Feito Furacão

O sol entra pela janela anunciando o dia, já são dez horas. Deveria ter bebido mais noite passada, a ressaca de algumas doses de vodca é mais forte que a de todo o litro. As louças do jantar ainda estão sujas, deveria ter lavado noite passada.

Ele ainda dorme, com sua consciência leve feito uma pena, eu deveria saber que homens como ele não tem remorso. Seu telefone insistentemente toca sem parar, mesmo assim ele não desperta, sua mente deve estar acostumada com essa situação.

Pego o telefone, êxito em atender, “Amor” mais é claro, quem poderia ligar a esta hora em pleno domingo! Desliguei, não aguentava mais ouvir aquela música chata, eu deveria fazer o engolir, jogar na privada ou mesmo atender e dizer toda a verdade para aquela que era enganada quase todos finais de semana, mas é claro que ela já desconfiava de algo, uma mulher não poderia ser tão burra assim.

Ele levanta rapidamente colocando suas roupas, aquela cena já era típica. Se vestirá, escovará seus dentes com a escova que eu o comprei há dois meses, me dará um beijo e vai dizer que vai me ligar só que as horas vão passar alguns dias, até que em uma noite de sábado meu telefone vai tocar, ele vai estar bêbado em algum bar da cidade, provavelmente não arrumou alguma mulher que a se deixou seduzir pelo papo barato dele, a ultima alternativa é vir aqui, transar comigo ardentemente enquanto eu penso que ele será meu, algum dia, mesmo eu sabendo que o tenho só por algumas horas, ele vai estar tão bêbado que assim que terminar se deitará e vai cair em um sono profundo, nem uma palavra, um beijo ou um abraço. O quarto ficará em um silencio, eu demorarei a dormir enquanto o observo.

Eu sabia que não poderia mais deixar aquilo acontecer, essa sensação de perda toda vez que ele ia embora me assustava, eu não poderia viver esperando uma ligação, ser dependente de um sexo tão traiçoeiro como o dele, tudo tinha que acabar eu tinha que me libertar.

Ele me encara preocupado, sem ao menos perceber minha irritação.

- Que horas já são?

- Hora de você ir embora... Acho que você deve explicação a alguém!

Ele me olha sem entender, sua mente ainda estava abalada pelo álcool.

- Não estou entendendo o que você quer dizer... Você viu minhas chaves?

Meu olhar de reprovação só o deixava confuso, mas é claro nunca o cobrei, nada de explicação, nada de telefonemas, talvez esse tenha sido o erro.

- Eu aposto que você deve dar cada desculpa esfarrapada para ela, vai dizer o que? Que bebeu demais e achou melhor dormir na casa de um amigo? Ela deve ser muito burra mesmo para acreditar em um homem que passa quase todos finais de semana dormindo fora de casa!

Minhas palavras saiam atropeladas, eu tinha muita coisa entalada na garganta, minhas mãos suavam e estranhamente eu tremia, meu corpo tremia. Enquanto eu falava ele me ignorava procurando suas chaves, revirando minha casa ao avesso, assim como fez em meu coração!

- Eu devo ter deixado elas...

Eu queria mata-lo.

- ME OUÇA!

Minha voz saiu tão firme e alta que até me assustei, não era minha intenção usar esse tom, não queria demostrar meu descontentamento.

Ele me olhou assustado, acho que não estava entendendo nada.

- Diga, estou lhe ouvindo! O que está acontecendo com você? Você sabe que nós...

O interrompi não podia ouvir o que ele iria dizer! Eu não poderia deixa-lo me machucar ainda mais.

- Eu me envergonho por você, eu não sei como alguém pode colecionar tantos defeitos assim. Diga-me como é dormir todo dia em uma cama diferente? Como é sair de casa sabendo que você vai ferir alguém que lhe ama? Me diga como é vir aqui, transar comigo e simplesmente me esquecer o resto da semana?!

O olhar dele agora me atravessava, obviamente estava perturbado. Ele se aproximou, eu pude sentir o calor do seu corpo e o cheiro do cigarro que ficava em sua roupa. Estranhamente eu senti medo, um frio na barriga. Ele me olhou fixamente, o que fazia o frio da minha barriga só aumentar.

- Você também poderia me dizer... Como é dormir com alguém que você sabe que não vai ligar no dia seguinte, como é dormir com alguém que sai de casa para ferir alguém que lhe ama, como é dormir com alguém que pula em cama em cama? Me diga, vamos lá... Não se faça de vitima. Acho que a vodca de ontem não lhe fez bem.

Meus olhos cheios de lágrimas só deixavam evidente meu descontrole emocional, embora eu soubesse que ele tinha razão, eu fazia parte do que eu mesmo desprezava, eu não podia reclamar algo que não era meu. Eu nunca tinha demostrado o que eu sentia por ele, e das poucas vezes que tentei, ele se desviava eu sabia que ele era do tipo que não gostava de romantismo. Minhas pernas ficaram bambas e minha voz baixa.

Tirei as chaves de meu bolso. Seu olhar me queimava, mas eu não sentia medo, eu queria que ele me esmurrasse que ele me ferisse, eu queria que ele me agredisse mais do que ele fez hoje.

- Aqui estão suas malditas chaves! Fique a vontade para sair, mas não para voltar!

Em um gesto rápido e rude, ele tirou das minhas mãos as chaves, sem nem sequer olhar em meus olhos ele se virou, ajeitou o cabelo no espelho, enquanto eu imóvel fiquei, a ultima coisa que me lembro foi do estrondo que a porta fez quando ele a bateu.

Seu cheiro estava por toda a casa, eu me odiava por ter me permitido viver algo tão sujo, eu o odiava por ter ido embora, estava tudo morno tudo calmo, apenas os ruídos do meu choro enquanto observava seu carro ir embora.

Ele foi como um furação chegou calmo como um brisa leve que refresca seu rosto, foi se tornando mais intenso e quando chegou ao extremo, chegou destruindo tudo, e levando o que eu tinha de mais importante, o meu amor.