*História de Vida-Família-O Resultado de Fazer as Coisas Certas*
Perdi você !!! Perdi, mas não me esforcei, não fiquei correndo atrás, nem me dei ao trabalho de ficar questionando, a respeito dos motivos do seu afastamento.
Até um ano atrás, eu daria a minha vida por você... Meus olhos estavam tapados para diversos fatos que estavam na minha cara, porém, eu não os via... Minha razão não discernia suas atitudes mesquinhas, incluindo o seu total descaso por tudo o que eu fazia.
Eu fazia... Eu me dava... Eu me entregava de corpo e alma a este amor.
As pessoas mais chegadas me interpelavam sutilmente sobre isto ou aquilo... Perguntavam por que ela não me acompanhava nos eventos, ou então, nas festas de confraternização ou mesmo nos aniversários de parentes e amigos... Tudo discretamente, todas as perguntas ou as insinuações eram feitas de forma suave, impossível sentir ofensividade ou sarcasmo.
As pessoas que se dirigiam a mim desta forma, me eram queridas, apenas, estavam incomodadas ou indignadas em ver, a dedicação da minha parte e em troca, o desdém.
Era um domingo ensolarado, telefonei a Mamãe e perguntei se ela iria sair, pois, eu estava com saudade e os netos estavam pensando só no almoço e nas sobremesas!!!
- Filho, sua esposa virá também???
- Por que Mãe???
- Nada não... Na verdade, se ela viesse, eu iria preparar o mousse que ela tanto gosta, porque só ela quem come e das outras vezes, acabou estragando.
- Mãe, não precisa se preocupar com ela... Só com seus netos, a Senhora foi mimá-los, agora aguenta kkkkk... A Senhora os deixou mal acostumados.
- Só eles são mal acostumados??? O meu bebezão não é não??? Quem é que fica pedindo lasanha, strogonoff e carne de panela??? kkkkkk
- Kkkkkkk mas eu sou filho né ??? A Senhora tem que dar um desconto... Ninguém cozinha como a Senhora... Minha Mãe é a melhor cozinheira do mundo!!!
- Pode parar de puxar sardinha para o meu lado... Não adianta ficar elogiando não... Você perdeu o trono... Agora é a vez do Fernando e da Fernanda.
- Ahhh Mãe, como a Senhora está cruel hoje, credo... Mãe, chegaremos aí em duas horas ok??? Beijos, até mais tarde... Capricha aí que estou morrendo de fome.
- Ta bom... Ta bom... Vou esquentar o que sobrou da janta kkkkkk... Não corra, choveu muito, a pista está escorregadia, tome cuidado.
- Sim Senhora, vou tomar!!! Até daqui a pouco, a sua benção Mãe.
- Deus te abençoe meu filho, até daqui a pouco.
Ao desligar o telefone, fiquei pensando no mousse que tantas vezes estragou... Foi como se uma luz vermelha piscasse em meu cérebro... Pus-me a pensar... Começaram a vir a tona, as conversas dos amigos, os toques, os olhares dissimulados e completando, os mousses que iam para o lixo, pois, eram feitos com carinho, exclusivamente para ela.
Eu só comecei a juntar o quebra-cabeça e uma sensação horrível começou a apossar-se do meu ser... O meu sangue começou a ferver... Certos fatos começaram a ter sentido, certas coisas passaram a ter um significado... Não gostei daquilo que eu agora enxergava e muito menos de ter sido tão displicente e não ter notado.
Meu domingo perdeu a graça... Procurei não deixar transparecer e casualmente a convidei para almoçarmos na casa de minha Mãe... Eu já sabia qual seria a sua resposta... Dito e feito... Havia combinado com umas amigas para ir ao clube.
Enquanto minha esposa se fazia ausente em todos os lugares... Sandra, amiga de trabalho, que também era supervisora como eu, acabava por me fazer companhia e em algumas ocasiões, meus filhos e o dela, passou a ter uma convivência mais constante, devido aos locais que frequentávamos.
Passei a policiar a conduta da minha esposa... Atenção nos tratos em relação aos nossos filhos... O cuidado com a casa e com as minhas necessidades básicas, enfim, fui observando e anotando tudo o que se relacionava a nós.
Comecei pedindo coisas sem importância e chamando-a para passeios despretensiosos... Fui gradativamente pedindo mais coisas... Testando... Jogando... Blefando... Mesmo me contrariando com as negativas, não deixava transparecer o meu furor.
Tenho quarenta e dois anos, ela quarenta, meu filho vinte e a menina, vinte e dois anos... Eis uma fase maravilhosa para um casal... Os crescimentos dos nossos filhos não requeriam tanto a nossa atenção... Havia tempo de sobra para namorarmos, passearmos e vivermos a alegria da nossa união, mas, não era o que estava acontecendo.
Era a hora de reverter à situação... Chegou o momento de eu faze-la sentir na pele, o que fazia comigo, provavelmente, acordaria para as próprias atitudes... Talvez, provando do próprio veneno, veria o quão errada estava sendo as suas atitudes.
Passei a esconder o dinheiro dos prêmios e horas extras, deixando somente o salário para tudo... Fiz um caixa dois... Comecei a reclamar da situação, inventando problemas e desculpas para diminuir certos gastos... Cortei consideravelmente as regalias em relação a roupas, pizzas, passeios, chegando a deixar o carro sem gasolina nos fins de semana... Tudo calculado, propositalmente, pensado e repensado para não deixar falhas.
Quando cogitei sobre o fato dela arranjar um emprego, neste dia, ela perdeu a compostura... Exaltada, proferiu palavras de baixo calão e começou a mal dizer o dia que me conheceu... Falou que eu não era homem nem para dar uma vida decente a ela... Não conhecia este lado da pessoa, que dormia ao meu lado por vinte e dois anos... Pasmei... Perdi o rumo... Agora a mascara havia caído... Descobri um ser, que poderia ser tudo, menos a esposa amada.
Tive um mal súbito... As crianças vieram em meu socorro... Uma dor muito forte... Arritmia, meu coração não trabalhava no compasso certo... Colocaram-me no carro e correram para o hospital... Foi só um susto... Foi a dor da decepção... Dor maior do que o meu coração esperaria sentir... De manhã recebi alta e voltei para casa... Meus filhos presenciaram tudo.
Ela só aguentou um ano nesta vida mais regrada, até que se rebelasse... Um ano para eu comprovar e tirar as dúvidas sobre tudo e qualquer coisa... Não havia mais como esconder o meu descontentamento... Hora de colocar os pingos nos is... Hora de colocar as cartas na mesa... Entretanto, aconteceu algo que não esperava... Algo surpreendente.
Havia saído do hospital e estava meio debilitado... Eu não fui trabalhar e meus filhos não foram para a escola, ainda preocupados comigo... Ela havia saído logo cedo... Quem deveria estar ao meu lado, não quis nem saber, pegou a bolsa, vestiu-se, perfumou-se e saiu sem dizer uma única palavra... Meus filhos ficaram a me zelar.
Serviram-me o café da manhã na cama, solícitos, gentis, ainda perguntando se eu queria mais alguma coisa... Disse estar bem, só um pouco indisposto, só isso...
Os dois estavam revoltados, foi então que decidiram falar... Sentaram-se na cama e ajeitei-me para lhes dar atenção... Cada um foi soltando um rio de reclamações... Falaram sobre suas frustrações, indignações, discordâncias, sobre tudo o que não aceitavam... Disseram sobre tudo o que haviam visto e não tiveram coragem para me falar, afinal, não queriam ter na consciência, a culpa de terem causado brigas entre os Pais... Não tinham ideia da proporção que isto tomaria.
Escutei Fernanda falando e chorando, depois, Fernando, que foi mais simples e direto.
O jogo acabou... Se eu já havia anotado dezenas de fatos desagradáveis, as ofensas feitas daquela forma injusta e traiçoeira, juntando-se as lagrimas de dor que agora molhavam a minha cama... Chega, foi a gota d’agua... Meus filhos chorando, resignados aos caprichos maternos e temerosos de me contar, por medo da separação.
Ainda estávamos conversando, quando a campainha tocou... Era Sandra e seu filho... Vieram saber se estava tudo bem.
Meu filho trouxe uma cadeira e os jovens foram para a sala, enquanto eu conversava com Sandra... Em poucas palavras falei somente o essencial e a respeito da atitude que iria tomar... Já havia tomado a decisão, só faltava comunicar aos meus filhos... Foi quando veio a curiosidade em perguntar sobre a separação de Sandra.
Sem melodramas, expos em poucas palavras, a insatisfação e a revolta de ter sido traída e humilhada de forma tão ultrajante.
Ela mudou de assunto, deixando o ambiente alegre com o seu humor envolvente e pouco depois teve que voltar ao trabalho.
Chamei as crianças, dizendo todos os passos que eu iria seguir e as atitudes que eu iria tomar... Chegou a hora crucial... Já eram crescidos... O direito a escolha... Quase não conseguia respirar.
Meu peito voltou a doer, era a ansiedade... Que caminho eles escolheriam??? O que seria mais promissor para ambos??? Optariam por ficar com quem???
Como eu esperava, Fernando tomou a voz.
- Pai, o Senhor sempre disse que éramos o seu tesouro, seu motivo de orgulho, sua grande alegria, sua razão de viver, não é mesmo???
- Sempre meus filhos... Vocês são os bens mais preciosos que possuo... A melhor e mais grata alegria que já me aconteceu... Vocês são tudo pra mim.
Fernando, neste momento me olhou de homem para homem... Sério, firme, decidido... Percebi naquele instante que ele não era mais um menino, já era um homem feito... Tremi.
- Pai, falando do fundo do meu coração... O Senhor não é tudo para mim... Sabe Pai...
- O Senhor só é o meu Herói... O mais belo exemplo de vida que eu já tive... O Senhor é o meu espelho, a minha confiança e o meu maior orgulho é ser seu filho.
- Não sei como será a nossa vida daqui pra frente, mas, não abro mão deste Pai maravilhoso... Aconteça o que acontecer, estaremos sempre juntos... Sempre... Falo isso por Fernanda também né mana???
Fernanda nada falou... Pulou em cima de mim, abraçando e me beijando, ao mesmo tempo em que chorava como uma criança... A emoção tomou conta de todos... Abraçados, chorando e desta vez, eles me viram chorar... Descobriram que o Pai também chorava.
Maria Fernanda chegou e ainda estávamos chorando... Chegou a hora... Não havia motivos para prolongar o sofrimento.
- Por favor, chamem a sua Mãe !!!
- Pai, o Senhor não quer deixar para amanhã, afinal, saiu do hospital hoje cedo... Por favor, se acalme, recupere-se primeiro... Um dia a mais, um dia a menos não irá fazer diferença... Por favor???
- Fique tranquila minha querida, há males que vem para o bem... Quem sabe este não é o remédio??? Tenho certeza que quando tudo estiver resolvido, eu ficarei em paz...
Ela saiu e Maria Fernanda entrou cheia de poses... Desafiadora... Mostrava irritação e nem ao menos perguntou se eu havia melhorado... Nenhuma preocupação com o meu estado de saúde... Resignada, sentou-se e então comecei a falar.
- Acabou!!! Vou ligar para o Dr. Ernesto para dar entrada no desquite!!! As crianças vão comigo!!!
Eu estava esperando uma reação totalmente diferente... Achei que iria xingar, esbravejar e falar um milhão de coisas, mas não, foi justamente o contrário.
Tranquila como se já estivesse esperando por isso há mais tempo, ficou a me olhar, acendeu um cigarro, jogou a fumaça em minha direção, mesmo sabendo que eu não permitia que se fumasse no quarto.
- Você já tomou a decisão, pois bem... Vou falar com as crianças e vou telefonar para um advogado amigo meu... Vamos ver no que vai dar !!!
Meus filhos mantiveram a sua decisão em ficar comigo... Os bens materiais eram poucos e acabamos por acertar tudo perante o juiz conciliador... E recomecei.
Meus Pais ficaram felizes com a minha separação e passaram a vir nos visitar, quase todos os fins de semana... Que alegria a casa cheia... Meus filhos tinham paixão pelos avós.
Sandra e seu filho Paulo, se tornaram da casa, afeiçoando-se aos meus Pais, como se fossem velhos amigos... Verdadeira harmonia... Paz e alegria.
Paulo e Fernando não se desgrudavam e azucrinavam a vida de Fernanda... Pegavam no pé dela e a deixavam nervosa, porém, não havia passeio que não levassem a irmã... Os três não se separavam e faziam uma bagunça que deixava os adultos loucos, só que, éramos obrigados a rir, porque eles nos colocavam no meio das brincadeiras... Ninguém escapava das pegadinhas... Uma casa cheia de vida... Era a vida preenchendo o ambiente.
Depois de uns meses, minha Mãe começou a fazer insinuações, aquela coisa de Mãe protetora que quer ver o filho feliz... Começou a falar sobre as qualidades de Sandra... Sobre a educação do Paulo... De como fazia questão de dar ordens para a empregada no zelo pelos meus filhos e por mim... Essas coisas assim.
Mal ela sabia... Mal ela imaginava... Ela não sabia do amor incontido e da saudade que eu sentia por Maria Fernanda... Não havia conseguido tirar da minha mente e do meu coração, a mulher que foi a minha primeira e única paixão.
Sandra era o oposto da minha ex-mulher... Sandra era meticulosa, cuidadosa, preocupada até demais, responsável e participativa.
Depois de certo tempo de convivência, dava ordens para todo mundo... Meus filhos riam e acabavam obedecendo, pois, ela tinha um jeito gentil e delicado de pedir, mesmo sendo uma ordem... Eles atendiam movidos pelo carinho com que ela os tratava e eu só ficava observando.
Dizia a mim mesmo, o quanto estava sendo idiota... Eu tinha que esquecer o passado e refazer todos os aspectos do meu viver... Eu tinha que seguir a minha vida.
Maria Fernanda raramente telefonava ou pedia para os filhos ir visita-la.
Eu não perguntava nada a respeito da Mãe e eles também nada diziam.
Estava chegando o Natal... Todo final de ano, a Ceia de Natal e a passagem de ano, era na casa de minha Mãe... Irmãos, primos, tios... Todo mundo iria com as suas especialidades, previamente combinada com a minha Mãe... Pratos de todos os tipos, bebidas e refrigerantes, presentes e mais presentes, além de muita vitalidade para comemorar a festividade.
Mamãe ligou e falou que se eu não levasse a Sandra, eu não precisaria ir.
Eu briguei de brincadeira com Mamãe... Sandra já fazia parte da família e por incrível que pareça, tinha certeza que aceitaria o meu convite... Era como se eu pudesse sentir o que se passava com seus sentimentos e com o seu pensar.
Corria o risco d’ela ir passar o Natal com a família, foi nesta hora que notei, o quanto fui relapso, ao não procurar conhecer a família dela... Acabei de pensar e ela foi entrando... Ela tinha a chave da casa, ela era da casa.
Só de olhar para ela, ela entendeu... Peguei dois copos de vinho e nos sentamos no sofá.
- Você tem planos para o Natal??? Vai viajar??? Vai ficar com a sua família???
- Não, não vou viajar... Vou ficar por aqui mesmo e você???
- Mamãe falou se eu não a levasse para a Ceia, que eu não entraria... Vê se pode!!! Se você não for, eu vou perder aquela festança.
- Kkkkkkkk, é sério ??? Ela falou assim???
- Hum rum, falou sim... Deixei de ser o queridinho da Mamãe... Você abduziu a minha Mãe foi??? Que parceria é esta contra mim.
- Eu menti para ela... Falei que estava lavando as zorbinhas do filhinho dela.
-Kkkkkkk larga mão... Para com isso... Sério que falou isso??? Que mentira cabeluda!
- Bobo, claro que não né??? Sua Mãe é adorável... É uma grande mulher.
- Ela é mesmo... Tenho tanto orgulho dos meus Pais... São fantásticos.
- Mas então??? Posso ligar pra ela e reservar a sua vaga??? Tem que pegar a senha e ver qual o prato ou o doce que você vai levar... Faço a reserva pra vocês???
- Deixa... Eu ligo pra ela... Queria mesmo falar a respeito de uma curiosidade.
- Tenho que levar o carro para trocar o óleo e vou trocar os pneus dianteiros, não quero deixar tudo para a última hora... Você conversa com as crianças quando chegarem???
Eu gostaria de sair na madrugada de amanhã, lá pelas seis horas... Será que dará tempo de comprar as coisas, preparar tudo amanhã e depois pegarmos a estrada???
- Da minha parte, sem problemas... Vou combinar com sua Mãe e ver tudo o que é necessário.
Preparamos tudo tranquilamente, obviamente, as crianças faziam a maior folia... Saímos cedo, compramos os presentes, os ingredientes para a torta de camarão que foi prometida e pegamos as malas na casa de Sandra... Tudo pronto... Tudo correndo conforme imaginávamos, até que...
A campainha toca... Paulo foi atender... Era Maria Fernanda...
Ela foi entrando sem pedir licença, como se a casa fosse dela... A coisa não prestou... Parecia que ela estava possuída... Estava totalmente raivosa e descontrolada.
Então é esta vaca que acabou com o nosso casamento??? Essa vagabunda é a destruidora do nosso lar??? Falou isto apontando para Sandra e foi andando em direção a ela.
Eu interceptei o caminho... Coloquei-me na frente, entretanto, meu sangue fervia... Eu tentava raciocinar, pois, sabia que a briga seria inevitável, mas, buscava uma maneira de minimizar o estrago.
- Vi Paulo se colocar ao lado da Mãe em atitude de alerta, pronto para defendê-la.
Fernando e Fernanda vieram correndo, ao escutarem os gritos da Mãe.
Sandra calmamente falou...
- Rodrigo, este é um assunto que você tem que resolver a sós com ela... Convide-a para o quintal e se acertem lá... Este é um lar abençoado por Deus, um local de amor e harmonia!!!
- Maria Fernanda começou a gritar palavrões e maldizer a tudo e a todos... O escândalo estava feito... Ela agora ameaçava partir para cima de Sandra que se mantinha imóvel e de cabeça erguida no mesmo lugar... Calada, escutando aqueles impropérios sem se alterar.
Os filhos pediam para ela se acalmar, tentando serenar a situação... Impossível... Ela estava enraivecida... Meus nervos estavam para explodir... A afronta passou dos limites quando Maria Fernanda passou a ofender os próprios filhos.
- Vocês são uns imprestáveis... Traidores... Agora vocês apoiam esta vagabunda é???
Peguei Maria Fernanda pelo braço e a arrastei para fora... Ela ia me arranhando, me mordendo e me chutando... Segurei-a forte e acabei de colocar para o terraço aos empurrões
- Sandra... Ligue para a policia agora, já!!! Feche esta porta também e ninguém saia aqui fora!!! Vocês entenderam???
Eu não falei... Eu mandei!!! Assim eles fizeram.
O escândalo continuava... Janelas e portas começavam a abrir... Vizinhos curiosos espreitando aquele dissabor... Quanta infâmia... Que situação constrangedora... Nem mesmo a polícia chegando, ela abaixou o tom de voz, os brados eram coléricos... Ódio... Puro ódio... Palavras flamejantes de ódio... Ofensas indecorosas.
Fui abrir o portão, enquanto Maria Fernanda chutava a porta principal...
Os policiais nada conseguiam fazer para deter aquela profusão de obscenidades... Nem ordenando, nem ameaçando, conseguiam fazer com que ela voltasse a lucidez... Tiveram que algema-la e coloca-la na viatura a força.
Peguei meus documentos, um casaco e acompanhei com o meu carro a viatura, até a delegacia... Quanta contrariedade... Que loucura.
Os policiais estavam tendo trabalho para segurá-la... Nem mesmo estando dentro de uma delegacia, ela deixou de amaldiçoar.
O delegado aproximou-se dela e com suavidade, sem se alterar, falou...
- Quer conhecer as celas que dispomos aqui nesta delegacia??? Quer ir descansar até amanhã de manhã para podermos nos falar???
Como se tivesse jogado um balde de agua fria, imediatamente ela se calou...
Com um aceno, acompanhei o delegado até a sua sala... Expus toda a situação... Ele fez cerca de dez perguntas e chamou o escrivão para formular o boletim de ocorrência... Com boa vontade, orientou sobre alguns procedimentos que seria bom eu tomar, para evitar este tipo de conflito no futuro... Minutos depois, fui liberado e ela permaneceu lá.
Chegando em casa, Fernando veio correndo saber do sucedido... Acalmei-o e relatei o quê e como tudo foi feito... Ele respirou fundo e de cabeça baixa, entrou.
Ao entrar, vejo Fernanda sentada no colo de Sandra... Ambas com os olhos rasos d’agua... Docemente, Sandra ninava a minha filha... Uma jovem de vinte e dois anos, sentada no colo da Sandra... Aquilo mexeu com os meus sentimentos... Realmente me emocionou.
Fernanda acabou por levantar e correu para os meus braços... Abracei-a forte, apertando-a em meu peito... Minha criança amada, sofrendo por algo que não merecia.
Fiz com que todos acomodassem no sofá e sentei-me de frente.
- Meus filhos, agora vocês irão me contar exatamente o que sabem da conduta da sua Mãe, desde a nossa separação... Não me escondam nada ok???
Foi Fernanda que falou dos romances conturbados que a Mãe havia tido... Logo após a separação, ela havia ido morar com uma pessoa que pelo visto, já se conheciam a bastante tempo, mas, o relacionamento não durara dois meses... Depois disto, ela se tornou insuportável, totalmente diferente da Mãe que conheciam... Só arranjava problemas com os namorados... Ela contava tudo de cabeça baixa e chorando.
Meus Deus... Que podridão... De pensar que eu alimentava algum sentimento ainda por ela... Como fui estúpido... Como pude ser tão tapado!!!
- Sandra!!! Sem rodeios, quero que seja direta, sem pestanejar, nem engasgar... Quero que me responda uma pergunta ok???
Ela começou a torcer os dedos... Vi nervosismo e pânico em seus olhos.
Minha voz era imperativa... Minhas atitudes mostravam que não estava para brincadeiras, mesmo não tendo a intenção de ser tão imponente.
- Qual o verdadeiro motivo do seu afastamento em relação a sua família???
Ela baixou a cabeça... Respirou fundo e olhou-me com firmeza... Senti que mil pensamentos desfilavam por sua cabeça... Quando ela baixou os olhos, sabia que colocaria para fora, segredos guardados a sete chaves... E assim ela o fez.
- Eu era jovem quando comecei a namorar o Pai de Paulo... Desde jovem, ele já aprontava em nossa cidade e meus Pais tinham verdadeira aversão por ele... Meus Pais fizeram de tudo para afastar-me dele, mas, eu estava apaixonada.
- O fardo foi ficando cada vez mais pesado... O meu namoro era motivo de lagrimas e mais lagrimas no rosto da minha Mãe... Meu Pai se revoltou e proibiu-me de continuar a me encontrar com ele... O Coronel não aceitava um Não como resposta de um filho.
- Não desafiei o meu Pai naquele momento, mas, continuei a encontra-lo nos descuidos... Fugia para encontra-lo... Eu era uma jovem perdidamente apaixonada e crente nas promessas de amor, que ele fazia com tanta emoção...
- Me perdi... Me entreguei... Engravidei... Envergonhei o nome da família...
- Meu Pai, passou dos limites... Apanhei como homem... Apanhei muito na cara... Ele dizia que vagabunda sem vergonha tinha que apanhar na cara... Isto na frente de toda a família... Vergonha da qual carrego até hoje.
- Levei uma semana para me recuperar da surra e meu rosto desinchar... Na primeira oportunidade, nós fugimos... Foi assim que acabei com a minha juventude, com os meus sonhos e principalmente com o nome da minha família.
Agora era Fernanda que abraçava a Sandra... Enxugava lhe as lagrimas enquanto segurava sua mão... Existia um elo silencioso entre elas.
- Meus filhos... Paulo... Entre eu e sua Mãe, sempre existiu uma amizade pura e sincera.
- Nada daquilo que sua Mãe falou foi verdade... Vocês são testemunhas da realidade de tudo... Ninguém melhor do que vocês que vivenciaram a verdade... Vocês tem alguma duvida ou desconfiança em relação a isto??? Quero a verdade agoraaa!!!
Sempre fizemos as coisas as claras... Nunca escondi nada dos meus filhos... Nunca havia mentido para eles... Mais uma vez, eles corresponderam com as minhas expectativas, inclusive Paulo, dizendo saber de tudo, pois, não havia segredos entre ele e a Mãe.
- Filhos, se a sua Mãe afrontar novamente a Sandra, eu irei contra ela... Sandra nada tem a ver com os erros que ela cometeu... Eu a perdi... Não sei onde e no que eu errei em relação a sua Mãe... Juro que achei estar fazendo o melhor por ela... Mas... Não foi o suficiente... Alguma coisa aconteceu, ou ela já não me amava mais... Não sei mesmo.
-Eu a amava... Eu a perdi... Ela me perdeu... Não há volta... Acabou a muito tempo.
-Sandra nada tem a ver com toda a situação e também não mereceu nada daquilo que todos ouvimos... Peço que me perdoe, por coloca-la em situação tão deprimente... Não sei o que dizer pra você.
- Tudo bem, está tudo bem... Não precisa dizer nada, eu sou bem crescidinha para compreender tudo... Ao se colocar na frente dela em minha defesa, você fez com que eu me sentisse importante para você... Me senti protegida por um verdadeiro homem... Nunca me senti tão mulher, tão feliz, tão...
As lagrimas impediram de continuar... Fernanda abraçava-a forte... Forte... Agora o choro era alto... Chorava com uma explosão de sentimentos oprimidos... Brados, urros, soluços, lagrimas, um pranto alucinante e quanto mais chorava, mais as duas se abraçavam...
Levantei e chamei os rapazes... Deixei as duas naquele momento, onde somente as lagrimas poderiam abrandar tamanha dor.
Entramos no carro, deixando as mulheres naquela consternação inquietante.
Parei em uma lanchonete e nos sentamos numa solitária mesinha de fundo... Pedi três sucos e fiquei a pensar sobre a decisão que eu havia tomado ainda na delegacia... Eu só precisava da aprovação de todos... Tinha certeza que seria o melhor para todos, mesmo não sendo aquilo que sonhei para mim...
Eu queria um amor indiscutível, único, magnânimo... Queria alguém para amar, como amei Maria Fernanda... Incrível, mas eu tinha tanta necessidade da companhia de Sandra... Eu a queria sempre por perto em tudo o que eu fosse fazer... Compartilhávamos sonhos, brincadeiras e babaquices, massss...
Faltava a coisa de pele... Faltavam os arrepios... Faltava a gana... Faltava o desejo... Eu via tudo isto, como um amor incompleto... Por outro lado, morria de medo que Sandra se enamorasse de alguém e nos deixasse... Eu já amava aquele rapaz que estava a minha frente... Meus filhos não se desgrudavam dele... Desde a separação, tudo era para três, por três, nunca deixavam Paulo de lado.
- Filho... Chegou a sua vez... Resposta direta e sem titubear... Você já é um homem e espero mais uma vez que aja como tal.
- O que você acha do Paulo e da Sandra??? O que você sente por eles???
Fernando olhou para Paulo, naquele olhar interrogativo... Voltou-se e falou com naturalidade.
- Se o Senhor está pensando em pedir Sandra em casamento, além da minha inteira aprovação, tenho certeza que desta vez, o Senhor não irá ter motivos para se arrepender... Era isto que o Senhor queria saber???
Não disse sim, nem não... Fiquei impassível deixando-os confusos.
- Paulo... O que você sente pelos meus filhos e por mim???
- Sr Rodrigo, antes me responda uma coisa, posso perguntar???
- Eu vou ter que chama-lo de Papai???
Não consegui me conter... Sorrindo, mas, lagrimas fugitivas me delataram...
Paulo e Fernando começaram o maior auê, se abraçando, rindo, tirando sarro e se levantaram, pulando abraçados na maior alegria... Então me puxaram e me abraçaram...
Emoção... Alegria... Uma sensação desmedida... Que vontade de sair correndo e gritando, de tão feliz que eu estava.
Procurei me controlar, pois, o garçom veio ver se estava tudo bem... Aquietamo-nos e então, expliquei exatamente o que iria fazer... Eu não queria que eles deixassem transparecer nada... Queria fazer surpresa, porque, eu mesmo estava surpreso.
Compramos um pote de sorvete de dois quilos e regressamos... Elas já haviam se recomposto e conversavam futilidades... Os gulosos já foram pegando e se servindo de sorvete e foram jogar vídeo game... Perguntei se estavam tranquilas, se estava tudo bem.
Fernanda com a boca cheia de sorvete falou...
- Tá xim... E começou a rir.
Todos rimos... Que palhaçada... Ela riu tanto que começou a babar e sujou a blusa com o sorvete... As risadas foram dobradas.
- Gente... Está na hora de irmos descansar... Vamos sair as seis ok???
Quatro horas e trinta minutos da manhã!!! Barulheira... Gritaria... Algazarra.
A criançada já havia colocado tudo no carro, a mesa do café pronta e eles bagunçando para me acordar... Todos alegres e dispostos... Parecia que os dissabores do dia anterior, não existiram.
Levantei... Tomamos café... Pegamos estrada... Começou a briga por causa do som... Minhas músicas eram de velho... Sandra corria em minha defesa, mas era vaiada também... Bagunçando, cantando, tirando sarro e em um instante chegamos... Duas horas de viagem pareceram vinte minutos, de tão divertido que estava.
Assim que entramos na casa dos meus Pais, começou a sair gente de tudo que era canto... Foi um festival de abraços, de beijos... Como sempre, a época em si, deixava a todos em clima de festividade e a confraternização em nossa família era sempre regada de humor, alegria e amor... Meus Pais haviam feito um trabalho excelente... Tínhamos uma família unida e feliz.
Na parte detrás da casa, havia uma cobertura bem grande, onde foi construída uma churrasqueira, ganchos nas paredes para as redes, tinha até mesmo um fogão a lenha que de vez enquando Mamãe cozinhava um feijão com gosto de carvão... Eu chegava a passar mal de tanto comer.
O almoço seria mais simples, agora a Ceia, teria tudo o que havíamos trazido... Quem estivesse fazendo regime, sabia do tamanho do estrago e do sacrifício posterior... Graças a Deus, sempre houve fartura na casa dos meus Pais.
Os homens carregaram as mesas e cadeiras e as mulheres foram ajeitando os talheres e trazendo as panelas... Em dez minutos, todos estariam sentados para a oração que meu Pai fazia em agradecimento e então, os gulosos de plantão atacariam vorazmente aqueles pratos espetaculares, até não caber mais uma colherada na boca.
Tudo pronto... Tudo arrumadinho... Todos sentados esperando meu Pai pedir silêncio.
Minha Mãe brilhava... Parecia uma criança de tão feliz.
Meu Pai sempre vestia-se muito bem neste dia, como se fosse tradição... Ele pigarreou, limpou a garganta e então pediu a atenção e todos se calaram.
As vezes ele dava um sermão pequeno... As vezes dava os parabéns a alguém da família por algum feito importante ou feliz... As vezes já começava a orar.
Quando ele ficou de pé, eu também fiquei e ele me olhou.
- Pai, com sua licença... Gostaria muito de falar algo, se o Senhor me permitir, antes de nos abençoar com a sua oração.
- Diga meu filho... Tem a minha permissão.
- Muito obrigado meu Pai.
- Minha querida família... Eu sei que vocês são todos uns mortos de fome e queriam que eu calasse a boca para poderem comer mais cedo, massss...
- Queremos mesmo...Vaiiii... Fala logo... Já acabou... Paiê... Faz logo a oração.
Todos começaram a rir e a me vaiar... Mandavam que eu me sentasse e calasse a boca, enfim, aquela brincadeira que marca um acontecimento em família... Calaram-se e ficaram me olhando... Gesticulando com as mãos para eu ir rápido.
- Todos vocês sabem o quanto foi difícil este começo de ano para mim... O quanto foi tristonho para os meus filhos...
- Eu ia falar um monte de coisas, mas não quero falar... Quero ir direto para o que realmente interessa.
- Sandra... São seis anos trabalhando lado a lado... Vai fazer um ano que você participa, cuida, zela pelos meus filhos e também por mim... Eu estou muito confuso em relação ao amor... Não sei definir exatamente a palavra Eu Te Amo, entretanto, eu sei de uma coisa...
- Você se transformou em um ser humano tão importante, tão importante, mas, tão importante, que eu não consigo me ver longe de você.
- Você viu o inferno que se tornou a minha vida, e o transformou em um mundo de paz e harmonia... Seu filho trouxe uma bagagem de alegria enorme e dividiu-a com os meus filhos... Você trouxe conforto aos meus tormentos e não deixou que eu me perdesse nas minhas tristezas.
- Eu não quero dizer... Eu Te Amo... Um dia eu pensei que o que eu achava a respeito do amor era uma coisa... A vida mostrou que eu estava errado.
- Eu quero você... Quero você ao meu lado todos os dias... Em todos os lugares, exatamente como tem sido este ano... Quero tuas risadas enchendo o ambiente, quero tuas broncas fazendo a todos ficarem caladinhos... Quero você exatamente como se mostrou.
- Tenho medo de perder você... Tenho medo de ficar sem você... Tenho medo que se vá... Não gosto quando você vai embora para a sua casa, mesmo que no dia seguinte esteja de volta... Eu te quero em minha casa, para que não tenha mais que sair... Eu e tenho certeza que meus filhos concordam comigo, todos nós queremos vocês... Não quero mais ter que dizer, até amanhã... Não quero vê-los saindo para a sua casa... Quero que a casa seja nossa e não tenha que ir para mais lugar nenhum.
Sandra me olhava sem nada falar... Seu vestido estava ficando molhado com as lagrimas que escorriam livremente pelo seu rosto... Não gemia, não soluçava... As lagrimas escorriam tranquilas.
Aquele silêncio estava me angustiando... Comecei a ficar apavorado, pensando em ter errado quanto aos sentimentos dela.
Ela ficou em pé... Me olhou e correu os olhos por todos que estavam sentados... Um olhar especial para Fernanda e Paulo que agora estavam de mãos dadas e finalmente olhou para os meus Pais.
- Eu terei a benção do Senhor??? Terei a benção da Senhora???
Meu Pai olhou para minha Mãe e o seu sorriso dispensava qualquer palavra... Minha Mãe, super alegre e chorando de emoção, estendeu as mãos para Sandra e...
- Vem cá minha filha... Vem minha pequena... Deixe-me te abençoar.
Fernanda se levanta gritando e pulando como louca... Pulava levantando as pernas, gritos agudos... De repente corre, dando a volta na mesa e pula em cima das duas, da minha Mãe e de Sandra que ainda estavam abraçadas.
Sandra vira-se e abraça Fernanda... As duas ficam pulando e rodando... Pareciam crianças... Pulando, girando, se abraçando e voltando a girar...
Fernando se levanta e estende as mãos para Sandra.
- Bem vinda Mamãe... Seja muito bem vinda... Aquele coroa ali precisa de uma gata como você e a abraçou chorando.
Fernanda não cabia em si de contentamento... Correu e pulou em cima do Paulo... Beijando, abraçando, chamando-o de irmão.
- Agora você é minha irmã então né ??? Que nhaca!!! Vou ter que te aturar mesmo ??? Vem cá... Abraçou-a e começou a gira-la no ar.
Fui ao encontro dela e todos vieram juntos... Os cinco se grudando, se abraçando, gritando e o pessoal aplaudindo... Fernanda correu para os braços da Avó e do Avo.
Eu não havia comprado as alianças, nem mesmo um buque de flores... Improvisado... Repentino... Mas eu não pensei nas formalidades, isto poderia ficar para depois.
A festa ficou ainda mais animada... A intensidade da alegria era tanta, como se pudéssemos sentir raios coloridos passando de um para o outro.
Uma Ceia de Natal que foi a mais fantástica que poderia existir.
No dia seguinte, chamei Paulo para dar uma volta e enquanto caminhava, disse a ele que iria dar um jeito que reatar os laços da Mãe e dos Avós... Eu sabia que ela sofria com este distanciamento e clamava pelo perdão da família... Outra coisa importante, teríamos que trazê-los para o casamento...
Paulo sem pensar duas vezes, passou-me o telefone do Avo, mas, pediu que nada falasse se algo desse errado.
Paulo voltou e eu fui até a pracinha da igreja... Sentei, peguei o celular e liguei... O Coronel atendeu... Meu corpo inteirinho arrepiou, tremi na base, mas, não desisti.
Já anoitecia quando voltei... Ela veio em minha direção e seus olhos brilhavam, seu semblante era terno e manso, os lábios distendidos em um leve sorriso que queria esconder.
-Rodrigo, você é louco... Como pode aprontar uma dessa, assim sem avisar... Não comprou nem mesmo um anelzinho para formalizar o noivado... Ali no boteco vende umas balas que vem um anel de plástico... Que noivo mais cara de pau!!!
Dando bronca e rindo, só ela mesma.
Abracei-a e ficamos assim sem nada falar por bastante tempo... Por vezes o silêncio fala exatamente o que queremos ouvir... Minha Mãe apareceu na porta, ficou nos olhando, sorriu e voltou.
Era dia vinte e seis... Todos partiram, ficando somente a minha família... Sandra grudou na minha Mãe como chiclete... Eu amava conversar com o meu Pai e as crianças foram vasculhar a cidade todinha em busca de aventuras.
Contei ao meu Pai sobre o Pai de Sandra e o que eu havia feito... Queria saber a opinião dele... Ele pediu que eu contasse a história toda para poder opinar e então contei...
Ele coçou o queixo e ficou pensativo... Ele sempre que queria resolver algo ou dar uma opinião, ficava quieto e não gostava que ninguém falasse com ele.
Ele levantou e me chamou para darmos uma volta... Caminhamos até a pracinha da igreja... Ele escolheu um banco e nos sentamos...
- Me dá o celular e o número...
Peguei o celular, disquei e esperei atender, quando então o passei para o meu Pai.
Se existia alguém que eu confiava mais que a mim mesmo, este alguém era o meu Pai.
Ele fez um gesto com a mão, dizendo para eu dar uma volta... Deixá-lo à vontade.
Foram mais de duas horas de conversa... Teve momentos em que meu Pai gesticulava e eu sabia que não era bom... Depois de um bom tempo, andando em torno da praça e prestando atenção em seus gestos, notei tranquilidade...
Depois de outra volta, ele me chamou, ainda falando ao celular... O papo estava descontraído, com boas risadas e então ele despediu-se mandando um forte abraço e aguardando ansioso pela visita... Uuaauuu... Eu sabia que tudo ficou bem.
Olhei para ele... Ele me olhou da mesma forma que me olhava quando eu ainda era uma criança... Era os mesmos traços, a mesma energia, a mesma postura daquele vencedor que sempre havia sido o meu herói.
Outra coisa que ele não admitia em homens, era a curiosidade... Eu tinha que dar o tempo que ele achava necessário e pronto, ou então, tomar uma lição de moral terrível... As vezes eu perguntava somente para provocar e acabava tendo que aguentar o sermão por inteiro... Affff.
Ele contou resumindo... Disse que eu pretendia ir com a família inteira por estes dias... A distância entre as cidades era de cinco horas, portanto, bastava avisar que estava indo... Só isso e nada mais... O restante iria acontecer naturalmente... Só era necessário não se meter na conversa entre Pai e Filha.
Nada mais justo... Eu realmente não interferiria, afinal, eram eles que estavam sendo corroídos pela insana dor da teimosia durante os anos de afastamento.
Dia vinte e nove de dezembro... Hora da partida... Hora do reencontro que Sandra ainda nem imaginava que iria acontecer.
Conviver com os meus Pais era bom demais... Ninguém queria ir embora... Meus velhotes mimavam e colocavam lenha para que eles me convencessem a ficar.
Eu tinha planos... Não iria começar o Ano deixando arestas a serem aparadas... Eu queria uma esposa liberta de pesadelos, livre das tristezas que remoía em suas noites solitárias.
Eu fantasiei que iria visitar uma família muito querida... Não falei muito para não aguçar a curiosidade... Não queria fugir de certos ensinamentos que aprendi com os meus Pais... Eu prezava a união familiar, amava aos meus Pais e sei da importância deles e imaginava o tamanho da saudade que teria, ao terminar sua missão nesta terra.
Abraços... Beijos... Agradecimentos... Despedida... Enfim, a estrada.
Eu não sabia se ela conhecia todos os acessos para a sua cidade... Conversas, musicas, brincadeiras, pastos maravilhosos abrilhantando a viagem, plantações que se perdiam de vista, serras e montanhas que ficavam para trás.
Como eu havia previsto, ela reconheceu a estrada e simplesmente disse...
- O que você está fazendo??? O que acha que está fazendo??? Não me diga que pensa fazer o que estou imaginando!!!
- Espere, vou parar o carro ali naquele posto de gasolina e então iremos conversar.
Nervosismo... Desespero... Indignação... Um misto de sensações que agora fluíam pelo ar e eu não estava gostando... A reação dela demonstrava que eu iria ter problema.
Parei o carro embaixo de uma arvore e pedi as crianças que buscassem sorvete...
-Sandra... Quando lhe disse que a queria, eu não menti em nem uma vírgula... Quando disse que queria compartilhar cada detalhe do meu viver contigo, é porque é assim que fui criado e é assim que deve ser.
- Não quero nada do passado... Não quero fantasmas ou traumas para ficar nos atormentando... Eu preciso resolver o problema da minha ex-mulher e vou resolvê-lo... Ela é a Mãe dos meus filhos, tem os seus direitos, só que isto não lhe dá o direito de trazer qualquer tipo de problema para nós e não trará!!! Eu prometo!!! Nem que para isso seja necessário mudar de estado, pois, ela nunca mais irá ofender a você.
- Eu tive uma educação primorosa... Amo e respeito aos meus Pais acima de qualquer coisa... Amo a minha família e imagino o quando deve ser doloroso para você, viver com esta dor que nunca termina.
- Eu quero e vou começar esta nova vida contigo, limpo de qualquer dissabor... Não quero povoar esta nova vida, nem descontar em você, coisas que eu não soube resolver. Eu quero estar em paz comigo mesmo, para que todos os que estejam ao meu lado, sintam o mesmo... Nossos filhos sofreram por erros nossos... Passaram por coisas que não tiveram culpa... Não é justo continuar a fazê-los pagar pelo que não devem.
- Eu sei de tudo o que lhe aconteceu... Imagino o sofrimento, a dor de carregar esta tristeza durante tanto tempo... Deixar o seu filho te ver sofrendo, sem nada poder fazer... Privá-lo do convívio com os Avós... Meu Deus, como deve ter sido doloroso... Quantas vezes no silencio do seu quarto, a dor te apunhalava com a saudade... O colo da Mãe... A braveza do Pai.
- Por mais que diga não, eu sei que os ama... Sei que não é justo querer uma vida nova, trazendo consigo, esta magoa que dilacera o seu coração... Não é justo para você... Não é justo para mim... Não é justo para os nossos filhos.
Cabeça baixa... Lagrimas pingando... Conflito interior... A briga interior... O que fazer??
-Eu conversei muito com o meu Pai... Depois conversei com o seu Pai... Depois foi a vez de Papai conversar com o seu... Sei que muitas coisas poderiam ter sido diferentes, mas não foram... Sei que alguém poderia ter cedido... Sei que poderia ter buscado soluções alternativas, coisa que não aconteceu e só resta lamentar.
- Por favor, Sandra, compreenda... Eu quero você limpa para mim... Vamos lutar juntos, acabar com tudo aquilo que deixamos pela metade e recomeçar.
- Me escute... Tente... Lute... Faça a sua parte... Tenha sua consciência tranquila... Por mim... Por nós... Pelos seus Pais... Pelo seu filho... Pelos nossos filhos... Por favor... Por favor!!!
As crianças chegaram com os sorvetes e eu pedi para entrarem... Peguei o meu e entreguei o dela e fiz sinal para que eles ficassem calados... Ela continuou calada... Os ombros agora estavam arqueados.
Liguei o carro e em quinze minutos percorri a distância que faltava... O Pai dela havia me explicado o caminho direitinho e foi fácil chegar ao local... Agora Sandra tremia e chorava de verdade... Meus filhos desceram do carro e Fernanda pulou para o banco da frente.
Uma Senhora ansiosa foi saindo da casa e chamando alto...
- Filhaaaa... Minha filha... Minha criança...
O desespero durante aqueles dez metros que a separavam do carro...
Sandra ao ouvir o grito da Mãe, saiu do carro e correu em direção a Ela gritando.
- Mãããããeee... Mãe amada... Minha Mãezinha... Me perdoa Mamãe.
- Mãeee... Minha Mãe... Oh Mãe... Ahhh Mãe... Que saudades...
Não teve quem conseguisse segurar as lagrimas.
Aquele abraço que expurgava a dor de anos de saudade... Aquele abraço que trazia para os braços maternos, a carne da sua carne... O pedaço mais precioso do seu ser.
Abraçava de um lado, virava, secava as lagrimas uma da outra e se apertavam de novo.
Aquele peito quente que tanta falta ela sentiu... Aquele cheiro de Mãe... Aquele calor que somente o amor de Mãe tem... Aquela que era a maior joia do seu viver.
Para aquela Mãe que tantas orações havia feito... Quantas horas aqueles joelhos foram dobrados em oração... Quantos milhões de vezes, a Deus clamou misericórdia, pedindo humildemente que lhe trouxesse a sua menina de volta... O quanto desejou do fundo da alma, este momento...
Fernanda havia saído do carro e acabou por abraça-las e compartilhou daquela alegria, misturada ao amor e a dor.
Escuto alguém tossir e vejo o Coronel encostado no batente da porta apreciando aquela cena emocionante... Aquele abraço não terminava... Quando se afastavam um pouco, como um imã, voltavam a se apertar gostoso, afinal, abraço de Mãe é a melhor coisa do mundo... Tudo o que vem da Mãe, é o mais gostoso e não tem comparação.
Sandra percebeu a presença do Pai... Agora era a hora... O medo era nítido em sua face... Notei como segurava a mão da Mãe... Ela apertava com força, apelando, pedindo, sugando aquela energia e confiança que a Mãe lhe transmitia... Agora não tinha volta...
Coronel... Feições rudes... Postura de comando... Homem que não estava acostumado a ser contrariado... Mesmo com certa idade, mostrava um corpo acostumado a labuta...
Ele caminhou alguns passos e parou na metade do corredor... Ele queria que ela viesse a ele... A gente sabe o que um Pai quer.
Ela respirou fundo, um breve olhar em minha direção, massss... Ela sabia que teria que enfrentar sozinha... Baixou a cabeça e começou a caminhar até parar defronte a ele.
Mesmo a distancia, eu conseguia ouvir claramente o choro... Ela a um palmo de distância, tentando levantar a cabeça, sem sucesso... Ele empertigado, firme, esperando.
O choro começou a diminuir... Espasmos e tremedeira demonstrando toda a emoção.
Enfim, levantou o olhar e ficaram se mirando... Olhos nos olhos... Ele firme com os braços abaixados, quase em posição de formação.
De repente ela pula em seu pescoço gritando...
- Pai... Pai amado... Perdão meu Pai... Como me arrependo de não ter lhe escutado... Pai... Pai... Pai... Como o Senhor me fez falta, meu Pai querido...
Entre cada palavra, o choro e engasgadas... O abraço fundia os corpos.
Este Coronel era um verdadeiro comandante... Pulso forte... Pura determinação... Pulso de ferro...Masss... O seu coração não era de ferro... O seu coração era de um Pai, não o de um Coronel... O Coronel foi posto de lado e o Pai acordou para aquela verdade.
- Ohhh minha filha... Filha... Filha... E o choro não o deixou falar mais nada.
Sandra agora grita...
- Paiiiii como eu te amo meu Pai amado... Quanta saudade... Me perdoe Pai... Fala que me perdoa Pai querido.
Ninguém se movia do lugar... Ninguém falava nada... Fernanda e Paulo estavam abraçados a Mãe de Sandra que não parava de chorar.
Que abraço espetacular... A energia era contagiante... Era como se o amor pudesse ser tocado... Pensei enxergar uma nuvem de luz envolta daqueles corpos colados... Senti a mais estranha sensação de alegria e bem estar, ao ver tamanha demonstração de amor.
O Coronel levantou um pouco a cabeça e esticou a mão em direção a Mãe... Era um chamado... Ela sabia e veio... Os três em uma só união...
A dor que por tanto tempo se fez presente, dava o seu lugar, ao verdadeiro amor... Ao amor que nunca deveria ter dado este espaço para a dor... Erros... Escolhas erradas.
Algo aconteceu... Mudou todo o panorama da situação... Comecei a escutar uma risada... Sim... Isso... Era uma risada mesmo... Sandra ria... Um riso nervoso, porém, um riso.
Foi pura magia... Os três juntinhos se olhando... Sandra agora era coroada com um brilho de luz... Olhava para os Pais e ria... Contagiou... Os Pais começaram a rir moderadamente e foi aumentando... Aumentando... Aumentando até se transformar em gargalhadas.
Risos, gargalhadas, choros, abraços e risos novamente... Não dá para descrever a cena... Eu estava perdido, embevecido naquela magia que se apresentava diante dos meus olhos... Sabe-se lá o tamanho da dor que cada um transportava dentro de si.
A dor se foi... A atitude de Sandra havia sido nobre... Ela sabia que o erro do Pai, foi querer protege-la... Ele pode ter errado no procedimento, mas, no desespero de ver uma filha se perdendo, falhas de avaliação podem acontecer... Não sei se ele errou... Isto não vem ao caso... Aquilo tudo, fazia parte do passado, não era necessário matar o presente.
Mais calmos, chamaram todos para entrar, afinal, muitos vizinhos haviam parado para assistir aquela cena triste por um lado e de uma felicidade monstruosa por outro.
Ele sabia o porquê da minha atitude... Ele sabia o que Sandra significava para mim... Ele sabia que agora, sua filha estaria ao lado de um homem de verdade.
Antes, Paulo merecia ser apertado, abraçado, acarinhado e ser apresentado... Ela havia fugido enquanto estava gravida... Não viram aquele lindo jovem crescer... Todos perderam com os seus erros... Mas isto era passado... O neto estava ali... Os Avós ali estavam... Isso era o que realmente importava.
Todo mundo na sala... Sandra abraçada ao Pai... Não conseguira largar dele... O Coronel murmurou algo no ouvido da filha, ela me olhou e confirmou ao Pai com a cabeça.
O Coronel que havia falado grosso comigo... Tivemos uns momentos tensos ao telefone... Agora era a minha vez... Frente a frente... Olho a olho... E ele veio.
Postura firme e me olhando, porém, naquela feição rude, lampejava ternura em seu olhar... Parou a um palmo de mim... Era mais alto do que eu e mais forte... Imagino como tremiam os soldados a seu comando.
Eu, parado e quieto fiquei... Ele segurou meu rosto com as duas mãos espalmadas.
- Você é o anjo enviado por Deus para trazer minha filha de volta... Você não é somente um homem... Você é uma benção de Deus em nosso viver.
Seus olhos estavam rasos de lagrima... Ainda segurando minha face, beijou minha testa e falou...
- Deus há de lhe dar em dobro, a felicidade que você nos deu com a sua correta atitude...
Duas lagrimas desciam por aquele rosto sereno, quando novamente beijou minha testa e falou...
- Deus te abençoe meu filho... Seja bem vindo!!!
Eu estava muito emocionado... As lagrimas deixavam um gosto salgado em minha boca... Eu não estava preocupado e as deixava rolar tranquilas.
Segurei as mãos daquele homem... Segurei-lhe as duas mãos, curvei o dorso e beijei uma e depois a outra... Levantei e olhei firme em seus olhos e falei.
- A sua benção meu Pai...
Recebi o mais eletrizante e emocionante abraço, do qual nunca me esquecerei... Fortíssimo, da mesma forma como o abracei... Dois homens de verdade chorando... As lagrimas encharcando nossas camisas... Elas diziam tudo o que gostaríamos de dizer.
Eu sei que os Pais de Sandra, gostariam de começar a colocar todos os assuntos em dia e falar milhões de coisas que não foram ditas, entretanto, uma multidão começou a invadir a casa.
Primos, Tio, Irmã, amigas, sobrinhos, amigos e a casa começou a ficar pequena.
Sandra saiu e começaram a gritar o nome dela... Era tanta gente apertando, beijando, abraçando e rindo.
Ela havia deixado a sua marca... Havia angariado o carinho de um número fantástico de pessoas que agora vinham lhe dar as boas vindas... A vibração era geral e a Mãe a olhava com as mãos no peito, talvez ainda sentindo o coração da filha ao encontrar o seu, naquele abraço maravilhoso que eu havia visto logo que chegamos.
Tempo para o almoço, deixando um sobrinho na porta... O Coronel queria paz e a hora do almoço era sagrada naquela casa... Mal terminamos de almoçar e mais um monte de visitas vieram chegando... Assim foi até o sol se por.
Ficamos até o dia cinco de janeiro... A passagem de ano me fez engordar uns cinco quilos... Mataram uma vaca, leitões, galinhas e a fartura de doces caseiros acabava por nos empachar por completo... Simplesmente inesquecível...
Sandra grudava em Fernanda e saiam para bater perna e visitar mais uma tonelada de amigas... Estava divertidíssimo... Éramos tratados com tanto carinho, com tanta atenção, sendo impossível não se apaixonar por todos.
Minha futura sogra e sogro, eu já os chamava de Pai e Mãe... Foi natural... Tratavam ao neto natural e aos meus filhos com igualdade, apresentando-os com orgulho a todos... Jovens maravilhosos... Estavam se deliciando em chama-los de Vô e Vó, mas, paparicavam a Avó para que fizesse pudins e biscoitos... Ela satisfeitíssima corria para a cozinha, feliz da vida com a vida que voltava a enfeitar aquele lar... O cheiro no ar era de Amor Sorridente.
Meu novo Pai mostrou-se um companheirão... Pescar foi a primeira atividade, depois andar a cavalo, visitar o antigo quartel onde trabalhou até se aposentar... O respeito e o carinho com que o receberam, chegou a me surpreender... Havia estima naqueles cumprimentos cordiais.
Ao voltarmos do quartel, passamos pela Igreja Matriz e fiz questão de visitá-la... O Coronel voltou me contando fatos pitorescos daquela cidade e daquela Igreja.
Hora de voltarmos... As férias coletivas terminariam dia sete... Queria chegar dois dias antes, para ajeitarmos a nossa casa... Combinamos que passaríamos a morar juntos até sair o divórcio, só que, eu queria vê-la entrando de vestido de noiva na Igreja... Eu sei que é o sonho de quase todas as mulheres... Ela nunca se casara.
Desde o Natal, a passagem de Ano e o nosso retorno eu fico sopesando todos os fatos... Fico analisando os prós e os contras... Meus erros e acertos... O resumo da minha vida.
A casa agora era uma verdadeira zona de guerra... As crianças pareciam crianças e não jovens de vinte anos... Guerras de travesseiros, gritaria no videogame, correria na hora de jantar, tudo se transformava em motivo de sarro e zueira.
Era diferente... Uma mudança radical... Agora eu tinha quem cuidasse de mim... Eu tinha alguém para conversar a todo instante... Também tinha três crianças que eu dava bronca a todo instante, mas eles nem ligavam.
Eu tinha que rever uma série de valores e também procurar administrar melhor o meu tempo, além de pensar no futuro destes bagunceiros... Eu tinha que separar um espaço para esta mulher que agora fazia parte do meu viver... Havia alguns problemas a serem resolvidos e projetos a serem executados.
Comecei pelo advogado... Não queria que Maria Fernanda viesse a trazer problemas desnecessários e muito menos deixar Sandra em uma posição delicada... Não queria ver novamente as crianças chorando desesperadas sem nada poder fazer... Entrei com um processo desagradável, mas era o melhor a ser feito.
Os dias iam transcorrendo mil vezes melhor do eu sequer imaginasse... Sandra era uma excelente dona de casa, Mãe e organizadora... Ficava correndo atrás das crianças o tempo todo e eles faziam dela, gato e sapato... Pegavam no colo e levavam para fora de casa... Prendiam-na dentro do guarda roupa ou na dispensa e eu tinha que ir socorrê-la... Era hilário... Eu achava que ela iria ficar louca, porém, ela provocava situações das mais divertidas... Era difícil saber quem era mais criança... Era delicioso.
Três anos haviam se passado... As crianças trabalhavam e estudavam... Eu havia recebido uma promoção... Sandra tinha emagrecido quinze quilos, estava mais jovem, mais atraente e sensual... Tudo transcorria na normalidade... Estávamos progredindo a olhos vistos.
Sandra apareceu com uma proposta de compra de um imóvel lindo... Uma casa grande, com uma parte em construção na parte de cima em um terreno bem localizado... O dono estava deixando o país e por isso o preço estava bastante razoável.
Fizemos todos os cálculos, porém, o empréstimo faria com que arcássemos com uma prestação longa e os juros não estavam nos meus planos, foi quando Fernando veio com uma ideia simples e resolutiva...
- Pai... Vendendo os nossos três carros, iremos ter em mãos, cerca de sessenta e cinco mil reais, pois bem, pra gente, um fusca dá para ir para a faculdade e darmos o nosso role, então... O Senhor e Mami compram um carro simples para os dois, não precisa de um para cada um... Outro dinheiro que poderia ser utilizado seria o da poupança que o Senhor fez para nós... Se precisarmos, pediremos aquele empréstimo do governo para pagarmos a faculdade depois de formados... Resultado, o Senhor paga a casa a vista e pronto.
Que visão... Um jovem com visão futurista... Compramos a casa e colocamos dois fuscas na garagem... Dormimos tranquilos, sem dívidas em pura harmonia.
O divórcio saiu e de comum acordo, ajudamos Maria Fernanda abrir um pequeno comércio no Rio Grande do Sul, perto dos parentes dela e longe de nós.
Fim de ano chegando... Reuni as crianças e falei sobre o meu plano em relação à Sandra... Falei do casamento... Paulo ouvia a tudo fascinado, emocionado, chorando.
Todos me apoiaram... Fernanda era a que estava mais empolgada e poderia estragar tudo... Ela já queria sair correndo e contar para Sandra... Foi difícil fazer com que ela segurasse a ansiedade.
Telefonei para o meu Pai e para o meu Sogro... No começo de novembro, viajei sozinho, pegando o meu Pai e o levando até a casa do meu Sogro...
Que recepção... Que alegria... Coronel e meu Pai pareciam velhos amigos... Foi emocionante... Eu fiquei pasmo ante tanta sintonia... Então falei exatamente o que eu havia planejado para Sandra.
- Quero me casar na Igreja Central daqui... Naquela Igrejona linda que o Senhor me mostrou... Quero no casamento, aquela turma toda que veio cumprimenta-la... Tenho certeza que isto faria com que ela lavasse a alma... Sei que seria o presente da dignidade que ela gostaria de oferecer ao Senhor... Acho que devemos isto ao Senhor... Devo-lhe isto, por ter criado e educado uma mulher guerreira, de fibra e de um coração de ouro...
Três homens maduros, chorando como crianças... O Coronel teria a oportunidade de resgatar o nome da família, a honra da família que havia sido maculada... Meu Pai chorava pelo orgulho em ver o filho que ele havia criado... Eu chorava por que a felicidade havia entrado em nossos lares... As bênçãos de Deus... As vitórias por sermos honestos, honrados, trabalhadores, respeitadores e tementes a Deus.
Eu falei sobre a minha realidade... O orçamento estava curto, pois, havíamos comprado a casa, as crianças estavam na faculdade, mesmo assim, poderíamos fazer algo um pouco mais simples, mas não deixaria de fazer, mesmo que não houvesse festa.
Meu Pai e o Coronel se olharam e riram... Eu senti que eles iriam aprontar alguma coisa boa, mas, meu Pai detestava muitas perguntas.
No dia seguinte estava voltando.
Tinha sido uma viagem rápida com a desculpa de resolver algumas coisinhas simples para o meu Pai... Sandra nem desconfiou, até que...
Duas semanas depois da minha viagem, recebemos a visita dos meus Sogros e meus Pais... As crianças ficaram loucas de alegria... Pegaram minha Sogra e minha Mãe e foram para o supermercado... Sabiam que iriam comer bem de verdade e não iriam perder a oportunidade... Eu pensei brigar com eles, mas recebi um puxão de orelhas da minha Mãe, foi aí que eles se racharam de rir e ficaram tirando sarro de mim o fim de semana todinho... Qualquer coisa que eu falava, eles chamavam a Avó para me puxar as orelhas...
Domingo à noite, os adultos estavam sentados à mesa e eu chamei as crianças que jantavam na sala... Chegou a hora... Todos em volta da mesa... Silêncio.
Fiquei enrolando e descontraindo o ambiente... Dei a volta na mesa eeeee...
Entreguei para Sandra, uma caixa de sapato embrulhada para presente... Ela falou.
- O que é isto ??? Não é o meu aniversário!!! O que é??? Falaaaa!!!
Todos quietos aguardando... Sandra olhou para todos com a cara de surpresa.
Foi desembrulhando e foi saindo caixa dentro de caixa... Caixa dentro de caixa eeee...
Chegou a última... Um estojo de joia... Dentro, um lindo anel de brilhante.
Pasmada... Boquiaberta... Emocionada... Olhos rasos d’agua...Não sabia o que fazer.
- Sandra, eu vou te confessar uma coisa que, não sei se vai gostar de ouvir.
- Quando você veio morar comigo, eu tinha muitas dúvidas sobre o nosso relacionamento... Por vezes, achei que não iria dar certo... Meus sentimentos em relação a você eram pequenos... O tempo foi passando... Fui conhecendo a Mulher, a companheira, a Mãe... Morando juntos, passei a conhecer de verdade quem era a Sandra.
- Confesso de coração que, eu não te amava... Eu me sentia bem em sua companhia, gostava de estar ao seu lado e adorava o seu senso de humor.
- Fui conhecendo a Sandra e o Paulo... Passo a passo você foi ganhando tudo de mim... Ganhou a admiração, ganhou a confiança, até ganhar o meu amor.
- Você trouxe para nós, milhões de motivos para sorrir... Você e Paulo vieram a completar a metade que faltava em mim e nos meus filhos e lhe agradeço muito.
- Hoje eu sou apaixonado por você... Apaixonado demais... Hoje você é o meu paraíso de amor... Hoje eu posso dizer sem um resquício de dúvida que; Te Amo.
- Eu queria que fosse minha esposa... Quero vê-la entrando na igreja, vestida de noiva e ter a alegria de ver o Coronel entregar a mim, a mão da mulher, que fez da minha vida, um mar de felicidade... Quero me casar com você... Você aceita???
Tive que esperar uns dez minutos até que a resposta viesse.
Primeiro veio àquela catarata de lagrimas... Um choro convulsivo, onde as mulheres se abraçavam e faziam coro... Quatro mulheres abraçadas e chorando demais e acabou contagiando aos homens também... Emoção, realização, felicidade.
De repente ela corre e se atira em meus braços e começa a me beijar sem parar.
Choramos e rimos juntos... Eu beijava as lagrimas dela e ela as minhas.
Assobios... Palmas... Risadas... E todos se abraçando.
Agora estou no altar... Pensando em tudo o que aconteceu desde o Natal em que ela havia me acompanhado a casa dos meus Pais... Meu corpo inteiro treme.
A Igreja lotada de flores... Não tem lugares vazio e ainda muitas pessoas na lateral e algumas quase do lado de fora... Padrinhos e Madrinhas dando os últimos retoques nas vestimentas... Não consigo parar de tremer... A marcha nupcial começa a tocar.
Lá na porta surge a minha exuberante noiva, de mãos dadas a um Coronel fardado, com as medalhas brilhantes.
Você aceita esta mulher ??? Na alegria e na tristeza !!!
Trinta anos se passaram, desde o dia do nosso casamento... Agora a pouco ela me trouxe suco de laranja aqui na varanda... Estou balançando na rede olhando para os meus netos que brincam na piscina de plástico... O cheiro do churrasco está abrindo o apetite.
Meus Pais e meus Sogros já não se encontram entre a gente... Quando eles já estavam meio debilitados, os trouxemos para morar conosco, até que a vida os deixou... Fizemos a nossa parte... Eles se foram felizes, bem amparados e bem cuidados... Eles sabiam que haviam cumprido com as suas missões.
Sandra senta-se na rede comigo... A casa está lotada.
As nossas crianças... Não consigo vê-los de forma diferente... São crianças.
Todos casados... Ganhamos duas filhas e um filho... Ganhamos também quatro netos por enquanto...
A musica alta, as crianças bagunçando como sempre... As crianças kkkkkk... As crianças já estão com quarenta e poucos anos... Serão eternas crianças para nós.
Olho para esta mulher de cabelos grisalhos que segura em minha mão... Ela me olha com um sorriso matreiro, bem humorado como sempre foi e acabo sorrindo.
- É meu velho!!! Quem diria que eu já aguento você a tantos anos né ???
- Kkkkkk... É minha velha... E se depender de mim, vai ter que aguentar mais um bocado de tempo.
Coloco a mão no ombro dela e ficamos olhando os netos jogando agua para todo lado Fenando cuidando da churrasqueira e Paulo correndo atrás da Fernanda.
Parece que foi ontem que tudo começou... E lá se vai trinta anos de pura felicidade...
Adoraria o seu comentário ou a sua nota de 1 a 10... Coloque somente de um a dez... Seja qual for o resultado, aceitarei de bom grado, pois a sua opinião, é muito importante para mim... Grato, abraços...CMRS.