UM CONTO DE AMOR EM LISBOA

Por entre casas de ladrilhos brancos e azuis, numa pequena vila lusitana, vivem Joaquim e Ester, no vilarejo aprazível, daqueles bem lúdicos, onde ainda se juntam famílias para apreciar na calçada, umas sardinhas portuguesas, bem assadinhas na grelha, tomar um bom vinho, cantar cantigas, fados e sorrir.

Ester e Joaquim são um casal de meia idade, trabalhadores e gordinhos, com uma felicidade tamanha, morando dentro de seus corpos vigorosos. Têm um casal de filhos gêmeos, João Maria e Inês, jovens na faixa dos vinte anos, João é estudante de contabilidade, pois pretende ajudar seu pai no comércio de pescado e Inês é uma confeiteira muito prendada, que junto com sua mãe, cuidam de uma lojinha de tortas e doces bem no centro do vilarejo onde moram, mas, ela quer alçar novos vôos, sua intenção é abrir uma loja maior, bem no centro de Lisboa e para tanto, estuda com afinco comércio e gastronomia, quase não tem tempo, para Antonio Pedro, seu namorado desde menina, que já cansou de lhe pedir a mão, mas, ela por causa de seus sonhos, vive protelando e enrolando o rapaz, nem sabe como ele ainda a aguenta, já pouco podem namorar, pois Inês, está sempre muito ocupada com seus estudos e trabalho, apesar disso se entendem bem, é amor de verdade. Inês só gostaria que ele, tivesse um pouco mais de ambição, não se conformasse em ser um auxiliar de cartório, sem muito desejo de ampliar os estudos, naquele lugarejo pequenino. Era esperar o tempo passar, se for para eles ficarem juntos mesmo, o futuro iria conspirar a favor.

Numa daquelas tardes de domingo, de clima ameno, em meio às sardinhas e cantoria entre amigos, Antonio Pedro, bebeu um pouco a mais do que seu costume, e disse umas coisas meio grosseiras nos ouvidos de Inês, que,  o esbofeteou e disse que tudo estava acabado entre eles, o mal estar tomou conta de todos que ali estavam se divertindo, ficou sem clima pra continuarem a brincadeira vespertina, recolheram as tralhas e foram para suas casas, deixando na calçada, um Antonio Pedro vexado e com cara de ébrio, sem ação, só aparvalhado.

Por mais que Ester perguntasse, a filha não lhe dizia o que teria falado Antonio Pedro, para deixá-la naquele estado de fúria, Inês estava irredutível, não queria mais saber do rapaz. Seu irmão João Maria, era o rapaz mais paciente do mundo e também, amigo pessoal de Antonio Pedro, disse que se ele tivesse desrespeitado sua irmã iria se ver com ele, mas, Inês disse em voz firme e alta

- Não se meta nisso, ele é seu amigo e o caso em questão é comigo, não misture as coisas, nada tem a ver com você, não o odeio, só não quero mais saber dele e pronto.

Joaquim como pai, estava meio sem saber o que fazer, sonhava em vê-los juntos, casados e lhe dando netinhos, mas, pelo visto, o sonho estava sendo, definitivamente adiando, rei morto, rei posto (um dia, quem sabe).
Inês, num súbito arroubo, pegou uma tigela, com água fria e foi para fora, e assim que avistou Antonio Pedro sentado na calçada, derrubou a água fria em sua cabeça, o que fez com que o rapaz, tomasse um susto medonho. Inês então, do alto de sua convicção e orgulho, disse

- Vá para casa curar essa esbórnia, tente dormir e refletir, não lhe quero mal, só não dá mais, seja feliz!

No furor do momento, entrou em casa e falou com voz séria e definitiva
- Não se fala mais nesse assunto, já resolvi o que tinha que resolver, agora vou focar no meu trabalho e nos meus estudos, e quando eu tiver o meu negócio prosperando, voltarei, talvez, a pensar em um novo amor, agora é a vez da Inês, e só.

Ninguém mais falou sobre o assunto naquela casa, por meses, Antonio Pedro, embora passasse por ela, apenas cumprimentava e seguia seu caminho, nem mesmo, com João Maria, que era seu amigo, ele tocou mais no assunto e o amigo com ele fez o mesmo, a amizade deles permanecia intocável, já que esse era o desejo inabalável de Inês, êita! Menina tinhosa aquela, tão doce e tão determinada ao mesmo tempo.

Dois anos se passaram e com tudo o que juntou e mais um financiamento a perder de vista, Inês concretizou o sonho de ter uma confeitaria, bem no centro de Lisboa, não era do tamanho que ela pretendia a princípio, mas, era charmosa e bem localizada. Com duas amigas que também, cursavam gastronomia, montou a tão deseja confeitaria, com foco em tortas, bolos e doces, e já começaram bem, pois seus toques delicados na decoração dos bolos e nos recheios primorosos e variados, conseguiram bem rápido uma clientela assídua, não só compravam por encomenda, como também, saboreavam fatias na própria confeitaria, num cantinho aconchegante com quatro mesinhas, e de brinde as moças ofereciam aos clientes um chá de frutas para acompanhar, uma cortesia muito apreciada pela clientela.

Na pequena confeitaria da família lá no vilarejo, sua mãe conseguiu uma vizinha, que não trabalhava fora e por algumas horas da manhã e umas poucas à tarde ela a auxiliava na lida e o movimento era tranquilo, exceto aos finais de semana, mas, elas davam conta e tudo transcorria sem transtornos ou atropelos. A vida naquele lúdico lugar seguia seu curso, sem alterações.

Passados mais uns três anos, a confeitaria de Inês, havia sido ampliada e ela pode contratar mais duas funcionárias e colocar mais quatro mesinhas, além de agora, também servir licores em pequeninos cálices e café para sua clientela. Inês, pôde até se dar ao luxo de deixar suas sócias sozinhas por uma semana, para poder passar um tempinho com sua família, pois durante o tempo em que o negócio prosperava, não havia voltado à sua cidade nenhuma vez, só falava com os pais pela internet e pelo telefone, a saudade estava consumindo seu coração, precisava abraçá-los e enchê-los de beijos e mimos. Escolheu uma bela torta de ovos moles com nozes, decorou com afeto e carinho e partiu para sua semana de folga, desejando que a viagem fosse rápida para poder logo matar as saudades de casa.

Sua chegada foi uma festa, todos queriam saber das novidades, apreciaram e elogiaram sua aparência mais urbana e elegante, mas seu jeitinho de ser era o mesmo, ela ainda era uma menina doce e delicada. Fizeram uma festa na rua para sua chegada, com sardinhas, azeitonas, bacalhau com batatas ao murro, muito vinho e flores perfumadas, ela ficou maravilhada e chorou de felicidade, quase que amassou seus pais, irmão e amigas, de tantos abraços.

Como era de se esperar, perguntou por Antonio Pedro, e soube por seu irmão, que ele havia partido para o Brasil, em busca de novos horizontes, seus pais recebiam mensalmente, algum dinheiro por banco postal, valores a cada dia mais vultuosos, cartas sem muitos detalhes, só relatando que estava prosperando num negócio que montara por lá e que não havia se casado, ainda pensava muito em Inês, mas, estava seguindo a vida, como determinado por Deus, logo que pudesse lhes faria uma visita e não dava mais informações, parecia estar bem. Inês, apesar de não manifestar emoção na frente de seu irmão, ficou tocada por saber que ele ainda pensava nela, pois apesar do arroubo de fúria anos atrás, ela ainda o amava de todo o coração, mas, só confidenciou isso com sua mãe e lhe pediu segredo.

Ester viu uma luz no fim do túnel, ela e Joaquim queriam netinhos, embora tenha afirmado para Inês que não falaria nada com ninguém, ficou matutando uma forma de fazer chegar essa informação até Antonio Pedro, quem sabe, ela poderia dar uma forcinha para que eles voltassem a se encontrar e se o amor deles ainda existia, tudo conspirava para que fossem felizes, bastava dar uma mãozinha ao destino. Depois que Inês retornasse à Lisboa, ela iria tramar alguma coisa com a mãe de Antonio Pedro, ambas queriam a felicidade daqueles dois, agora era aproveitar para mimar a filhota com todo carinho, pois era só por uma semana e ela queria aplacar toda a sua saudade.

A semana passou mais rápido do que Inês gostaria, mas, precisava voltar, uma de suas sócias, também iria aproveitar uma semana com a família, quando ela retornasse. A despedida foi chorosa, como em toda boa família portuguesa, enfim, depois e abraços e beijos partiu. Ao chegar em Lisboa, as notícias eram as melhores possíveis, uma empresa havia contratado os serviços da confeitaria para um buffet em recepção para um abastado comerciante de jóias que iria ficar hospedado no maior hotel de Lisboa, para um encontro com outros grandes negociantes e a festa tinha que ser perfeita, e o preço que ofereceram pelos serviços foi mais do que generoso, elas seriam responsáveis, por todas as sobremesas e pela imensa torta que fora encomendada para o último dia do evento. Elas ficaram orgulhosas do nome que estavam fortalecendo na cidade, e se puseram a elaborar um cardápio a altura do abastado comerciante.

Como o Universo é sábio e os desígnios de Deus são irrefutáveis, no dia da recepção, Inês e suas sócias, deixaram a confeitaria por conta das duas funcionárias e elas mesmas com uniformes elegantes e charmosos, junto com uma equipe de mais seis ajudantes, foram organizar e servir com toda a delicadeza, aos participantes e convidados do evento. O hotel era de um glamour só, muita gente bonita e rica, perfumes delicados e marcantes flutuavam pelo ar condicionado perfeito, muitas jóias à vista, afinal era um encontro de joalheiros e comerciantes de pedras preciosas, era de se esperar que assim fosse.

Quando foi anunciada a chegada do convidado principal, o tal abastado comerciante de jóias, e ele começou a descer a escadaria, acompanhado de um possível secretário, pelos salamaleques que o mesmo fazia, Inês quase que deixou cair a bandeja com pastéis de Belém, que estava em suas mãos, o rico comerciante, era nada mais, nada menos do que Antonio Pedro, seu grande amor. Inês parou no tempo, quase que nem percebeu a cara de bôba que estava fazendo, tratou de se recompor e seguir com seu trabalho.

Antonio Pedro foi logo cercado por muitas pessoas, loucas para agradá-lo, que nem se apercebeu dela, passada uma hora, depois das reuniões profissionais, uma orquestra de cordas, começou a ambientar o local com música suave e começaram a servir, champanhe, licores, água, queijos fortes e  acepipes adocicados de tamanho diminuto, como habitualmente se vê nos buffets. Nesse momento Antonio Pedro reconheceu ao longe o amor de sua vida e quase que deixou um joalheiro falando sozinho, pois estancou ao avistar a linda Inês, tão perto dele. Educadamente terminou a conversa e foi procurar por Inês, mas, a perdeu de vista e outra vez foi cercado por comerciantes bajuladores, lhes deu a atenção apenas necessária, pois o que viera fazer ali, já estava concluído, só queria agora saber de encontrar Inês.

Percebeu que outras duas moças trajavam o mesmo uniforme que Inês e tratou de tirar delas toda a informação possível, soube por elas que Inês estava na copa central do hotel, finalizando o serviço que estavam prestando, e sem sequer agradecer às moças, partiu para a tal copa. Logo que avistou Inês, ficou por um momento sem saber o que dizer e essa foi a mesma reação de Inês, ficaram ambos apenas se olhando, até que Antonio Pedro, lhe puxou para fora pelo braço e literalmente a arrastou para fora do hotel, ela o seguiu meio que tropeçando, com o coração aos pulos. Lá fora no esconderijo de uma pilastra, eles enfim, se cumprimentaram, com um abraço simples, ela contou abreviadamente que prosperara em Lisboa e ele em contrapartida lhe contou que o passa fora que Inês lhe dera, o fez querer crescer e com árduo trabalho, conseguiu sucesso em terras brasileiras, o pulsar de seus corações podia ser ouvido pelos dois, nenhum deles esperava por essa faceta do destino. Inês disse que precisava retornar, pois era responsabilidade de sua confeitaria, o serviço de buffet que estava sendo prestado e tudo precisaria sair perfeito, ele compreendeu e pedindo o endereço da confeitaria, deixou-a ir combinando de dar uma passadinha por lá, antes de retornar ao Brasil no final da semana, se despediram formalmente, mas, com os corações em febre batendo furiosamente.

Inês voltou tonta para concretizar o serviço, envolta por paixão e meio atordoada, precisava focar, à noite os travesseiros lhe dariam ouvidos. Por sua vez, respirando profundamente e tentando se refazer do agradabilíssimo e inesperado encontro, retornou ao salão do hotel, para as suas despedidas e resoluções finais, estava doido para ir para sua suíte e só pensar em encontrar Inês, muito antes do que se propusera.

No lugarejo de origem do casal, suas famílias nem podiam supor que o destino já estava trançando seus cordões e os pontos de duas vidas estavam de novo se encontrando.

Passaram-se dois dias e Inês estava desatenta e avoada, então suas amigas, no horário em que costumavam fechar a confeitaria lhe interpelaram, sobre o que estava acontecendo com ela, estava sorrindo pelos cantos, cantarolando baixinhos, perguntaram se tinha alguma a ver com o comerciante que perguntara às duas por ela, no tal evento no hotel. Inês resolveu se abrir com as amigas e contou toda a história deles para elas, que sentimentais como eram, o ar ficou cheio de ais e suspiros. Era no mínimo uma história de amor se reiniciando, e torciam pela felicidade dos dois, aquele encontro não fora por um mero acaso.

Quando estava fechando a porta da confeitaria, se despediu das amigas, e começou a caminhar para seu apartamento, foi abordada por Antonio Pedro que a seguia de longe, até que as amigas delas tivessem se afastado bastante, ela levou um pequeno susto e mais uma vez seu coração disparou, como ele estava bonito e elegante, com um ar confiante que antes não existia, belo homem ele se tornara. Ela nem percebia o quão ela estava também bela, sem o ar de menina de quando eram namorados. Ele lhe ofereceu o braço e foram caminhando sem um destino certo, apenas conversando sobre suas vidas, em determinado momento, sentaram em banco de praça, e o destino começou seu enredo, a aproximação dos corpos carentes e saudosos, deu origem a um beijo a princípio terno e logo depois sôfrego de amor contido, por anos de crescimento pessoal. Nada mais agora os separaria, o passado ficou no passado, e o presente criava agora novos e compactos laços.

Passaram o restante da semana entre trabalho e encontros, se reconhecendo, enfim, Antonio Pedro se convidou para o apartamento de Inês, e naquela Lisboa nova e velha, um antigo novo amor se estabilizou, Inês e Antonio Pedro, tiveram uma linda e tórrida noite de amor, selando para sempre suas vidas.

Eles não queriam mais esperar, iriam se casar, e ajustar suas vidas, ali mesmo em Lisboa, ele precisaria de um certo tempo para reorganizar seus negócios no Brasil e em suas férias de núpcias levaria Inês para conhecer a terra onde prosperara, depois retornariam à Lisboa para comprar uma casa,  ele daria à Inês um local para que ela pudesse expandir seus sonhos de ter uma grande confeitaria com mais funcionários e suas sócias se revezariam com ela na direção dos negócios, pois ela teria que ter tempo de sobra para mimá-lo e lhe dar filhos, os netinhos que suas famílias que tanto queriam.

Não vou me alongar, relatando toda a felicidade que um certo lugarejo lusitano ficou, com a notícia do reencontro deles, isso vocês podem facilmente, imaginar, só posso acrescentar que, num curto espaço de tempo, uma nova família foi concebida, com muito amor e união.

 
Cristina Gaspar
Rio de Janeiro, 10 de julho de 2015. 
Cristina Gaspar
Enviado por Cristina Gaspar em 10/07/2015
Reeditado em 11/07/2015
Código do texto: T5306750
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