O Negrinho...

Ele era um negrinho muito preto, esmirradinho. Teria seis anos? Sete? Oito?... Não sabia. Não sabia o dia que havia nascido “nem se tinha pai”... A mãe era Maria. E o nome dele, esse sim, ele sabia: seu nome era Jesus, como o Nome do filho de uma outra Maria... Mas isto ele não sabia.

Andava o dia inteiro na rua: Ficava nas sinaleiras, pedia “Uma moeda, tio!” E estendia a mãozinha que era preta tanto na palma como no dorso, pois água não via há muito tempo.

Ficava, quando o sol estava muito forte, perto dos carros, onde havia sombra, pois aquele verão estava terrível!... Os guris maiores, “donos do ponto”, corriam com ele muitas vezes. Então ele procurava uma soleira de porta, onde houvesse um degrau na sombra e ali sentava. E ficava olhando o Nada. Às vezes dormia.

A cidade estava engalanada: estava perto o Natal. Jesus ouvia as pessoas falarem no Natal e associava-o com muitas luzinhas brilhantes, cidade enfeitada, “bonita”, e muita gente apressada, na rua, andando prá lá e prá cá “cheias de pacotes enrolados com papel bonito!...” Ele não sabia o que era ganhar um pacote “enrolado em papel bonito”. Mas nessa hora, isso não interessava: já devia ser metade da tarde e ele estava “morto de fome!” E ainda por cima com sede! Lembrou que, dobrando a esquina, tinha um pedaço de garrafa de plástico na sombra, que uma senhora deixava para os cães da rua. Levantou e foi o mais depressa que podia. Mas lá chegando não tinha mais coisa alguma! Com o calor, os cães haviam bebido tudo! “Danados!” pensou Jesus.

Jesus colocou a mão magrinha no bolso e tirou as poucas moedas: “Será que dá prá comprar comida?” Achava que não, mais ia tentar.

Estava perto de uma sorveteria. Foi pra frente da sorveteria. Ficou “se lambendo” por um sorvete. Entrou encolhido e gelou! Um homem enorme veio em sua direção gritando:

- Sai daqui, guri! Sai daqui! –

- Eu tenho dinheiro, “tio”! Quero comprar! -

- Sai logo! Olha que eu chamo o Conselho Tutelar! –

Ficou morto de vergonha: tinha um “montão de gente”! Uma gente rica, bem vestida. Ele estava de calção, calção sujo e rasgado. Saiu correndo! Tinha muito medo do CASE: diziam que lá “batiam muito no cara!”.

Dali a pouco voltou e foi se achegando devagarzinho. Viu que na lixeira, que ficava na rua, “tinha um montão de latinhas”. Pensou: “Vou ver se tem refri por ali” e veio se esquivando, a boca seca, a barriga doendo de fome. Remexeu com medo e encontrou uma lata de refrigerante, meio virada. Quente. Empinou. Bebeu tudo!

-“Droga! Que coisa mais ruim!” “Caraca! Essa gente nem prá deixá um pouco prá gente!” – resmungou.

Sentou na praça, no chão, embaixo duma árvore. Pensou. Pensou em quê? Em voltar prá peça em que morava e onde a mãe “botava ele no armário e fechava a chave” para receber os “clientes?!” (Lá “sabia ele” o que eram os clientes!) Sufocava no verão dentro do armário!... Não, não queria voltar para casa!...

Passou uma senhora elegante e esta ia colocar na lixeira da praça uma latinha de refri.

- Tia, dá prá mim?!–

- Pega. Como é teu nome? –

- Jesus. –

-Credo! Isso não é nome para colocar em um marginalzinho! É até pecado! – E a “tia” muito “piedosa” fez o sinal da cruz! E se afastou indignada.

A barriga de Jesus roncava e doía. Anoiteceu. Esfriou.

- Guri! Tu não vais prá casa? – perguntou um homem que passava.

- Não tenho casa!... –

- Essa bandidagem não tem jeito mesmo! – E lá se foi o velho, resmungando...

Jesus olhou para o lado e viu um montão de moleques que vinham em sua direção fazendo a maior algazarra. Encolheu-se todo e ficou muito quieto. Não queria ser visto. Iam judiar dele. Mas não adiantou: era “um montão”! E ele era só um...

Chamaram-no de um monte de “nomes”. Ele ficou quieto. Bateram nele. Judiaram dele. Tiraram as poucas moedas que ele tinha. Deram-lhe um monte de pontapés. O rosto sangrava. A boca doía, cheia de sangue e terra. Os moleques se foram. Ele ficou ali, quieto. Muita gente havia passado e visto a briga. Mas ninguém queria se envolver... Mesmo porque já era tarde, e as pessoas sempre tem pressa...

Jesus se encolheu gemendo e... Dormiu.

Não sabia há quanto tempo dormia. Então ouviu uma voz de homem, suave e firme, que disse a ele carinhosamente:

- Levanta Jesus... –

Levantou depressa, enquanto uma mão bondosa afagava sua cabeça.

- Ué! Cadê os machucados?... –

- Foram para muito longe! E não vão mais voltar. Nem a fome e a sede...

- Legal! Como é teu nome, cara? –

- Eu sou o outro Jesus...

ESPERANÇA
Enviado por ESPERANÇA em 18/12/2012
Código do texto: T4041330
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.