Noturno

Certa noite ele teve um sonho. Estava em uma sala toda branca e nela havia uma mulher ao piano. Uma bela mulher de olhos castanhos. Um rosto de menina e um corpo de mulher. E ela sorria. E quando ela sorria era como se todas as janelas fossem partidas e a luz tomasse conta do mundo. Era como se ele visse uma mulher pela primeira vez. E para ele era a coisa mais linda do mundo. Ele tentou falar, mas ela começou a tocar. E quando ela pousou as mãos no teclado ele voou. Perdeu-se nas notas do seu sorriso. Esqueceu-se de tudo que era mau. Vagou num mundo distante. Suave como mão de mulher. Forte como o seu sorriso. Som e silêncio. Suspiro de pausa. Resfolego. Recomeço. Ele perdeu o medo e esqueceu a dúvida. Deixou-se levar em dueto. O compasso era o do seu coração. Sinfonia a quatro mãos. As teclas eram seus ossos. As mãos dela percorriam as suas costelas. Ele se lembrou do primeiro beijo e viu o seu último dia. E ela era o presente e era o futuro. O resto ficou para trás. Alma inquieta em silêncio. Luz na neblina. Farol na beira do mar. Riso de criança e canto de pássaro. Noite sem fim de seus olhos. Canção. Poesia. Tudo que não precisa de explicação. Um canto sem palavras. E os dois compartilhavam a mesma melodia e se perdiam no mesmo som. Cada um era uma corda, que vibrava quando a outra era tocada. Uma única afinação. Um único ritmo. Avanço e recuo. Onda do mar, sopro do vento, avalanche, erupção. E eles já não tinham mais corpo, nem forma. E tudo era música, ou então era silêncio, onde nada mais precisa ser dito. Puro som, solto no mundo. Almas perdidas e almas reencontradas.

Urubu Rei
Enviado por Urubu Rei em 07/07/2013
Código do texto: T4376396
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