O FUZILEIRO
Corria o ano de 1977 e Charlotte estava cursando o último semestre do ginásio numa escola em San Diego, Califórnia. Nessa época, sua melhor amiga e confidente era Mia. As duas eram inseparáveis. Não só faziam parte do mesmo grupo de estudos, como também eram animadoras de torcida dos jogos juvenis de futebol americano. Além disso, gostavam de sair juntas, principalmente, para ver as vitrines das lojas, afinal, queriam sempre saber o que estava na moda.
Numa segunda-feira, enquanto penteava-se, pela manhã, Charlotte lembrou-se de que, no sábado, seria o aniversário de Mia. Como planejado, os pais dela iriam comemorar a data com um churrasco à beira da piscina já que os dias de primavera estavam bonitos e quentes. Provavelmente seria um evento e tanto, pois toda a família de Mia era muito simpática e tinha fama de receber muito bem.
Na véspera da festa, Charlotte foi para a casa de Mia e acabou dormindo por lá. Tinha ajudado a dar os últimos retoques na decoração, e depois, ficaram de papo durante boa parte da noite. Na verdade, só pararam, quando o pai de Mia bateu na porta do quarto e mandou que as duas fossem dormir imediatamente.
No dia seguinte, os convidados foram chegando aos poucos. Tinha os colegas de turma, uns atletas da escola, vizinhos, e uns familiares também. No entanto, Mia havia dito que o convidado mais importante depois de Charlotte, é claro, era seu primo Mason. Ele estava se mudando para San Diego porque iria fazer o treinamento para o Corpo de Fuzileiros Navais, no campo Pendleton, a uns sessenta e poucos quilômetros dali. Ela não o via há anos, mas tinha boas recordações do primo, e estavam sempre trocando cartas.
Quando ia dar duas horas da tarde, a campainha tocou. Charlotte foi atender já que todos estavam ocupados. Ao abrir a porta, deu de cara com um rapaz de seus vinte e poucos anos, bem alto e louro. Ele sorriu para ela, tirou os óculos Ray Ban, e ela, então, pode notar que seus olhos eram de um azul profundo. Embora Charlotte estivesse acostumada a ter por perto vários rapazes, bonitos, altos e fortes, dos times de basquete e futebol, ela não sabia bem a razão, mas esse era diferente. Parecia que o seu olhar e o seu sorriso iluminavam o mundo. Ele olhou para ela e disse:
- Oi. Sou o Mason. Você deve ser Charlotte. Mia me escreveu sobre você. Ela estava certa.
- Sobre o quê? – perguntou Charlotte.
- Ela falou que você era linda, e não estava errada.
Charlotte ficou sem graça. Ela não disse nada, apenas abriu mais a porta para deixá-lo passar. Enquanto ele entrava, ela pensou: “Ah! Essa Mia. Depois eu vou acertar as contas com ela. Essa garota me põe em cada enrascada!” Entretanto, ao mesmo tempo, sentia-se lisonjeada porque um rapaz tão bonito como ele fizera um baita elogio a seu respeito. Ela sabia que não era feia. Pelo contrário, costumava fazer bastante sucesso junto aos rapazes, mas até aquele dia não se interessara por ninguém de verdade, porém talvez as coisas mudassem após esse churrasco.
Neste instante, Mia despontou lá no alto da escada. Ao ver o primo, desceu os degraus correndo em sua direção. Após um longo e demorado abraço, Mia perguntou:
- E aí, Mason? Ela não é linda?
Charlotte ficou tão embaraçada que saiu da sala rapidamente e nem sequer ouviu a resposta do rapaz. Desde que Mia soubera que o primo iria se mudar para a Califórnia, ela não parara de falar na possibilidade de apresentá-lo a Charlotte. Na verdade, o sonho de Mia era casar sua melhor amiga com algum parente a fim de que ela também se tornasse parte da família. Como todos sabiam, Mia tinha um quê de casamenteira – estava sempre querendo juntar as pessoas. Mia estava apostando suas fichas no encontro entre Mason e Charlotte. Ela achava que os dois poderiam se apaixonar. Será que estaria certa?
Charlotte foi para a piscina, e começou a conversar com os colegas de sala. Nesse dia, em especial, Ethan, o capitão do time de futebol, resolvera jogar todo o seu charme para cima dela. Era até engraçado porque quando Charlotte começara como animadora de torcida, bem que ela se encantara por ele, mas ele parecia não notar sua existência. Além disso, ele era tão assediado pelas meninas que se achava o máximo. Na ocasião, Charlotte ficara decepcionada com o seu ar de superioridade, e assim, resolveu não investir seu tempo neste tipo de rapaz. Passou, então, a falar com ele só o estritamente necessário. A partir dali, ele notou que ela não mais fazia parte do seu séquito de adoradoras. Charlotte era uma das poucas meninas que não ficava borboleteando ao redor dele, e isso o deixava intrigado, mas quem sabe, hoje, ele teria alguma sorte com ela?
Após uns vinte minutos, Mia apareceu na piscina e apresentou o primo a todos. Mason parecia tentar descobrir onde Charlotte se encontrava, e quando a localizou, não gostou nada. Um rapaz, com cara de arrogante, estava claramente flertando com ela, mas ela parecia estar meio entediada.
Mia chamou Charlotte para comerem com Mason, pois os demais convidados já haviam almoçado. Os três pegaram os hambúrgueres, os refrigerantes, e colocaram tudo numa mesa, que ficava sob um enorme guarda-sol, num canto da varanda. Mason sentou-se entre as duas. A princípio, Charlotte só comia e escutava a conversa dos dois, porém, pouco a pouco, começou a falar uma coisa aqui, outra ali. Depois de uns trinta minutos, os três já estavam se divertindo para valer. Foi então que Mia se levantou, dizendo que tinha que dar atenção aos demais convidados. Ela havia se demorado mais do que devia almoçando.
Charlotte e Mason ficaram conversando animadamente durante o resto da tarde, e ninguém veio interrompê-los. Quando anoiteceu, Mason se ofereceu para acompanhá-la até em casa. Embora a distância a pé, fosse curta, era uma oportunidade a mais para ficarem juntos. Quando chegaram lá, Mason disse:
- Você pode achar esquisito isso que vou falar, mas não é. Amanhã minha família chega a San Diego e passarei o dia com eles. Infelizmente estarei muito ocupado e não poderei ver você. E na segunda–feira, tenho que me apresentar no Campo Pendleton para um treinamento de 13 semanas. Nesse meio tempo, não poderei entrar em contato com você, mas eu gostaria que você me esperasse. Você me espera?
- Sim. – respondeu uma atordoada Charlotte.
E foi então que eles trocaram seu primeiro beijo. No começo, beijaram-se bem devagar. Parecia que estavam dando tempo ao tempo
para que fossem se descobrindo. Depois o beijo ficou mais gostoso e mais sôfrego – um misto de paixão e de saudade antecipada.
Quando já se sentia afogueada e sem ar, Charlotte conseguiu se desvencilhar daquele abraço, e falou:
- Eu vou esperar por você, Mason. Prometo.
Neste momento, alguém acendeu a luz da varanda. Era a mãe de Charlotte que, com seu código “cifrado”, queria dizer que era hora de entrar. Os dois trocaram um último beijo, e então, Mason se despediu, dizendo:
- Espere por mim. - e foi embora.
Durante as semanas de treinamento do rapaz, Charlotte pôs-se a estudar com mais afinco. Nas horas de folga, só saía com Mia ou ia aos jogos torcer pelo time da escola. Bem que Ethan andara fazendo umas perguntas sobre Mason, mas Charlotte não se deu ao trabalho de lhe dar uma explicação.
Ela comprou um grande calendário, e toda noite, antes de dormir, riscava o dia que estava para terminar. Três meses se passaram e Charlotte estava em cólicas. Em casa, dava um jeito de estar sempre perto do telefone. Tão logo chegava do colégio, ia ver a caixa do correio para se certificar se havia chegado uma carta ou não.
No sábado, havia um jogo importante no estádio e lá foi Charlotte. Acabaram ganhando o campeonato contra o time visitante. Ethan tinha sido primordial para a vitória, mas ela não estava nem aí para ele. Aliás, ele também se cansara da indiferença dela, afinal, não faltavam garotas para sair com o capitão da equipe.
Tinha sido uma grande partida, e agora as pessoas começavam a deixar o estádio, assim como os atletas e animadoras também se retiravam do gramado. Charlotte se aproximava do túnel, que levava ao vestiário, quando ouviu alguém chamar seu nome. Olhou para trás e viu um rapaz uniformizado – um fuzileiro dos Estados Unidos da América! Ela correu ao seu encontro, abraçou-o, e beijou-o por um longo tempo. Então ele se afastou um pouco, fitou-a seriamente, e disse:
- Acabei o curso ontem, e tenho dez dias de licença antes de voltar para a Escola de Infantaria. Durante essa folga, quero estar com você e quero também conhecer seus pais. Neste novo treinamento estarei fora por quase dois meses, e como sempre, estarei incomunicável.
- Por que você não pode me telefonar ou receber uma ligação? Por que não pode mandar uma carta? Eu juro que não entendo.
- As regras sempre foram essas e temos que respeitá-las. O que acontece é que precisamos estar focados no treinamento, e sabe como é, se tivéssemos como falar com as namoradas, noivas ou esposas, depois seria muito pior. Como é que eu iria estudar tranquilamente após ter falado com você? Por tudo isso, eu quero deixar uma coisa resolvida antes de partir para essa nova empreitada. Sei que você pode estar achando tudo isso muito louco, mas tenho a certeza de que estou fazendo a coisa certa. Você é a mulher da minha vida, e não vou ficar preso numa base militar enquanto você está cercada por esses atletas. Charlotte, você está me ouvindo?
Charlotte parecia saber aonde aquele discurso ia dar, mas mesmo assim estava estarrecida. Num primeiro momento, não saberia o que dizer. Por incrível que pareça, ela já começara a gostar dele, mas a verdade é que eles mal se conheciam. Além disso, os dois ficaram o tempo todo do curso sem se comunicar uma só vez, e agora vinha novo treinamento. Bem que sua vizinha, que era casada com um fuzileiro, já a tinha alertado para a dureza da vida da mulher de militar. Ainda bem que a Guerra do Vietnã já tinha acabado! Contudo, quem poderia garantir que ao se formar, Mason não seria imediatamente enviado para uma missão em qualquer lugar do mundo? E o pior é que isso poderia levar os dois a ficarem afastados por um bom tempo novamente. E seus pais? O que eles diriam disso tudo? Será que tentariam entender ou seriam radicalmente contra? Colocariam empecilhos ou dariam alguma sugestão?
Enquanto os pensamentos passavam alucinadamente pela cabeça de Charlotte, Mason ficava ali, aflito, aguardando a decisão. Nos olhos dela, via medo, ansiedade, dúvida – tudo ao mesmo tempo. Passaram-se alguns minutos antes que ela desse algum sinal positivo, no entanto, para ele, era como se estivesse esperando uma eternidade. De repente, ele viu que um sorriso começara a aparecer em seu rosto. “É agora.” – ele pensou. Mason ajoelhou-se no gramado, tirou uma caixinha do bolso do uniforme e disse para uma Charlotte surpresa:
- Charlotte, você quer casar comigo depois da minha formatura?
- Sim, quero. – ela falou em voz baixa.
Ele colocou o anel no dedo dela, levantou-se, e beijou-a novamente. Nesse momento, palmas foram ouvidas. Alheios a tudo que se passava ao redor, eles não repararam quando algumas pessoas, tanto nas arquibancadas quanto no gramado, começaram a acompanhar aquela cena. É bem verdade que essa gente curiosa não podia ouvir as palavras de Mason, porém sua linguagem corporal dizia tudo. Todos ficaram aguardando a resposta de Charlotte, e quando ela pareceu dizer “sim”, expressaram o seu contentamento. O único que achou aquela situação patética foi Ethan, que deu às costas e foi embora. Enquanto isso Mia fazia uma dancinha de tão feliz e eufórica que estava. Parece que o que as pessoas diziam a seu respeito, era verdade – talvez ela realmente tivesse talento para casamenteira, mas o que ela desejava, do fundo de seu coração, é que os dois fossem muito felizes.