Um sorriso nas Cinzas
Passava da meia noite no centro de Salvador, o trânsito e os bares nas proximidades da Avenida Tancredo Neves ainda mantinham um ritmo pulsante. Mas, no nono andar do edifício Luís Magalhães havia um relativo silêncio. Naquela noite quente de verão, eu estava deitado em meu quarto no apartamento 903. Me lembro que olhava para cima já admitindo minha derrota para a insônia. Fazia alguns dias que estava ansioso. Hoje, um amigo me disse que era normal, afinal no dia seguinte pediria em noivado aquela que estava ao meu lado há três anos. Não é algo se faça todos os dias. Temi dizer a ele que não era exatamente isso que me preocupava, embora houvesse certa ligação.
Levantei-me da cama, retirei de sobre o guarda-roupa uma caixa e de dentro dela alguns papéis e uma fotografia que estava no fundo. A imagem trazia uma versão mais jovem de mim, abraçado a uma linda garota que sorria na sombra de coqueiro, a praia era vista ao fundo e o céu estava pintado de poucas nuvens. Um cenário lindo que transmitia felicidade, mas não tanto quanto os nossos sorrisos.
Mas, obviamente aquela não era minha futura noiva. Era na verdade uma lembrança da minha mocidade, na época em eu pensava ser capaz de conhecer e reconhecer o verdadeiro amor. Mas devo admitir que ainda traga comigo as lembranças daquele sorriso meigo e o sabor de seus beijos sinceros na memória. E na minha recente situação, não era condizente. Era hora de deixar qualquer lembrança para trás e começar a construir o meu futuro ao lado de quem o quisesse.
Então, peguei a foto e os papéis, no alto deles estava escrito meu nome em uma dedicatória. Cartas que também deveriam ser apagadas. Andei até a varanda lentamente, coloquei os papéis no chão e sobre eles a fotografia, em poucos minutos os queimei. Enquanto as cinzas subiam no ar, vi o sorriso mais lindo que conheci se desfazer na brasa e então dormi tranquilo por toda a noite.
No dia seguinte me arrumei, estava mais apresentável do que de costume. Usei meu melhor perfume e um terno novo sobre uma camisa de marca. Encontrei-me com minha namorada em um restaurante. Trazia no bolso do paletó a caixa com o anel. Tudo estava perfeito.
Mas antes que eu pudesse fazer o pedido ela me disse que tinha que me dizer algo. Disse que estava confusa e que precisava de um tempo para pensar. Eu consenti. E assim ela pensou por alguns dias e por fim reatou com um namorado da faculdade que havia voltado à cidade há alguns meses. É claro que virei motivo de piada quando contei esta história aos meus amigos de barzinho. Mas não me incomodei, até ri junto com eles. Afinal, hoje tenho muito mais noites calmas.