Diodoro Cirino
Soube que estava apaixonada por Diodoro Cirino imediatamente.
Não foi nenhum atributo físico que me fascinou, apesar de ele tê-los de sobra.
Foi antes, sua personalidade e seu caráter.
E isso, esta paixão tão platônica quanto o amor declarado por alguma celebridade de papel colada na parede, só aumentava à medida que eu o conhecia.
Nobre, digno, de opiniões fortes a ponto de fazer ecoar a voz estrondosa de trovão diante da indignação.
Não questionei Diodoro. Nunca. Se a ele cabia o julgamento do que era certo ou não, aceitei. Deixei que ele trafegasse livremente pelos corredores da lei, da ética, da moral e do bom senso. Acompanhei-o incondicionalmente porque, bem... Estava apaixonada e não há nada mais alheio à razão neste mundo do que a paixão.
Estive com ele pela primeira vez no início da faculdade. E se eu o aceitei sem qualquer pergunta, ele se entregou a mim, alheio a qualquer sentimento. Uma troca tácita que não gerou qualquer complicação.
A segunda vez que nos encontramos alguns anos depois, eu já estava em um relacionamento que por imposição social insistia em ser chamado de "sério". Mas nem toda seriedade do mundo me faria abrir mão dos momentos com ele.
E lá ia eu... Deslumbrada, curiosa, cheia de expectativa para os encontros no meio da tarde ou nas fugas noturnas, para mim as melhores, já que depois viria o sono de satisfação e expectativa para o dia seguinte.
A terceira, quarta e quinta vez já não recordo. Não por desrespeito ou por diminuição do meu interesse, mas sim pelo fato de que em algum momento passei a exigir mais dele. Queria a atenção que não vinha, os diálogos impossíveis, a dedicação, a parceria e é claro, a retribuição da paixão até então só minha.
Um dia cansei daquela história. Larguei-o sem qualquer explicação. Simplesmente virei a página e fui embora. Não aguentava mais tanta fantasia. Queria as coisas reais, palpáveis e que, apesar de não me darem nem a satisfação e nem a alegria que com ele experimentava, me davam segurança e acenavam com a possibilidade de uma vida fora da ficção.
Passei os anos seguintes na vida amena e repleta de rotina. Exatamente como escolhi. Tentei ser menos intensa, cuidei da casa, do carro, do cachorro e do jardim. Andei por parques, arrumei as gavetas e os livros. Tudo absolutamente tudo dentro da normalidade de um relacionamento sem surpresas, mas, diga-se de passagem, também sem expectativa ou emoção.
Até que um dia, ele, tomado de indignação pelo meu profundo silêncio, reapareceu. Não sei de onde saiu nem porque surgiu daquela forma. Simplesmente parou na minha frente, oferecido como sempre. E eu, completamente embriagada mas ciente do rumo que aquele encontro tomaria, me lancei a ele mais uma vez...
Sem pensar nas consequências, li mais uma vez toda obra.
***
Diodoro Cirino é um personagem da obra de Taylor Caldwell intitulada "Médicos de Homens e de Almas".
Diodoro foi militar e tribuno romano. Viveu no século I e passou a maior parte da sua vida na Síria.
Como oficial de alto escalão, sempre foi ciente de seus deveres e orgulhoso de servir à Roma apesar de sofrer pela decadência que via em todas as instâncias do império.
Profundamente inflamado em suas opiniões e contrário à hipocrisia e à corrupção que permeavam o senado romano, lutou para manter a ordem, a decência e os princípios militares que para ele eram tão leves quanto o amor que tinha pela profissão.
Diodoro casou-se com Aurélia, a expressão mais exata da matrona romana. Porém, secretamente amava Íris, a menina de pele branca e olhos claros que habitava suas lembranças em uma época em que ainda não comandava as legiões romanas. Dedicava secretamente a Íris, entre poemas e horas insones, seus desejos reprimidos de uma vida plena e apaixonada.
Taylor Caldwell levou quase cinquenta anos para escrever Médicos de Homens e de Almas. A obra trata da vida de Lucano ou São Lucas em sua busca pela fé e pela religação com Deus na mesma época do nascimento de Cristo.
Diodoro Cirino é apenas um personagem secundário no livro.
Nunca a arte imitou tanto a vida.