(O começo)
São sete horas da noite, Rosália sai do banho:
- Esse mês irão fazer dois anos que estamos juntos amor.
- Eu sei querida, estou muito feliz por isso!
- Sabe, acho que chegou a hora de definirmos nossa situação. Não podemos mais ficar nos encontrando assim. Eu amo você, sabe muito bem disso.
- Sim amor, eu sei. Mas, preciso de mais algum tempo. Para resolver as coisas...
- Paulo, não aguento mais essa conversa. Chega! Você terá que se decidir, sua esposa, ou eu!
- Não é assim Rosália, você sabe muito bem. Tenho muita coisa pra resolver com a Ana, a divisão dos bens, a guarda das crianças, etc...
- Porra, Paulo! É sempre a mesma história. Bens, crianças, dinheiro, etc... Você nunca resolve nada e fica sempre me enrolando...
- Amor, você sabe que eu te amo!
- Ama droga nenhuma! Se me amasse, já teria se separado há muito tempo!
- Tá bem! Me dê mais uma semana e lhe darei uma resposta.
Paulo se despede de Rosália que o ignora, entra em seu automóvel e se dirige para casa. No caminho para num bar para tomar umas cervejas e pensar sobre a vida. Quando de repente encontra-se com Romildo, um amigo do trabalho.
- E aí Paulo, tudo bem?
- Mais ou menos Romildo...
- Que foi cara, que tá havendo?
- Pô cara, tô saindo com uma mulher há um certo tempo. Daí que hoje, ela me colocou na parede e dessa vez, creio que seja definitivo. Ela quer que eu largue minha esposa, para ficar com ela.
- Caraca, que loucura! E você, falou o que pra ela?
- Ué! Que poderia dizer? Pedi uma semana, mas não vou entrar nessa não! Não posso...
- Ô cara! Nem conheço essa mulher, mas vou logo lhe dizendo: - Não se troca o certo pelo duvidoso. Aventura é só aventura, você sabe disso. Pensa direitinho... Vê lá a merda que você vai fazer.
- Pois é cara! Valeu, um abraço.
Três meses depois o telefone na mesa de Paulo toca insistentemente pela manhã durante o expediente. Foi assim a semana toda. Paulo levanta-se olha o número duas vezes no identificador de chamadas, suspira fundo e desliga o aparelho.
(O reencontro)
Numa noite de sábado, Paulo lancha na praça de alimentação de um Shopping com sua esposa, Ana e seus dois meninos. Um pouco à frente, senta-se uma loira de cabelos compridos e óculos escuros. Entre os dedos mantém um cigarro apagado. Após alguns instantes, a loira exuberantemente bela, levanta-se e se dirige a sua mesa. Retira os óculos, olha nos olhos de Paulo e pergunta:
- O Senhor tem fósforos?
Paulo gela! Rosália ressurge a sua frente após um ano e logo diante de sua família. Gaguejando responde:
- Não, sen, senhora...
- Poxa, que pena! O Senhor tem uma bonita família!
Ana olha para a moça e diz:
- Obrigada, moça! Quer sentar?
- Não obrigada. Estou esperando o meu namorado.
Paulo respira aliviado, mas em seguida é tomado por um misto de fúria e ciúme. Porém, não reage.
Ana, então, diz:
- Amor, peça a conta vamos embora.
- Sim, vou pedir.
Quando chegam ao estacionamento e pegam o carro. Ana diz:
- De onde você conhece aquela mulher, Paulo?
- Nunca a vi mais gorda, deve ser uma destrambelhada qualquer.
- Não foi o que pareceu, Paulo. Sinceramente... Como ela sabia que você já fumou?
- Não sei, amor. Mas, ela é louca. É proibido fumar no Shopping.
- Por isso mesmo eu acho que ela o conhece. Ter vindo a nossa mesa para acender um cigarro foi apenas um pretexto. Diga, Paulo de onde a conhece? É algum caso seu?
- Amor, por favor. Não crie coisas que não existem na realidade. Eu nunca vi essa mulher...
Em seu íntimo, Ana sabia que Paulo estava mentindo. Mas, resolveu silenciar. Ao chegar em casa, Paulo mais que apressadamente vai tomar um providencial banho. Ana senta-se na cama, olha o telefone na cabeceira e aciona a secretária eletrônica. Um dos recados diz: Você ligou para a residência de Paulo, Ana, Pedro e Lucas. Após o sinal deixe o seu recado:
- Então, Paulo, adorei conhecer a sua família no Shopping. Seus filhos são lindos. Não sabia que você havia parado de fumar. Desculpe, tá! Beijos, sua Rô.
(A Separação)
São cinco da manhã, Paulo acorda sobressaltado. Olha ao redor, não reconhece o quitinete em que vive, ao seu lado dorme uma prostituta que ele acorda.
- Acorda vamos, acorda.
- Que foi gato?
- Levanta, tenho que ir embora. Quanto foi o programa?
- Pra você, ia cobrar mais barato. Mas, como me trouxe para essa espelunca, duzentos reais.
- Vamos, vista-se. Tome mais trinta para o táxi.
- Obrigada, querido. Quando quiser é só ligar, tá?
- Bora, bora, vamos...
Paulo mergulha a cabeça no travesseiro que começa a rodar… Ele não consegue admitir que Ana esteja casada com outro, sequer admite, que Pedro seu filho mais velho, não fale mais com ele. Toma um banho, veste a mesma roupa do dia anterior e vai trabalhar. Ao chegar ao trabalho, seu chefe o chama.
- Pois é, Paulo. A firma está passando por uma reformulação e teremos corte de gastos, como você não vem rendendo como antigamente, eu lamento, mas, teremos que demiti-lo.
- Mas, Romildo. Somos amigos, me dê mais uma chance.
- Paulo, há três anos, desde que você se separou eu venho fazendo isso. Mas você só chega atrasado, mal vestido, de mau humor, não apresenta espírito de corpo, não interage com os funcionários, não vende nada. Deu! Se não o demitir, quem perderá o emprego sou eu, lamento!
Paulo levanta-se, olha para baixo e diz:
- Tudo bem, Romildo. Peço desculpa pelo trabalho que lhe dei. Tenha muito sucesso em sua administração.
Paulo estava sendo sincero, sabia que Romildo era seu amigo e o tinha segurado por muito tempo, que realmente não vinha apresentando mais resultado e não tinha estímulo para trabalhar.
- Vá com Deus, amigo! Passe no DP, você tem um bom dinheiro para receber. Ah! Vê se dá um tempo na bebida.
- Vou tentar...
De volta a seu quitinete, Paulo olha uma foto de Ana com seus filhos. Uma tristeza aperta-lhe o peito, subindo até a garganta. Ele a sufoca, liga então para o celular do Lucas de 13 anos, com quem ainda fala:
- Oi, filho! Tudo bem?
- Oi, pai. Estou com saudade... Quando é que o Senhor virá me buscar?
- Pois, é filho. Sábado vou passar para te pegar. Fala com o Pedro para vir também.
- Ih, pai! Acho que não vai dar. Ele vai sair com a mamãe para ver coisas de sua viagem. Irá passar seis meses em intercâmbio no exterior.
- Tudo bem, filho. Sábado estarei aí.
No sábado, ao chegar, Lucas o aguardava na portaria do prédio. Sequer pôde subir para ver a ex- esposa e o filho Pedro.
- E aí, filho. Como estão as coisas?
- Está tudo bem, mas a mamãe pediu para o Senhor não ficar muito tempo aqui na portaria, que ela irá descer com Pedro e o tio Cláudio, e o Sr. sabe, eles não gostarão de vê-lo por aqui.
Uma silenciosa lágrima desce pelo rosto de Paulo. Ele disfarça e segura carinhosamente a mão de seu filho, leva-o até o carro e parte. Naquele momento sabia que uma página de sua vida, estava literalmente virada.
- Então filho, onde você quer ir?
- Pai, eu quero ir à praia, trouxe sunga, lanche e suco. Vamos, pai? Quero aprender a nadar.
- Sim filho, vamos à praia! Embora na vida, tenha sido um péssimo marinheiro. Irei sim, ensiná-lo a nadar.
(Parte final)
- Então, Paulo, o terno será entregue amanhã em seu endereço. Peço que caso apresente algum defeito, vá à loja e providencie o conserto. O Lucas está muito feliz porque irá se formar, e você é tudo para ele. Não o decepcione.
- Sim, Ana. Não vou decepcionar nosso menino. E o Pedro, tem notícias?
- Olha, Paulo. Ele está casado e morando em São Paulo. Continua muito magoado com você. Eu não o procuraria em seu lugar.
-Tudo bem, Ana. E você?
- Paulo, melhor mudarmos de assunto. Preciso desligar, até logo!
Paulo põe o telefone na mesa e ingere mais uma dose de sua forte bebida. Depois levanta-se, vê que já passam das doze horas e vai fritar um bife. Sua geladeira está praticamente vazia. Sua sobrevivência, após o término do dinheiro que recebeu quando foi demitido, se dá através de uma ajuda módica que sua mãe lhe faz todos os meses. Lucas, seu filho com Ana, forma-se em Engenheiro no fim de semana. Paulo está orgulhoso e espera a entrega do terno que sua ex-esposa Ana, lhe comprou.
Na ante-véspera da formatura, Pedro vem dar os parabéns ao irmão:
- E aí, mano. Parabéns, agora também será um Doutor.
- Obrigado, Pedro. Mas, ficaria mais feliz se você perdoasse o papai. Mamãe, disse que ele está doente. Não viverá muito.
- Está bem, mano. Diga-lhe que falarei com ele no dia de sua formatura.
- Pô, mano. Obrigado! Ele é um cara legal, ensinou-me até a nadar...
- Eu sei disso, Lucas. Eu sei disso...
A formatura está marcada para o sábado à noite. Na sexta, Paulo experimenta o terno que lhe cai muito bem. Entretanto, durante a tarde passa muito mal, por conta própria ingere um punhado de remédios para dor. À noite um carro vem buscá-lo em casa, adentra e segue para formatura do filho. Quando o motorista lhe diz:
- E aí, pai. Feliz com a formatura do Lucas?
Embora ainda esteja com um pouco de dor, Paulo reconhece a voz do filho Pedro. Pede para parar o carro e o abraça.
- Filho, como eu te amo! Como fui tolo em ter perdido vocês para meu egoísmo. Oh, filho! Perdoe seu pai.
- Oh, pai! Eu também te amo! É claro que o Senhor está perdoado. Agora vamos para a formatura do Lucas.
- Sim filho, vamos!
A formatura se dá em alto estilo, Paulo não bebe durante todo o evento. Ao final, Pedro o leva para casa, eles se despedem. Paulo deita-se para dormir naquele que seria o dia mais feliz de toda a sua vida.
Um ano depois, Paulo falece em razão de um tumor maligno. Durante o velório, Rosália surge com um lenço na cabeça e óculos escuros. Ana, que embora a tivesse visto apenas uma vez, a reconhece e segue em sua direção. Rosália se assusta, mas permanece imóvel. Quando então, Ana diz em tom alto, asperamente:
- Você está satisfeita Rosália, agora que enterrou o pai de meus filhos?
Rosália, não responde. Mas, diante da situação vexatória que rompe o silêncio e chama a atenção dos demais presentes, decide envergonhada, retirar-se do velório.
Pedro e Lucas se entreolham e ficam muito orgulhosos de sua mãe, embora separada há muitos anos de seu pai e durante todo esse tempo ter mencionado pouquíssimas vezes seu nome. Sem perder a elegância que lhe era natural, determina com poucas palavras a retirada da mulher que em momento algum a respeitou, não permitindo que a desonra maculasse a imagem de seu ex-marido, diante de seus filhos.
Ana continuou a viver com Cláudio. Não permitindo jamais que seus filhos tocassem no fato ocorrido no velório do pai. Também não questionou quando o filho de Pedro nasceu e foi batizado com o nome de Paulo. Procurou viver o resto de seus dias de forma natural, amando muito sua família e respeitando sobretudo Cláudio, homem que sempre esteve ao seu lado e que no passado, demonstrou, carinho e compreensão nos momentos mais solitários e depressivos de sua vida.
Quanto a Rosália, após alguns anos entre um relacionamento e outro, conheceu um estrangeiro pela internet , deixando o país.
Obs: Essa é um obra de ficção. O assunto abordado nesse conto, não reflete necessariamente a opinião do autor.
Revisão: MHCC/CSVF