O Último Suspiro
O barulho das crianças começara a lhe causar dores de cabeça, juntamente com a incessante pergunta - O jantar já está pronto? Realmente não era assim que Caroline desejara passar o fim de semana na praia. O marido estava jogado no sofá da sala assistindo telejornal e comendo "doritos", fazendo o típico som que triturava a paciência de sua esposa. As crianças não estavam em lugar algum, ou melhor, estavam em todos os cômodos do pequeno sobrado, não paravam de correr por um instante.
Angustiada, ela se dirige à pequena sacada, que era de frente para o mar, mas se olhasse para a direita ou esquerda enxergaria as ruas do centro. Apoia-se sobre os braços, curvando-se como se fosse orar, sustentada pela estrutura de madeira. A brisa marítima acariciava seus belos cabelos dourados. Ela olha para o lado e vê jovens bebendo e dirigindo picapes rebaixadas. Ouve também algum "hit" do verão, mas é demais madura para saber o nome da melodia remixada por algum DJ. Seus pensamento são voláteis e logo se dissipam em meio ao som das ondas.
De repente, fragmentos de memórias, recordações de um passado longínquo começam a desflorar sua consciência.
Lembrou de um certo rapaz, que quando era jovem o havia menosprezado. Tal rapaz era deveras louco, havia se apaixonado sem ao menos conhecê-la, apenas por fotos. Enviou-lhe mensagens, cartas, fez convites e até se declarou sob rosas azul-celeste. Ele lhe causava calafrios, era difícil acreditar que aquele cavalheiro fosse real. Para ela era apenas mais um método de conquista, apelativo com certeza. Mas ela jamais se livrou da dúvida, pois não aceitou os inúmeros apelos do garoto para conhecê-la.
Ele tinha convicção forte, dizia que sua intuição o guiava. Isso encantava-a, mas as farpas doloridas de um antigo amor lhe deixava receosa para qualquer demonstração de intrepidez e coragem daquele jovem destemido. Talvez, se tivesse dado a ele uma chance sequer, poderia estar lá embaixo, nas ruas do centro, aproveitando a abafada noite que se fazia neste verão. Ou então, em um Luau, pisando na areia áspera e pedregulhosa das praias do Paraná. Mas só talvez, afinal o que lhe garantiria isso? Enfim, convenceu-se que fizera a escolha correta.
O brilho das estrelas, ofuscado pelas lembranças de Caroline, iluminava a orla da praia. A lua tímida apareceu apenas pela metade, estava na penumbra dos céus, à espreita. Curiosa para saber o que se passava na cabeça daquela linda senhora, que um dia foi uma moça exuberante, de feições invejadas, de olhos meigos e fascinantes. Proprietária de sonhos e anseios que aos poucos foram caindo pelo caminho, esquecidos pela indiferença e os que teimavam em continuar foram esfolados pelo medo. Agora o que lhe restou era revivê-los em lembranças, na vã esperança que algum renascesse e encarnasse naquele corpo, ainda belo, mas fadigado pela rotina e pelos dissabores do tempo.
o calor da noite e das memórias faziam Caroline transpirar. Ela continuava estática, com o sorriso levemente revelado e os olhos mirando o infinito, que fazia fronteira com as águas negras do oceano. Num último suspiro, as lembranças se esvaem pela sacada e começam a desvanecer no asfalto da rua. Caroline dá meia volta, e lentamente volta para a cozinha. Nunca mais lembrou daquilo. Viveu por mais vinte anos até ter uma morte entediante, assim como os anos que sucederam sua juventude.
Jamais soube que o jovem que sonhador foi encontrado enforcado em seu quarto, duas semanas após suas tentativas desesperadas. Com ele uma carta:
"Jamais deixarei de te amar Caroline, meu corpo está desfalecido por sobre esta cama, na qual sonhei muitas vezes em deitá-la em meu colo e acariciar seu belo cabelo, olhar em seus olhos verdes e dizer, finalmente, que a vida vale a pena. Mas não posso mais tocá-la, não posso mais sorrir, não posso nem mais viver. Posso apenas, talvez, ser imortal em suas mais íntimas recordações. Até que você me expulse, e o mar de ressaca venha me buscar, destilando minha tristeza e poesia, afogando minha alma com minha própria solidão..."
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