Felizbela, a Bela
Felizbela era o nome dela. Até o seu nome refletia o quanto era bela, sincera. Moça graciosa e singela era por todos mui apreciada.
Donzela ainda no alto dos seus vinte e dois aninhos, flor maravilhosa a despertar para a vida. Uma verdadeira princesa, de formas delicadas, mui formosa.
Era cobiçada por todos os melhores partidos do velho continente. Reis, príncipes, duques e condes faziam fila à porta de seu castelo para pedi-la em casamento.
Felizbela era a filha única de um poderoso duque alemão. Dono de imensas extensões de terras provindas de aquisições feitas por seus ancestrais ainda na Idade Média. Destacava-se entre os influentes e poderosos da Europa.
Sua mãe, para infelicidade do pai, morreu no momento do parto. Sete dias de luto, a notícia da morte da duquesa caiu como uma bomba na Europa.
Comoção total, toda a Berlim parou para homenageá-la. Princesas, soberanos, condessas e até o papa, a despeito de sua saúde precária, levantou enfermo de seu leito e compareceu ao seu féretro.
Desde cedo Felizbela fora cercada dos maiores cuidados. Ela era, de fato, muito bela. Única entre as mulheres e tendo por sobrenome idoneidade.
Era muito grande a expectativa por parte de todos, para saber quem seria o felizardo rapaz a acompanhar-lhe durante sua estada na terra.
Quem seria o afortunado a enxugar suas lágrimas, a lhe proporcionar calor nas noites de frio, o progenitor de seus filhos.
O duque traumatizado com a morte da mulher, outorgou à filha o direito de escolher seu esposo. Foi por muitos criticados mas resoluto de sua decisão, a fazia prevalecer. E assim, todos esperavam a decisão de Felizbela, a bela.
O ritual para fazer a sua corte era sempre o mesmo. Os poucos escolhidos seguiam, reverentes, o protocolo. A cada semana, na segunda e na quinta, a cena se repetia.
Logo pela manhã tinham a oportunidade de participar de um delicioso desjejum em companhia da donzela, para depois saírem a caminhar e a prosear pelos imensos jardins de seu castelo.
Para encerrar, a tarde degustavam um suculento almoço, verdadeiro banquete dos deuses. E, após o seu término Felizbela pondo-se de pé dava seu veredicto, não.
Não! Sempre fora não.
Saíam então desapontados, cabisbaixos, desalentados. Mais um a levar o não de Felizbela, a bela. E, quanto mais aumentavam os seus pretendentes, aparentemente, maior era a sua obstinação pela palavra não.
Parece que, a despeito de todos os esforços, por mais que fossem as palavras de carinho e promessas de amor proferidas, nada, absolutamente ninguém conseguia dobrá-la.
Havia naquelas imediações um simplório carpinteiro que tinha por nome Hector. Sua família há séculos prestava serviço de carpintaria e construía os móveis da família do duque.
Ele tinha um filho. Paolo, Paolo das Flores. Filho único desde cedo foi ensinado e preparado para substituir ao pai em seu trabalho.
Ele se aperfeiçoou, desenvolveu novas técnicas de carpintaria, dava novas curvas aos móveis mostrando-se exímio em sua arte.
Certa feita, fora convocado pelo duque para no castelo se fazer presente. Lá chegando foi incumbido por ele de conceber e fabricar todos os móveis para o mais novo castelo do duque.
Este serviria de morada para Felizbela, a bela. Presente do duque para servir-lhe de residência quando encontrasse o Amado. Por isto, a jovem não arredava o pé de estar junto de seu pai e de Paolo, tecendo de maneira mui graciosa seus comentários sobre todos os móveis.
Questionava sobre as cores, mudava a predisposição dos móveis e os seus lugares. Argüia o rapaz sobre todos os assuntos relacionados ao seu trabalho, deixara até de lado seus compromissos em busca de marido.
Paolo, humilde artesão acostumado com os modos chulos e enfadonhos das camponesas, acabou enfeitiçado pelos encantos de Felizbela, a bela.
Apaixonou-se pelo seu perfume, pelo frescor proporcionado por sua companhia, não questionava nada e concordava com ela em tudo.
A donzela, sem que se apercebesse, já não mais queria ficar longe do rapaz. Ficava sentada horas contemplando o seu trabalho. Pegava um livro, fazia que estava a ler e por entre as folhas, sorrateiramente, ficava a apreciar o rapaz. Seus pequeninos olhos brilhavam.
O afeto entre os dois foi aumentando, tomando forma, se solidificando e como não poderia deixar de ser, nasceu o Amor.
E assim foi. Após oito meses de árduo trabalho Paolo pôde finalmente entregar ao duque os móveis do castelo. Ficou triste ao fazê-lo, mesmo com os elogios recebidos sabia ele que não mais poderia ficar ao lado de sua Amada. Não mais veria Felizbela, a bela.
A jovem, inventando um pretexto, conseguiu ainda trocar mais algumas palavras com Paolo. Ficaram os dois um longo tempo em silêncio apenas a trocar olhares que pouco a pouco, foram ficando úmidos, lacrimejantes e desembocou em enorme choro, uma torrente de lágrimas.
Os dois já não mais se agüentando, jogaram-se nos braços um do outro.
Não dava mais para esconder, como manter as ocultas tamanho fogo? Como não atiçá-lo? Renegar o Amor? Afugentá-lo?
O duque, sem que eles dessem conta, assistia a tudo. Ficou ele a observar, contemplar, recordar. Neste momento não era sua filha que via, lembrava de sua esposa. Como ele a amava.
Retornara ao Pai tão cedo no esplendor de sua juventude. Quantas lágrimas derramadas, quantas noites em claro. Não mais queria viver.
Como havia sido difícil aceitar a sua partida. Mas ele era cristão, amigo confidente do papa, precisava perdoar a Deus. E o fez.
Por isto, propiciara a filha o direito de escolher o seu marido. Queria que a filha tivesse os momentos de alegria que ele não pode oferecer a mãe.
Todas as palavras que não tivera oportunidade de dizer a esposa gostaria que fossem ditas a Felizbela, a bela.
Queria que ela fosse amada, tratada como mulher, tendo ao lado um companheiro, cavalheiro, verdadeiro e cordato.
Tudo pois que sua esposa não tivera oportunidade de usufruir enquanto viva, queria ele que sua filha em vida tivesse. E faria isto, trabalharia para isto, já decidira.
Ao ver os dois ali bem próximo, abraçados, exalando o poder magnificente do Amor, concretizou a sua promessa.
- Felizbela! Gritou.
Os dois se soltaram automaticamente. A jovem ficou vermelha, o rapaz desesperado não tinha onde colocar a cara. O duque continuou firme:
- O que é isso?
- Eu posso explicar, retrucou Paolo.
- O Senhor cale-se! Gritou o duque.
Nesta hora Felizbela agiu, tomando uma posição ereta e firme postou-se ante ao pai e disse-lhe:
- É ele que eu amo, papai.
- É ele que eu quero como esposo! Disse ela e desatou a chorar.
- Eu também a amo! Disse Paolo e assustou-se consigo mesmo. Como ousara falar aquilo ao duque?
O duque se afastando da filha seguiu em direção a Paolo. O pobre rapaz vendo o mundo desabar em sua cabeça não conseguia se mexer. O que seria dele? Para onde iria ele?
O duque ao se aproximar o abraçou e disse:
- Pode fazer a minha filha feliz?
- Sim! Sussurrou Paolo entre soluços.
- Pode amá-la?
- Eu sempre a amarei. E se pôs a chorar.
Olhando para a sua filha o duque complementou:
- Eu lhe dou a minha Benção minha filha. Que Deus os Abençoe e guie seus passos.
Lágrimas escorriam aos milhares por sua face, jogou-se sobre o pai e não mais cansava de beijá-lo.
O casamento foi assistido por algumas milhares de pessoas, as festas de comemorações duraram um semana e a alegria da cerimônia contagiou durante meses os presentes.
Jamais se viu uma noiva tão bela.
Seu nome era Felizbela, a Bela.
of J. for T.