Ao mestre com carinho.

Sem aplausos nem público Roger saia do palco, contente em seu ato final. Um tanto disperso, sozinho no quarto de hospital, sua atenção divida entre o branco da parede e todo o resto que lhe fora vital. Agarrado apenas ao seu álbum de fotografias, aos poucos, sua partida fazia-se serena. E assim fora com candura que se lembrou do menino peralta que fora, que, logo, cedeu lugar ao jovem inquieto, pouco depois ao professor mediano e por fim ao pai indeciso. Lembrou-se da primeira vez que vira seu rebento, do ônibus que perdera e da sacola com flores e frutas que esqueceu no metrô. Contratempos fatídicos que se reduziram a nada graças à felicidade de ver a carinha do seu bebê, Lucas.

E fora sem jeito e também sem o talco esquecido, na farmácia, que Roger aprendera a trocar fraldas. De fato, nem tudo são flores para um marinheiro de primeira viagem, porém Roger tinha a disposição para adaptar-se. Sem demoras realocou suas aulas matinais para a tarde e assim pode encarar as extensas madrugadas de choro. Já, em pleno domínio do barco nosso marinheiro de primeira viagem divertia-se ao sujar a camisa ensinando o filhote a comer. Todavia, anos mais tarde, retirava-lhe a paciência ter de perseguir Lucas na hora do banho. Para fazê-lo dormir era de dar dó, mas por sorte o professor de literatura era bom em inventar histórias. E assim desde cedo ursos falantes, dragões e cavaleiros povoaram a imaginação de Lucas.

Já, aos dez anos, Lucas era perito em manobras com a bicicleta, insistia em ganhar um skate, contudo, amargava ao ouvir do pai um simples e seco não! Birra estúpida do pai, porém no mesmo ano recebera como presente um vídeo game e uma bateria. Fora nesta época que a casa vivera cheia com a criançada da rua, e era entusiasmo que Roger participava dos torneios de game. Todavia, aos quinze fora com uma tristeza contida que o pai vira os mesmo amigos tornarem-se o centro do mundo de Lucas. Logo, o filho colocou um brinco, espetou o cabelo e decidiu ter uma banda de rock. Som mesmo o garoto não fazia, mas ainda Roger apoiava, comprava o vinho (o único do ensaio por decreto), tirava o carro da garagem e marcava um tempo no bar.

Aos dezesseis anos Lucas havia desistido da banda, matriculou-se num curso de desenho e começou a fumar. Não tardou para que Roger descobrisse, mas esporro mesmo não deu no filho, sai tática fora convidá-lo para correr. Roger conhecia o filho que competitivo do jeito que, logo, largou o cigarro.

_ Vamos, você não saí desse passo, velho!

_ É, mas tem que ser nesse passo mesmo! São cinquenta anos, camarada!

Três vezes por semana pai e filho saiam para correr, ritual que serviu para uni-los tanto como nos tempos do vídeo game (que voltaram a jogar juntos). De certo que Roger incomodava-se com os comentários que o filho fazia-se sobre seu desempenho na pista, contudo, mal sabia que era tudo balela, o garoto idolatrava seu velho maratonista. E assim por anos a fio pai e filho seguiram dividindo não somente as pistas, mas também longas conversas, confissões de vida.

_ É, pai...

_ É pai o quê? Aqui, segura a toalha de rosto e fala logo.

_ É que tem uma garota que...

_ Garotas, garotas... Sempre elas...

Já aos vinte anos, Lucas trabalhava como auxiliar de mecânico e seguia com a desculpa de que faria um curso universitário assim que encontrasse um de seu agrado. Fato este que Roger compreendeu, rapidamente, e sequer deu-se ao trabalho de elaborar um sermão!

_ Velho, tu curte ser professor?

_ Cara, você conhece as minhas reclamações, mas as mulheres nunca reclamaram da minha mão suja de graxa!

_ Engraçadinho!

_ Brincadeira, mas por quê? Pensa em ser professor? Se bem que quando pequeno você era bom com histórias.

_ É isso, histórias.

_ Que honra como o pai um profe...

_ Que professor! Roteirista de cinema, cara. Vou fazer cinema.

_ Só não vá dirigir pornografia, moleque!

E caíram os dois na gargalhada!

Com vinte e cinco anos e já estabilizado como roteirista de cinema Lucas lamentava apenas não contar mais com as noites de corrida e conversa ao lado do pai, que, graças a idade trocou o hobbie da corrida pelo da escrita!

_ Olha só, moleque, só estou deixando de correr porque preciso escrever esse livro, dar sentido a minha vida.

_ Claro, o que achou que eu pensei?

_ Que eu estivesse ficando velho!

_ Jamais, velho... OPS!

E graças a este infeliz deslize, naquela, noite Lucas fora obrigado a escutar as mil peripécias de Roger na juventude.

Naquela noite, fazia frio no teatro da cidade e Lucas não conseguia compreender o verdadeiro motivo de sua ansiedade. Afinal, encontrava-se sentado ao lado dos melhores roteiristas nacionais e concorria ao prêmio de roteiro original. Todavia, ao mesmo tempo duelava com o dilema de, recentemente, ter sido intimado pela namorada a casar-se. Sim, definitivamente, aquela era uma noite tensa, se ao menos seu pai não tivesse internado contaria com apoio. Lucas suava frio quando o apresentador do espetáculo subiu ao palco para anunciar o vencedor.

_ E agora o vencedor da categoria de melhor roteiro, Lucas.

O anúncio do prêmio caiu sobre Lucas como uma bomba e perplexo o jovem chegou a hesitar a levantar-se. Todavia, vencido o frio, na espinha, Lucas recebeu seu prêmio e a seguir, rapidamente, deixou o teatro a fim de visitar o pai no hospital. Ah, como ansiava encontrá-lo, mostrar seu prêmio, perguntar-lhe sobre o andamento de seu romance. E é claro, confessar o seu mais novo dilema. Contudo, ao chegar ao hospital o jovem deparou-se com uma junta médica a deixar o quarto de seu pai, saiam todos consternados, logo, bastou apenas uma simples troca de olhares para que Lucas compreende-se o ocorrido! Neste exato momento, o jovem sentiu sua cabeça rodar e o chão faltou sob os seus pés, no entanto, ainda fora capaz de se segurar quando um dos médicos aproximou-se.

_ Nós lamentamos, senhor, mas...

_ É, sim... É claro, dê-me apenas um momento a sós com ele!

Bastou Lucas adentrar o quarto para que seus olhos transbordassem de lágrimas, sob uma iluminação fraca encontravam-se os estimados objetos de seu pai, na parede, um quadro renascentista, sob uma escrivaninha o laptop com um documento de texto aberto, a obra prima de Roger incompleta. Tão logo, se deparou com o corpo de seu pai Lucas enxugou as lágrimas, contemplou a serenidade em seu rosto, em seus cabelos alvos desgrenhados.

_ Então você partiu de vez, maratonista? Como eu vou manter a forma agora?

De repente, Lucas esbarra com o álbum de fotografias da família caído aos pés da cama, ao perceber que este estava aberto em uma página com uma foto sua ele não pode conter o choro. Afinal, o que mais podia fazer? Logo, aproximou-se de seu pai alisou a sua testa já fria, retirou o prêmio que recebera de sua bolsa e aos prantos disse:

_ Professor, este prêmio é seu! É você queria escrever seu romance, uma obra pra dar sentido a sua vida, mas a sua vida já foi uma obra prima. Obrigado por me ensinar!

Segundos depois, Lucas deixou o quarto se sentido desamparado, sabia agora que se encontrava muito mais só no mundo. Não contaria mais com a ternura e os conselhos de seu melhor amigo ( pai, mestre), restava agora por em prática a maior das lições, aprender a caminhar sozinho!

Buendia
Enviado por Buendia em 13/09/2013
Código do texto: T4480045
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