Talvez um conto
(...) Mas, és que chega a saudade. E no ninho aguardava suas chegadas. Trazia-me sempre no bico, o alimento. Versos e mais versos. E dizeres tão encantadores que o canto do passarinho soava com voz humana fatos de suas asas machucadas, relatos sobre imensidões e horizontes. Pousava-me distâncias no peito através da impossibilidade do permanecer por seus voos terem rotas predestinadas. Entretanto, restrita à liberdade, acatava-me no anonimato. Consentia esta condição, não por paixão ao segredo, mas por também somente poder ser assim naquele momento. Depois deram-me a a chance de antigas trajetórias. Sem supor o arrependimento breve, decidi tentar os meus próprios voos. E me distanciei do seu ninho. Certa do seu contragosto, porém querendo transpor o destino em tentativas. Minhas asas recém descobertas não tinham a malícia de lidar com as tempestades. Aos poucos minhas penas foram sendo arrancadas pelo temporal e fui perdendo altura. Fui perdendo a memória de como voar. Tinha medo de esquecer, inclusive, a referência do seu ninho. E quando já não tinha onde me agarrar fui perdendo os meus e a mim. Quase tombei... Refiz com asas emprestadas meu trajeto de regresso. E em seu ninho outra vez, descobri o quanto as asas podiam aquecer e resgatar. Quando preferia silêncios, de longe você já vinha acordando o mundo, o sol e a mim. Era uma vasta cantoria. Assombrava os passantes. Em algazarra de versos assustava sombras e resquícios. Entoava por mudanças com bravura. Ou desafinava o canto só para me fazer sorrir... até que conseguia. E por achar o meu riso lindo, me acompanhava (mesmo fingindo a preocupação), rindo junto. E seu olhar vasculhava-me. Tentava reconhecer a alegria que já havia visto em mim. Todos os dias e em horas distintas para se assegurar que realmente tinha aprendido sobre o riso e não decorado. Acostumei-me rápido com as surpresas carinhosas do vento, do tempo, das nuvens que ele me trazia. E numa madrugada repentinamente, confessei aturdindo o pássaro sobre o segredo do meu amor. E daí, não ouvi nenhum pio. Mudos. Ficamos mudos na espera das estrelas. Poderíamos ouvir o barulho das caudas das estrelas cadentes... a lua se espreguiçando... E prestes a cair do ninho, alguns segundos, após o susto. Disse-me, se é assim, se é amor, não poderia oferecer-te outra coisa, além do amor que sempre lhe dei...