Slow Down

Quarenta anos. Olhou mais uma vez no espelho, passou a mão nas bochechas, nos olhos, debaixo do queixo. QUA-REN-TA anos- foi preciso quase soletrar, em voz alta, para que pudesse acreditar. Talvez, ainda tivesse, mesmo que escondido, um balde cheio de esperança de que o Mágico viesse lhe contar que em um simples passe ela pudesse voltar aos vinte e seis. Se tivesse a chance, sem dúvidas, escolheria os vinte e dois, vinte e três. Tão cheia de vida! Passou as mãos em seu ventre, um aperto no coração.

Renato abriu a porta. Tinha nas mãos um cupcake- ele bem sabe que açúcar é, rezava que só depois dele, sua maior paixão. Cantava, com sua voz rouca, como no dia em que se conheceram, em Buenos Aires, um “parabéns” em Espanhol. Ele, estudante metido a pobretão, cantava em um pub da cidade, para sustentar suas cervejas baratas, jeans rasgados e cara de vilão. Ela, a nova brasileirinha de Literatura, cheia de não me toques, glitter e condecorações.

Já tinha percebido seu sorriso sutilmente malicioso na primeira segunda do ano. “Linda!”- balbuciou. De tanto que a acompanhou, perdeu-se no tempo e o cigarro evaporou. Demorou quase um ano para que, numa sexta, ela fosse virar algumas tequilas no Saint Patrick. Descobriu ser seu aniversário. Dançava solta. Sem os óculos, meu Deus, ficava ainda mais bonita! Cantou “Vienna”- dedicou-a a ela- querendo despertá-la para a vida dele. Dalí, brigaram por horas, se beijaram por horas, se amaram por horas... Perderam, então, todas as provas, namorando no Rosedal.

Os olhos dela ainda brilhavam para os dele. O dono dos olhos que lhe traziam o mar para perto, tiravam seu fôlego, derretiam-na como manteiga e, o coração, desfilando solto, fazia, feliz, o Carnaval do folião... Olhou as pequenas velas, “40”, esmaeceu. Com os olhos cinza, seu corpo enrijeceu, como que se tentasse manter dentro de si toda a angústia que sentia. Não resistiu. Desabou.

Depois de anos de casamento, os dois sonhavam com um filho. Muitas consultas, tentativas, novos médicos e remédios... Parecia impossível que Mel engravidasse. Não era incompatibilidade sanguínea entre os dois. Não existia nenhuma explicação científica, aliás. Passaram a acreditar, mesmo que nunca tivessem dito, que a culpa era deles mesmos. Não era para estarem juntos, afinal. Eram o par errado, que não se encaixava, não gerava. Não entendia porque tinham insistido. Ela rompeu o silêncio, ultrapassando um limite crucial. “Talvez eu seja meia laranja e você, meio limão”- sussurrou em prantos, sentando-se no chão.

Malas no corredor. Choro no vão do prédio, no elevador, debaixo do cobertor. Ele vazio, ela cheia. Era tanto querer, que chegava a doer. Sem vontade de levantar pela manhã, não comia, não queria flores, tudo a enjoava com tamanha velocidade! Prendia-se à foto dele. Se não era dela, por que tanto sofria?! Meses se passaram...

Um desmaio a levou ao hospital. Ao acordar, só queria sair. Odiava o cheiro do soro e a monotonia branca. Só ia por gripe, rinite ou gastrite, meia dúzia de vezes ao ano e sempre durante os torneios de futebol. Renato reclamava, ela sorria. Ainda tonta, saiu às ruas, precisava do mar. Com a notícia na garganta, corria no calçadão. Nem notou que já era Réveillon. Depois de muitos esbarrões, com licenças e pisões, tentava ir em direção contrária à multidão. Como isso pôde ter acontecido agora?!

Lágrimas caiam enquanto tocava o interfone. “10, 9, 8...”- a multidão, em êxtase, dançava. Uma voz de sono atendeu. “7, 6, 5, 4...”. “Grávida!”- ela gritou. “3, 2...”. E o seu mar azul apareceu, embaçado de felicidade. “Três meses!”- foi tudo o que ela conseguiu dizer, com os dentes à mostra, antes que o céu explodisse em fogos de artifício. Ele a girava no ar e ela, confortável, vibrava, de braços abertos, nos abraços do seu doce preferido, o azedinho do limão.

“Slow down

You're doin fine

You can't be everything you wanna be before your time…”

Naianne Maciel