I Promise.

Assim que as cortinas se abriram, pude perceber a displicência da plateia. Era apenas mais um espetáculo que se iniciava, mas para mim era muito importante. Era O espetáculo. Talvez a apresentação mais importante de toda a minha vida, pois era a primeira que eu realizava no teatro da cidade.

Não conseguia descrever a emoção que senti ao pisar naquele palco pela primeira vez. O mesmo palco no qual minha mãe se apresentou inúmeras vezes e foi ovacionada pelo público por seu talento. Como eu queria que ela estivesse aqui agora para me assistir. Já perdi a conta de quantas vezes a vi ensaiando à noite, quando o teatro estava vazio. Ela sempre se dedicava ao máximo para dar o seu melhor. Sempre levou o balé muito a sério. E eu nunca me importei em passar todas as noites a observando dançar. Ver sua expressão de contentamento bastava pra mim. Desde pequenininha, quando via minha mãe rodopiando pelo palco do teatro com suas sapatilhas cor de rosa e seu belo figurino eu percebia que era aquele o seu lugar. Ela nascera para ser bailarina. Eu assistia todos os seus espetáculos com os olhos atentos a cada movimento, com um misto de fascínio e admiração. Era encantadora a forma como seus pés se moviam com leveza e com passos tão precisos. Ela parecia um anjo flutuando sobre o palco com seu tutu rosa dando ainda mais graciosidade à dança. Sempre soube que seguiria seus passos. Sempre fui admirada por isso. Minha mãe também não demorou pra notar minha vocação e me matriculou nas aulas em um estúdio de balé perto de casa. Ela sempre me apoiou e me dava dicas de como me movimentar e como mexer os pés com mais suavidade. Ensinava-me os truques que foram passados a ela em seus anos de experiência. E eu não pude deixar de ficar feliz ao ver que a minha mãe não só estava entusiasmada com minha iniciativa, como estava orgulhosa também. Sua única filha seguiria seus passos. Era como se o seu sonho mais secreto estivesse se tornando realidade. Ela sempre me dizia o quanto ficaria orgulhosa se eu me apresentasse no mesmo teatro em que ela aprendeu tudo o que sabia. No teatro da cidade. E apesar da vergonha de dançar para uma grande plateia, eu realmente queria aquilo. Meu sonho era ser tão aplaudida e aclamada quanto ela. Ser uma bela e pequena bailarina naquele enorme palco. Ver as cortinas se abrindo diante de mim, revelando uma plateia entusiasmada.

– Eu vou estar na primeira fileira do teatro pra te assistir, filha – minha mãe disse.

– Promete?

– Eu prometo.

–Sério? – insisti.

–Eu nunca quebro minhas promessas – ela sorriu.

Ela realmente não prometia algo se não tivesse a intenção de cumprir. Era uma mulher de palavra e eu acreditava exatamente em tudo o que ela dizia. Eu me orgulhava de ser filha dela. Se eu me tornasse metade da pessoa incrível que ela era, poderia me considerar sortuda.

Quando minha ela faleceu devido a um problema no coração, meu mundo pareceu desabar. Pela primeira vez eu me senti vazia, como se nada mais importasse. Parei a minha vida por completo. Pensei até em abandonar o balé e se eu não tivesse conhecido o Dylan, eu nem saberia como prosseguir. Ele foi meu alicerce naquele momento. Minha força. Ajudou-me a superar toda a dor e passar por cima dos problemas.

Foi tão fácil me apaixonar por ele. Instantâneo. E depois que começamos a namorar, ele começou a me entender ainda mais. Eu não precisava me explicar ou entrar em detalhes sobre meus sentimentos, pois ele entendia tudo o que se passava dentro de mim. Como se nos conhecêssemos desde sempre. Podia perceber em seus olhos todos os dias, o esforço que ele fazia pra me ver feliz. Sempre fazia de tudo pra me alegrar quando as lembranças de minha mãe voltavam à tona. Quando eu tinha crise de choro à noite, ele colocava minha música favorita,The Heart Asks Pleasure First,pra tocar, pois sabia melhor do que ninguém o poder que o som do piano tinha sobre mim. Eu pensei em deixar o balé, mas eu sabia que ele não permitiria que eu abandonasse de vez as sapatilhas. Ela sabia o quanto aquilo era importante pra mim, apesar de tudo o que vinha passando. Quando fui convidada para participar de uma peça no teatro da cidade, meu coração foi a mil. Eu sabia o quanto aquilo significava. Tudo o que eu sempre sonhei estava acontecendo bem ali, diante dos meus olhos, mas o êxtase que senti ao receber a notícia não durou muito tempo. Nada daquilo faria sentido sem minha mãe comigo. Minha apresentação não teria graça, pois a única pessoa que eu queria que assistisse a peça, não estaria presente.

Eu recusei a proposta do diretor do teatro. Dylan usou todos os argumentos possíveis para me fazer mudar de ideia.

–Sua mãe ficaria feliz em te ver naquele palco – ele afirmava.

– Ficaria, mas ela não pode estar lá pra ver.

– Ela vai estar lá – ele prometeu.

– Você não pode dizer isso.

Ele não disse nada, apenas deu um sorriso de canto em resposta.

Depois de tanta insistência por parte dele, finalmente me dei por vencida e juntei toda a minha energia para o dia da apresentação.

Eu estava nos bastidores, já arrumada para entrar em cena. Vestia a roupa e as sapatilhas rosa do figurino, junto com meu tutu branco. Podia ouvir as vozes das pessoas por todo o teatro. A casa estava cheia àquela noite. Esse fato não ajudou em nada a conter meu nervosismo.

– Jenn! Jennifer! – levantei minha cabeça em direção à voz que me chamava.

– Oi, Dylan. – sorri tentando parecer bem.

Ele estava lindo, com aquele cabelo loiro todo bagunçado em cachos e seus olhos cor de mel brilhando na minha direção.

– A apresentação já vai começar. Está pronta?

“Não!” queria dizer, mas eu me obriguei a mentir. Não queria deixá-lo preocupado.

– Estou só um pouco nervosa, mas é normal – sorri.

– Vai dar tudo certo – ele disse antes de me beijar.

– Eu sei que vai – disse, tentando me convencer de que era verdade.

– Vou estar na primeira fileira te assistindo! Não me envergonhe! – brincou ele.

– Vou fazer o possível – disse, entrando na brincadeira.

Ele beijou minha testa e saiu em direção à plateia. Vi os bailarinos do elenco se posicionando em seus devidos lugares por trás das cortinas fechadas.

“A hora é agora” pensei.

Respirei fundo novamente, injetando ar em meus pulmões, tentando buscar coragem e me juntei a eles.

Conforme a cortina se abria, meu nervosismo só aumentava.

"Eu não vou conseguir! Não estou preparada" pensava olhando para todas aquelas pessoas.

Tentei me movimentar juntamente com os bailarinos à minha volta. Meu corpo estava trêmulo devido ao nervosismo, mas eu não poderia travar agora. Forcei meus pés a se movimentarem com mais leveza. Fiz uma série de rodopios e terminei ficando na ponta dos pés e por pouco não perdi o equilíbrio. Olhei rapidamente para a plateia. Nenhum deles pareceu notar. Todos estavam entretidos com os bailarinos a minha volta.

Rolei meus olhos por toda a plateia procurando o Dylan, mas acabei encontrando outra pessoa.

Uma moça de cabelos castanho-claros se aproximava com um figurino muito parecido com o meu. O que mais me chamava a atenção eram seus pés. Ela usava sapatilhas rosa. Conforme ela levantava os olhos em minha direção, pude reparar mais em seu rosto, até que suas íris azuis se encontraram com as minhas.

Mãe.

Ela se sentou em uma das poucas cadeiras vagas, na primeira fileira. Meu corpo congelou. Pisquei algumas vezes na esperança de que aquilo não fosse imaginação minha. E não era. Ela continuava lá, com um sorriso confiante estampado em seu rosto. Ela estava lá pra me assistir.

Nesse instante, o diálogo que tive com ela tempos atrás, voltou a minha cabeça.

– Eu vou estar na primeira fileira do teatro pra te assistir, filha – minha mãe disse.

– Promete?

– Eu prometo.

– Sério? – insisti.

–Eu nunca quebro minhas promessas – ela sorriu.

E de fato, não quebrou. Por mais difícil que fosse pra mim acreditar, lá estava ela. Continuei a observando até que ela fez um gesto com a mão, para que eu prosseguisse com a apresentação. Meu corpo antes enfraquecido e trêmulo, agora estava firme. O show não podia parar.

Sorri para minha mãe, pela primeira vez na noite transmitindo confiança e continuei com os meus passos. Correu tudo bem. Muito bem, por sinal. Até na parte em que o bailarino principal me suspendia no ar, que era a que mais me preocupava, foi muito bem executada. Meus pés ganharam a leveza que a tempos não encontrava, afinal, a pessoa que me ensinou tudo o que eu sabia de certa forma estava ali me observando.

A plateia estava claramente impressionada. Ouvir todos nos aplaudirem com tamanho fervor, com certeza foi uma das melhores sensações da minha vida. Meu maior sonho foi realizado, e as duas pessoas que eu mais amava estavam ali me assistindo.

Antes das cortinas se fecharem, olhei novamente em direção a minha mãe, mas ela já não se encontrava lá.

“Promessa cumprida, mamãe” pensei.

– Parabéns! Você foi incrível – Dylan veio me abraçar assim que me encontrou nos bastidores. Ele rodopiou meu corpo no ar enquanto eu ria. Quando ele me soltou pude notar as covinhas fofas em seu rosto enquanto ele sorria.

– Eu sei! Eu nem estou acreditando que correu tudo bem!

– Eu falei pra você que tudo daria certo – ele disse bagunçando o meu cabelo.

– Sim, você disse – revirei os olhos.

– Da mesma forma como eu disse que ela estaria lá – ele piscou pra mim.

Sorri. Ele a vira também.

Lembrei-me do que ele tinha me dito dias atrás.

“Ela vai estar lá”

E ela realmente esteve.

Esteve lá por mim.

“Todas as pessoas têm o seu refúgio. Algum lugar para onde vão quando querem ficar sozinhas, ou algo que elas fazem quando querem esquecer algo. O meu refúgio sempre foi o balé”.

IMRN
Enviado por IMRN em 14/10/2013
Código do texto: T4525165
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