DÉjÀ Vu - Parte 3 / BRIGas e Flores SECAS

Ali sentada na varanda da sua casinha em meios á suas flores, Mali perdeu os olhos no horizonte e deixou que os anos felizes do passado a pegassem pela mão e a levassem aos primeiros meses junto a Gonçalo. Ela se ergueu e caminhou com os passos incertos de quem carrega muitas primaveras na memória, para o gramado do jardim. Ele estava tão verde, tão vivo que sentiu a energia boa e o cheiro de terra molhada percorrendo seu corpo e a deixando leve. Ergueu os olhos ao céu e procurou seu amor entre as estrelas como fazia quando ainda não haviam cruzado seus caminhos ou sempre que estavam separados. Esse simples olhar para o luar já a fazia sentir que sua solidão gêmea, ainda desconhecida na época, também lhe procurava entre os astros, como se seus pensamentos se atraíssem de maneira misteriosa e se acariciassem ao vento. Nestes instantes, ela acreditava em telepatia, em laços eternos, premonições e por fim em loucura.

Conversando sozinha com seus pensamentos, suspirou fundo e foi transportada para a primeira briga que tiveram. Riu sozinha ao recordar da imaturidade de ambos naquela época, e de como coisas tão banais viravam tragédias gregas e cenas de novela mexicana. Na primeira delas fora porque ele havia dito que sabia que ela estava apaixonada por ele, ou melhor que já o amava. Ainda se lembrava de sentir o rosto quente de vergonha e da raiva que a invadiu por ser tão evidente o que ela fazia tanto esforço para disfarçar, obviamente sem sucesso. Seu orgulho ferido a fez terminar o namoro para provar que poderia viver sem ele. Fechou os olhos e reviu o rosto dele empalidecendo e Gonçalo saindo furioso de sua casa e dizendo que nunca mais voltaria. Foram 24 horas de agonia temendo que ele estivesse falando sério, tentando decidir se ligava ou esperava ele dar o primeiro passo. Enquanto ela sofria com suas dúvidas, a campainha tocou e ela desceu para atender. Lá estava ele, sorrindo como se nada tivesse acontecido, parado na soleira da porta tendo nas mãos ainda sujas de terra, uma flor roubada de algum quintal. Não houve pedidos de desculpa, só um abraço apertado e longo. Ele apenas disse, quando se afastaram e olhando bem fundo nos seus olhos: "Eu não vou a lugar algum. Sempre estivemos juntos".

E assim havia sido em cada briga. Ela ainda tinha guardada em uma caixa todas as 263 flores secas de cada reconciliação, elas eram o símbolo daquele amor que havia sobrevivido a cada tempestade e obstáculo do destino. No início ela tinha tanto ciúmes, tanto medo de não ser boa o suficiente ou interessante o bastante. Temia que ele um dia percebesse que ela era apenas mais um rosto na multidão, nem o melhor e nem o pior, só mais um. Todos aqueles motivos pareciam tão insignificante agora. O que ela não daria por mais um dia junto a ele, mesmo que fosse assistindo aos tediosos comentários pós jogos de futebol reprisados, onde ele deitava a cabeça em seu colo e ela fazia cafuné nos anéis do seu cabelo até que ele adormecesse.

Daquelas brigas, a única parte boa era fazer as pazes e eles brigavam muito e com uma fúria só comparável a paixão e a necessidade com que reatavam. Era estranho amar tanto e as vezes ter tanta raiva ao mesmo tempo. Para ela quando jovem era difícil aceitar ser dominada, ceder aos caprichos dele e sua irritante certeza de que ela o amava com cada pedaço da alma, e que jamais seria capaz de lhe deixar, por mais rudes que fossem suas palavras quando estavam nervosos.

Nos dias de calmaria, ele conseguia ser tudo que ela um dia havia sonhado em ter, por aquela facilidade em ler seus sentimentos, em adivinhar seus pensamentos, de ouvir quando o chamava em sonhos, tinha um abraço que sempre pintava de arco-íris seu dias cinzas e provava vezes sem fim que o amor era mais forte, a cumplicidade era real, e os seus olhos açucarados não mentiam jamais. Quando ele cantava ao som do violão só para ela, o mundo parecia um lugar bom de se viver e todos os sonhos e planos que faziam pareciam fáceis e possíveis.

Ela abriu seus olhos e apenas falou para si mesma: Quem me dera mais uma briga.

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