Frágeis promessas
Em uma tarde cinza de outono, nestas em que o tédio começa a mostrar sua cara lamentosa, fui mexer em velhas gavetas.
Uma cômoda antiga, móvel indesejado do quarto de bagunças, aguardava pacientemente pela minha crueldade e pelo dia em que me livraria dela.
Há muito eu havia decidido que ela iria embora, mas assim como acontece com tantas outras coisas, ela foi ficando até se tornar parte da minha história. Uma espécie de entidade que me observava e conhecia cada fase da minha vida.
Passei a encará-la com simpatia e depois de alguns anos, sentia uma espécie de culpa a cada vez que a imaginava em um depósito qualquer ou na casa de outra pessoa que jamais a trataria tão bem quanto eu.
Naquela tarde chuvosa, foi para ela que dirigi minha atenção.
Quatro gavetas repletas de papéis velhos, cartões, listas infindáveis de coisas que nunca fiz e outras que, depois de tanto tempo, já não faziam o maior sentido.
Flores secas em livros, poemas, fitas coloridas, um papel de bala...
Lentamente o tédio foi substituído pela nostalgia e pela incrível sensação de descrença da passagem do tempo.
Para onde tinham ido todos aqueles anos? Em que momento aquele bilhete escrito com tanta paixão perdeu completamente o valor e passou a me fazer sentir constrangida? Não sei.
O certo é que havia tanto naquelas gavetas de alguém que um dia fui, que fiquei assustada. Eu havia sido tantas pessoas, em tantas vidas...
E no meio da bagunça, enquanto eu mergulhava no passado, vi a caixa. Muito antiga, de madeira clara e lustrosa pelo tempo.
É certo que me lembrava dela e do que guardava. Promessas de sonhos de encantos sussurrados no toque das minhas longas tranças cor de cobre.
Um delírio de quem acreditava que podia tudo a sorrir mundo afora sem jamais ter que se preocupar com coisa alguma, exceto ficar bem e ser feliz.
Uma flor azul. Antes prova irrefutável da fidelidade de "para sempre", era agora apenas restos amarronzados de algo que nunca se cumpriu.
Não há razões para amores que não dão certo. Apenas não dão e ponto. Foi exatamente assim que aconteceu.
Primeiro eu fui me desligando das palavras. Depois fui me incomodando com os gestos, o sorriso e os planos. E por fim, me vi fugindo das promessas.
Nada, jamais seria igual como era antes. E, se em algum momento eu havia sido profundamente apaixonada, o tempo levou meu deslumbramento e minha coragem em continuar me enganando.
Vi dor nos olhos que ainda buscavam os meus e ouvi perguntas para as quais eu não tinha respostas.
A cada vez que eu vasculhava minha mente e meu coração, não havia nada mais a ser dito. Ou talvez houvesse muito.
Mágoa, palavras inúteis, falas vazias. Ou talvez fosse apenas a extinção natural do que em algum momento, equivocadamente chamamos de amor.
Nunca saberemos e mesmo quando eu cheguei a esta conclusão, a dor não foi pequena.
Doía deixar de fazer planos. E doía mais ainda a hipótese de partir pelo mundo novamente em busca do único e perfeito amor.
No meio de tudo, porém, a dor do vazio que ficava no que antes era intenso e irretocável, gritava.
Em uma tarde cinza como esta, eu rompi com os sonhos. Os meus e os de quem acreditava que também sonhava.
Não olhei para trás por muitos anos e quando o fiz, não vi nada lá que remotamente lembrasse euforia de gritar minha paixão aos quatro ventos.
Se acabou, alguém disse, não era amor.
Joguei a flor azul no lixo, pensando em reutilizar a velha caixa, mas, logo após alguns segundos repensei.
Ela era útil. Uma prova de que o tempo muda quase tudo.
Guardei-a novamente na caixa de madeira no fundo da gaveta.
Aquela flor azul ficaria ali para me lembrar sempre que houvesse dúvida, que promessas são frágeis e muitos amores são meramente ilusão.