Paraíso

Em um quarto escuro, sentada perto da janela tinha uma garota de cabelos negros com os olhos castanhos claros que se encontravam avermelhados. Suas mãos apertavam um pequeno bichinho de pelúcia, um urso, que ganhara quando tinha apenas cinco anos. Dobrou as pernas e as abraçou querendo sentir-se mais reconfortada apoiou o queixo sobre o joelho e fechou os olhos querendo impedir que as lágrimas continuassem a descer. Sentia uma dor enorme em seu peito como se o apertassem aos poucos a impedindo de respirar.

Soltou um soluço alto e escutou o barulho de passos, se levantou apressada e tentou se esconder atrás de um armário. A luz da lanterna passou pelo cômodo a procura do som. E a menina prendeu a respiração com medo de brigarem. Alguns segundos se passaram e ela teve de soltar a respiração lentamente. Quando finalmente escutou depois de um tempo a porta bater e ela permanecer ali parada por alguns instantes. Encostou-se ali sem saber se já era seguro abandonar seu esconderijo. Outras lágrimas logo seguiram caminho deixando um rastro em seu rosto.

Aos poucos conseguiu se controlar e começou a sair fazendo o mínimo de ruídos possíveis. Andando lentamente deixou a sala de estudos. Por sorte não esbarrou em nenhuma das mesas com cadeiras ou nos sofás. Ninguém ali conhecia aquele lugar como ela. Era o seu cantinho de paz. Ali era onde se sentia mais segura e feliz. Talvez pelo fato de lembrar-lhe os bons momentos de sua infância. O tempo em que ria e brincava sem pensar no amanhã. Na época em que os tinha. Eles, os pais, eram os melhores. Nada poderia machucá-la pelo simples fato deles não deixarem.

As tabuas do corredor gemeram sob seus passos a fazendo andar mais rápido. Logo se viu abrindo a porta que daria em seu quarto. Entrou e em seguida fechou a porta com todo o cuidado. Caminhou as cegas até sua cama e quase tropeçou numa boneca caída. Abaixou-se e colocou a mesma na posição certa. E deitou em sua cama fechando os olhos. Os mesmos pesaram e ela deixou sua consciência vagar. Um lugar lindo e imenso surgiu em sua mente. Uma paisagem encantadora onde não havia problemas.

Possuiu uma linda floresta e em meio a tanto verde brotava uma cachoeira, onde se formava uma grande bacia. Sorriu ao ver o local e sentou embaixo de uma árvore que margeava a lagoa formada pela queda da cachoeira. Uma brisa fresca passou brincando com seus cabelos negros. Uns fios caírem sobre seus olhos e os colocou atrás da orelha. Sua franja voava se bagunçando assim como seu cabelo, mas isto não a incomodava nem um pouco. Observou uns pássaros que alegremente cantavam em uma árvore próxima deixando o som ecoar pelo lugar.

Fechou os olhos se concentrando no som da água que caia constantemente e na canção dos pássaros. O sorriso em seus lábios não se desfazia de jeito nenhum. Aquele ambiente a deixava revigorada. Era o seu paraíso. Apoiou-se ao tronco da árvore e admirou a vista. Jamais tinha visto algo tão belo e tranqüilizante. Esta era uma imagem que sempre escutava sua mãe relatar quando voltada do trabalho. Raquel era uma mergulhadora. E vivia em viagens para descobrir novos paraísos. E os que mais a deixavam maravilhada eram as paisagens com cachoeiras, lagos e lagoas.

O mar, ou melhor, a água, sempre fora uma paixão. Esta que herdara deles. Seu pai, Carlos, era um excelente historiador. E em uma dessas viagens o casal se conhecera e se apaixonara. Uns meses depois estavam namorando e casando. Ela fora uma surpresa para eles. E de acordo com o que lembrava diziam ser uma maravilhosa. A mais perfeita de todas. Balançou a cabeça e se aproximou da margem colocando seus pés dentro da água. Estava gelada, mas nada que a impedisse de aproveitar o momento.

- Sammy! – Escutou alguém dizer em voz alta.

Sentiu sacudiram os seus ombros. Contra a sua vontade abriu os olhos e se deparou com uma mulher de cabelos grisalhos e sorriso no rosto. Tinha uma expressão carinhosa. Helen tinha a ajuda muito, mas nem mesmo todo o seu afeto havia lhe ajudado a voltar a ser feliz como antes. Abriu um pequeno sorriso e ela tirou o cabelo do seu rosto. Aquela, infelizmente, era hora de acordar. Ela se levantou apressada e correu para o banheiro tomando um banho e colocando o uniforme da escola.

Depois de ajeitar a saia e a gravata olhou com tristeza para os seus sapatos. Suspirou sabendo que teria de deixar o lugar onde crescera. Pegou a mochila ao lado da cama e se juntou as outras meninas, encontrando com os garotos do lado de fora da casa. Samantha ajudou Clara, a menor de todas, a atravessar a rua segurança a sua pequena mão. Em silêncio seguiam, mas nenhuma delas sabia que aquele seria o último dia dela com todos. Forçou os olhos a segurar as lágrimas e deixou um sorriso amarelo escapar por seus lábios.

Este dia havia sido o mais rápido de sua vida. E sabia que agora em questão de horas iria sair do orfanato para sempre. Entrou em seu quarto e na velha mochila colocou seus pertences, que não eram muitos. Com o cansaço e a tensão tomando conta de seu corpo caiu no sono pesado sem nem ao menos preocupasse com a fome sentida nos minutos anteriores. No meio da noite, acordou durante uma tempestade tateou no escuro a procura de seu ursinho. Apertou com força contra seu peito e fechou os olhos. Era a sua chance de fugir. A partir desse momento ela voou, para longe, bem longe de tudo que lhe causava dor.

Durante esse tempo podia sonhar... Sonhar com o seu paraíso. Em meio a deliciosa sensação de paz um sorriso sincero e esperançoso apareceu em seus lábios. E concluiu com animo que o sol amanhã brilharia. Sentia que no dia seguinte o sol iria surgir e com ele teria forças para seguir em frente. Algo em sua mente a dizia com todas as letras que tudo ficaria bem. Ela seria feliz. Mexeu-se na cama, ajeitando sem perceber o lençol que escorregou com o suave movimento, deixando ver a pequena menina que tinha dentro de si.

O outro dia chegou e sem vontade teve de levantar e encarar o mundo. Não mais tinha expectativas em relação ao seu futuro. Queria simplesmente viver em paz. Sentiu a voz de Helen chamá-la calmamente. Ao ver a menina abrir os olhos acariciou seus longos cabelos e beijou suavemente sua testa. Ninguém tinha dúvidas de que Samantha era basicamente a filha dela. A dona do orfanato que acolhera com tanto carinho a todos.

-Bom dia querida! – Sorriu docemente e acrescentou. – Feliz aniversário, minha pequena adulta.

-Bom dia. – Respondeu depois de bocejar. – Obrigada.

-Venha, daqui a pouco vamos embora.

- Vamos?- Perguntou confusa.

-Claro, quando você tinha seis anos e chegou aqui eu decidi que seria sua mãe e vou ser. – Olhou-a nos olhos e continuou. – Hoje faz dezoito anos e não pode continuar aqui, mas para a rua você não vai.

Os olhos dela se arregalaram e deixou escapar como sempre.

-E para onde vou?

-Para sua nova casa. – Pausou e sorriu. – A minha casa.

As duas se abraçaram, enquanto Sammy deixava algumas lágrimas de alegria rolar por seu rosto. Ela não estava sozinha e nunca estaria. Uma voz calma e rouca chamou-a algumas vezes fazendo com que se sobressaltasse.

-Amor, amor!

-Sim? – Perguntou virando em direção a pessoa.

-Vamos dormir?

Perguntou o homem ao seu lado puxando-a delicadamente pela mão, andando pelo corredor. A jovem parou por um segundo, sorriu e dei um simples aceno.

-Certo.

Distraída notou chegar ao seu quarto, acompanhou com os olhos vendo seu marido ir em direção ao banheiro. O sorriso se ampliou e decidida foi ate seu closet e revirou- o todo procurando por uma caixa antiga, e de tamanho médio. Após alguns resmungos encontrou o que queria na parte de cima do armário. Com a ajuda de uma cadeira pegou a caixa e a abriu com cuidado. Remexeu nos objetos que a fizeram sorrir muitas vezes. Até encontrar um pequeno ursinho marrom. Segurou-o e apertou contra o peito ao voltar a caminhar por um pequeno espaço pelo corredor.

Abriu a porta perto da sua vendo uma garotinha de cabelos negros deitada na cama com o lençol quase caindo de seu corpo. Ajeitou-a na cama com cuidado e colocou o bichinho de pelúcia que logo foi abraçado pela garotinha. Um sorriso surgiu em seu rosto e beijou-a emocionada. Desejou que sua filha pudesse também sonhar com o seu paraíso, e acima de tudo, pudesse conhecê-lo assim tendo seu final feliz.

Adriane Viz
Enviado por Adriane Viz em 17/01/2013
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