Se aquela rua fosse minha, só teria quebra-molas
Por cinquenta e cinco vezes eu fiz a mesma coisa. Reduzi a velocidade até parar completamente sobre o quebra-molas e então, prolongando o máximo o momento em que faria o carro andar novamente, engatei a primeira marcha e me movi.
Quinze segundos era o tempo que eu levava para a manobra. Quinze tic-tacs do relógio que faziam meu sangue arder.
Quinze batidas que inundavam minhas veias de adrenalina e aguçavam meus sentidos.
Quinze segundos multiplicados por cinquenta e cinco vezes, resultavam em oitocentos e vinte e cinco segundos da mais pura ansiedade. Meu coração não aguentava mais.
Dirigi por mais duzentos metros até a rodovia que separava a realidade da promessa do paraíso. Decidi não olhar para trás. Nada daquilo fazia sentido. Provavelmente a frente da casa continuaria vazia se eu desse mais uma, duas ou um milhão de voltas.
Ele não estaria lá. Ou se estivesse, provavelmente tirava um cochilo no meio da tarde, completamente alheio às minhas sucessivas tentativas de vê-lo à distância naquela execução diária e absurda da passagem sobre o quebra-molas.
Uma maluquice minha, um hábito que consumia litros e litros de gasolina e se tornava a minha dose diária de expectativa em busca de alguma recompensa.
O motorista detrás gritou e ouvi a buzina frenética. Eu estava perdida em pensamentos no meio da rua. Dei sinal para que ele contornasse e vi a cara feia quando vez um sinal obsceno.
Manobrei o carro até a esquina e parei. A rodovia me acenava com simpatia e quase pude ouvi-la dizendo que compreendia, que sabia como eu me sentia, mas que o melhor era seguir em frente, esquecer aquilo e parar com aquela tolice de dar voltas e mais voltas no quarteirão.
Ouvi e concordei. Ela estava certa. Mas quem sabe... Quem sabe só mais uma volta? E quem sabe se justamente na última, a cadeira da varanda estaria ocupada?
A rodovia me olhou com censura, mas minha mente, agora fortalecida com a possibilidade, trouxe a tona os olhos castanhos e o jeito despojado com que, ele elegantemente, acomodava o corpo forte e o rosto que me levavam a agir daquele jeito, como uma completa idiota e mesmo que eu jamais admitisse, totalmente apaixonada...
Arrumei o cabelo, vi os olhos brilhantes do espelho e ignorando a voz da rodovia que me chamava para a realidade, virei na primeira esquina e parti em busca do caminho que eu já conhecia tão bem.
Vinte metros para o quebra-molas... O dobro de batidas no coração.
Reduzir a velocidade, parar, engatar a primeira marcha.
Quinze segundos para mudar o dia, criar esperança na semana, mudar o mês... Talvez a vida.
E novamente a varanda vazia...
Eu morri um pouco no mesmo instante, mas justamente quando a voz da razão começava a gritar comigo, o milagre acontece: a porta da frente é aberta e ele aparece. Copo na mão, vestindo apenas uma bermuda clara, desafiando minha sanidade...
Paro o carro e fico olhando a cena. As mãos bonitas, o peito nu, as pernas fortes que andam até a cadeira... Um olhar curioso na minha direção, um esboço de sorriso.
Fecho a cara, viro o rosto, finjo desatenção. Sou apenas alguém que passa na rua e tem que parar naquele quebra-molas. Nada mais.
Viro a esquina e deixo o corpo, enfim, tremer à vontade, enquanto dirijo para casa.
Amanhã quem sabe eu tenha sorte de vê-lo já nas primeiras voltas.
Um dia crio coragem para retribuir o olhar. Um dia, pode ser que eu não vire o rosto quando ele, sem saber, tente me matar com aquele sorriso.
Um dia, talvez eu pare já na primeira volta... E, ajeitando a barra do meu vestido de flores, desça do carro e pergunte inocentemente se ele sabe qual o melhor caminho para a rodovia.
Um dia, quem sabe...