantou os olhos e olhou nos olhos de Zé Célio, os seus olhos cor de mel tão claros, emoldurados por cílios negros, simplesmente enamoraram Zé Célio pro resto da vida, o que Azaleia sentiu dentro do peito foi, redenção. Aquele seu marido era redondinho, tímido, trabalhador como o padrasto lhe contara, mas, a doçura daquele olhar azulado, encheu seu coração de paz.

Um elo poderoso se criou, num único olhar, eles eram almas gêmeas que o Universo conspirou a favor da felicidade, ficaram mudos por alguns segundos, Zé Célio a pegou pela mão e com uma tranquilidade que ele mesmo desconhecia, foi mostrando a casa para Azaleia. Eram dois quartos, uma cozinha rústica, varanda contornando toda a casa, o restante era um alpendre, um pequeno depósito, pasto e plantação.

Azaleia gostou daquela atenção inesperada, um rústico rapaz, sem grandes atrativos como ela, mas, parecia ter um bom coração. Os dias foram passando, foram se conhecendo, às vezes as mãos se tocavam e a magia ia acontecendo devagar, Azaleia e Zé Célio na lida eram parceiros e a plantação apreciando o cuidado, ia respondendo a contento. Zé Célio era tímido e paciente, para agradá-la, preparou a terra à frente da casa, afofando o suficiente para que fosse mais fácil se plantar naquele pedaço. De surpresa chegou na cidade, com um pacotinho na mão e deu para Azaleia dizendo que era um presente, para que ela pudesse criar um jardim de margaridas, esse pequeno gesto encheu o coração dela de ternura, um laço muito forte estava nascendo ali, em retribuição, Azaleia na pontinha dos pés, lhe deu um rápido beijo na bochecha e Zé Célio fiou rubro, tal qual um tomate.

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As semanas foram passando, o carinho e a cumplicidade entre eles se estreitando e numa manhã de sábado, Zé Célio pede pra Azaleia, pegar a carroça e ir até a cidade comprar umas carnes gordas e feijão, pois estava com desejo de comer no domingo, um sopão de entulho, com feijão, as tais carnes, legumes e macarrão, ao que prontamente Azaleia atendeu. Ele sabia que ela iria demorar umas duas horas para ir e voltar, então, colocou seu plano em prática. Pegou no depósito do alpendre umas madeiras, umas palhas e um enorme saco de estopa e pôs-se a trabalhar. Lá perto da hora que Azaleia deveria estar retornando, Zé Célio estava com um enorme sorriso no rosto afogueado de cansaço, feliz com a surpresa que havia preparado para ela. Ficou numa cadeira perto do florido jardim de margaridas, a espera dela, com a ansiedade batendo forte por dentro.

Azaleia chega e ele vai ao encontro dela, pega os pacotes e a auxilia em colocá-los na cozinha. De repente a pega pela mão, com um nervoso feliz no olhar e o coração acelerado, abre a porta do quarto e uma apaixonada Azaleia, chora de felicidade, no centro, estava uma cama de casal com um colchão de palha, coberto com um lindo lençol florido e dois travesseiros amarelos, ela deu um gritinho de alegria e pulando no pescoço do marido, lhe deu um beijo na boca, meio sem jeito, mas, cheio de amor e agradecimento. Naquela noite, depois de quatro meses, desde que Azaleia chegara, duas solitárias redes, dormiram enroladas num canto vazio do quarto...


Cristina Gaspar
Rio de Janeiro, 17 de setembro de 2016.
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Cristina Gaspar
Enviado por Cristina Gaspar em 17/09/2016
Reeditado em 17/09/2016
Código do texto: T5764214
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