A xícara, o café, e o amor.
Era uma vez uma xícara e um café
Pois a xícara sempre ouviu, desde pequena, quando era só uma porcelanazinha disforme, que um dia encontraria o café da sua vida.
E o café, antes da torragem e da mistura malandra com cevada, já ouvia a conversa dos cafés mais velhos de que todos tem uma xícara a sua espera.
Que algumas xícaras fossem trocadas por copos plásticos era vulgar, mas tão comum!, e disso nossa xícara foi alertada
E com que espanto o café ouvia, ainda dos cafés mais velhos, que algumas xícaras por aí andavam de casos e casos com chás verdes, brancos e vermelhos, numa grande libertinagem orientalista.
Mas... e o que será feito do meu café, perguntava a xícara.
Mas... e o que será feito da minha xícara, perguntava o café.
Foi quando quis as mãos, que não eram do destino senão de um estudante, que o xícara e café se encontrassem.
E no calor do momento, no confuso e preciso instante em que água borbulha mas não ferve, o escuro encontrou o branco. Porcelana manchada, calores dissipados, sabor que fere em amargor e prazer(e alguns juram que vício).
Goles de amor, vapores de gozo. E a sensação agoniante de que pouco a pouco o café saía da xícara e a xícara se esvaziava de seu café. Promessa cumprida, provada, agora encerrada.
Para onde vai que nada deixa?, reclama a xícara.
Por que vou se quero ficar?, lamenta o café.
É quando resta a mancha, aquela mornidão triste, o gostinho esvaindo ao final da língua.
É quando sujeito e objeto se confundem, se é que existiam, e já não se sabe quem marca e quem é marcado.
Mas a marca fica.
E é quando se sabe que até os finais podem ser felizes – mesmo para uma xícara agora sem seu café, mesmo para o café que agora vai sem sua xícara.