O Mito de Orfeu
Descendo pelas escadarias dos portos
Ungido com sua lira em trovada,
Em uma íngreme passagem dos mortos
Viera resgatar a alma da amada
Próximo ao infinito mercúrio horizonte
Vem na gôndola o temível barqueiro
Acompanhe este barqueiro Caronte
Conduzir-te-á pelo grande desfiladeiro
Ao cruzar as margens do largo rio Estige,
Defronte estará desperto o guardião,
Que com três cabeças diabólicas se aflige
De Hades maldito, o Cérbero é o cão
Dedilhou uma lamúria canção Orfeu
Dormiu Cérbero em seu sono profundo
Assim pelo caminho o trovador procedeu
Caminhando mais além negro fundo
Guiando-se pelo alto e lúgubre declínio,
Percebeu Hades que um simples mortal
Adentrou em seu grandioso domínio,
Junto de sua indecência suja atemporal!
Mas acalmou-se sua fúria ao ouvir o som
Da lira que verberava funesta melodia,
Dentro do tristonho e monótono tom
Daquela canção em melancólica agonia!
Eurídice voltaria para a terra dos viventes,
Mas jamais volte a tua face para trás,
Senão suas lamurias assim tão dormentes
Não lhe trarão ao coração a real paz
Cantara ao retorno as suas celebrações,
Quando se aproximava a luz da saída,
Pulsaram-lhe mais fortes as emoções
E fitou-lhe o amor de sua divina vida
Por entre a neblina e espesso miasma
Viste tua mulher pela ultima vez,
Tornou-se ela novamente o fantasma,
Sem vida em uma branca palidez!
Triste Orfeu percebera enfim só sua lira,
Era a companheira da imortal solidão,
Alçando-se a própria alma que delira,
Condenou-se para essa sua maldição!