A DECEPÇÃO (G-Relíquias de uma vida)
RELÍQUIAS DE UMA VIDA - CAP VII
A DECEPÇÃO
O Tom ao despedir da Mel, saiu a passos apressados pois já estava quase na hora do ônibus, embora o que ele queria mesmo era abrir o envelope e ver o que ela tinha escrito, mas deixou para o fazer quando estivesse no ônibus.
O mesmo não tardou a chegar e assim que se acomodou, foi logo pegando o envelope e suas mãos meio trêmulas de emoção, de ansiedade, mal dava conta de abri-lo com rapidez.
Seus olhos parecia querer devorar os escritos...a cada palavra seu coração ia acelerando...a doçura, o carinho daqueles escritos iam inebriando a sua alma. Ele podia sentir a alma da Mel quando do momento em que ela escreveu. A cada frase, ele acreditava mais que no coração dela também existia o mesmo sentimento que ele carregava consigo. Era tudo que ele precisava ouvir – embora estivesse lendo, mas era como se ele a ouvisse dizer àquilo tudo pra ele – parecia que estava sonhando...quanta pureza, quanto carinho naquelas palavras...o seu coração batia em descompasso, parecia não caber o no peito, quase saindo pela boca...sua alma não cabia de tanto contentamento.
Voltou a reler, agora menos ansioso e degustando cada palavra, cada frase...
“...fiquei muito feliz em saber que fizestes parte do meu mundinho por uma noite...”
Ela estava se referia ao fato de ele ter dormido no quartinho dela. A ternura e o carinho das palavras dela lhe acalentava a alma.
“...você é muito especial para mim, é meu vaso de cristal, àquele que a gente precisa cuidar com muito carinho para não quebrar porque representa muito para gente...”
Esse texto expressava tudo de mais puro entre os dois, retratava o que ele sentia também.
“...eu queria ter ficado para sua formatura mas não iria me contentar em estar presente e não poder lhe dar um abraço...”
Ficou assim relendo por várias vezes àquela carta, tão carinhosamente escrita e a letra dela era linda, tão bem desenhada.
Agora a dor da separação estava doendo muito mais, pois sabia que ela também nutria sentimentos de amor para com ele.
Ficou tão compenetrado na carta que nem percebeu que havia chegado ao seu destino. Pegou sua bagagem e desceu a rua à pé em direção a casa do seu amigo Fred, estava muito feliz, àquela carta expressava que ela sentia algo por ele também.
E aí amigo, como foi lá? – Foi logo perguntando o Fred, quando ele chegou.
- Nada otimista, não era o que eu esperava – Respondeu ele.
- Passou na dona Iolanda?
- Passei.
- Encontrou com a Mel?
- Sim.
- Como foi?
- Como assim?
- Ué, deixa de ser bobo, todo mundo sabe que entre vocês dois existe alguma coisa mais do que uma simples amizade.
- Não existe nada, é só amizade. Foi um encontro de alegria, a Mel é muito especial pra mim, não posso negar que sinto muita falta dela.
- Vocês dois, sei não...
- É só amizade mesmo.
Ficaram a conversar, o Tom relatando os por menores da sua viagem, da frustração, imaginou que fosse encontrar a terra prometida no entanto, foi só desilusão.
E o escritório, apareceu algum projeto? – Perguntou Tom.
Nada, nenhuma viva alma apareceu, nem mesmo por curiosidade – respondeu Fred – e continuou, como foi com a Mel?
Você não quer que eu acredito nessa história que não aconteceu nada, né?
E não aconteceu mesmo – respondeu. Foi um encontro de alegria sim, mas nada além disso. Na hora da despedida ela me entregou um carta.
- É?
- Sim. Na verdade foi em resposta a que eu escrevi de despedida, e a entreguei quando ela entrou no ônibus em julho indo para sua casa de férias, antes da nossa formatura. Veja, e entregou a carta pro Fred ler.
O Fred era o seu grande amigo, aliás, os dois sempre foram grandes amigos desde o primeiro dia de aula. Sentavam sempre ao lado do outro na primeira fileira, estudavam juntos, tinham muita união. Os familiares do Fred consideravam o Tom como membro da família. Apesar disso tudo, o Tom era muito reservado com os seus sentimentos, nem mesmo pro Fred ela havia confessado alguma coisa, mas naquele momento, ele estava tão contente e feliz que resolveu dividir com o amigo, mostrando-lhe a carta.
Humm, sei não...- Disse o Fred ao término de ler a carta. Acho que esta história de vocês não termina aqui não.
Até então o Tom não havia comentado com o Fred sobre a carta de despedida que ele escreveu para a Mel.
O Fred apesar de presenciar a maneira carinhosa como o Tom cuidava da Mel e ela retribuindo dentro dos seus limites, nunca fez comentário algum, sempre respeitou muito os dois.
Passaram um bom tempo conversando. O Tom não escondia o seu contentamento com a carta assim como, não tinha como esconder o seu sentimento de amor por ela, embora jamais confessasse isso a alguém.
Falar da Mel ou referenciar a ela em algum assunto, era motivo para seus olhos adquirir um brilho todo especial e era assim que eles estava naquele momento, cheios de fulgor.
Àquele foi um dia especial, cheio de emoções, que fazia sua alma recordar à todo instante dos momentos vividos e também, sentir a saudade que parecia doer muito mais.
A tarde caia lentamente, sentia-se um pouco cansado e assim, levantou e foi tomar banho. Ao tirar a camisa notou uma mancha cinza, perto do colarinho. A camisa era de cor bege e a mancha estava ali, bem evidenciada na cor cinza-escura. Que mancha seria àquela? - pensou ele.
De repente lhe veio a lembrança do abraço da Mel, ela estava com uma bucha de bombril nas mãos...Humm, foi na hora do abraço então – pensou ele – nossa, ela deixou uma marca na minha camisa...
E assim, ficou ali a tocar, encostar o local no rosto, como se quisesse sentir o abraço mais uma vez...
Tomou o cuidado de guardar a camisa daquele jeito, não iria lavá-la para não tirar aquela lembrança e assim o fez, guardou a camisa e não mais a usou para não perder a marca.
Sempre que a saudade apertava ele pegava a camisa e ficava tocando o local da marca, àquilo lhe dava um alento, é como se ali estivesse um pedaço dela.
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A visita do Tom deixou a Mel muito feliz. Foi uma surpresa muito grande, a saudade já era enorme e ela não tinha noção de quando poderia reencontrá-lo ou se iriam se reencontrar algum dia, tanto assim que a sua reação quando ouviu a voz dele foi uma reação natural de quem está cheia de saudade e nem imagina quando vai encontrar o outro novamente e de repente esse alguém aparece...
Estava lavando os talheres na área contígua à cozinha, distraída com seus pensamentos que se faziam distantes dali...sim, mergulhados em saudosas lembranças de um passado não muito distante, quando ainda estava por ali o seu amigo. Era muito confortador quando ele estava ali nos fundos e agora não mais. E assim, naqueles poucos instantes enquanto lavava as vasilhas do almoço, pelos seus pensamentos ia passando um filme...um filme de doces lembranças que lhe enchia a alma de nostalgia, de saudade...Por onde andaria ele agora...? Não teve mais notícias, será que já pegou as coisas no Professor?Não, acho que não, a dona Iolanda teria me dito, pois ele com certeza apareceria por aqui. Era assim, todo vez que ficava na área lavando
roupas ou como agora, os talheres, seus pensamentos criavam asas...e iam em busca dele...ainda mais porque naquele corredor lateral era o caminho que ele sempre fazia para ir para o seu apartamentinho.
Estava tão absorta em seus pensamentos que nem percebeu a aproximação do seu amigo. Quando ela ouviu àquela voz que tanto conhecia, o êxtase de alegria explodiu no seu peito, seu coração disparou numa fração de milésimo de segundo, parecia que iria sair pela boca e sua reação foi espontânea... de virar e pular no pescoço dele, sem se importar se as mãos estavam molhadas ou não. Talvez tenha sido um dos mais sublimes momentos de alegria vivido por ela até então.
Jamais houvera sentido algo que a fizesse tão alegre e tão feliz, mexendo com a sua alma, como naquele instante ao ouvir a voz dele. A sua reação foi espontânea, não deu para segurar o ímpeto de pular no pescoço dele, coisa que a deixou surpresa consigo mesma.
Depois que o Tom se despediu, ela ficou apensando naquilo tudo...ela era assim, muito rigorosa com os seus princípios, com os valores impostos pelos dogmas da vida, às vezes se aproximava, deixando se levar pela emoção, porém logo reagia e a razão a fazia bater em retirada.
Achou que se abriu muito para ele, se deixou confessar... mas o que ta feito, ta feito – pensou ela - não era mulher de ficar se lamentando e assim, procurou desviar o rumo dos seus pensamentos, o Tom era passado e iria seguir seu caminho.
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Os dias foram se passando e no escritório deles nada de projetos. O Tom estava agoniado com aquela situação, estava morando de favor na casa do amigo e não via perspectiva alguma de melhora.
Certo dia recebeu um telefonema de um amigo da sua cidade, informando que havia surgido uma vaga de engenheiro. Ele então ficou numa encruzilhada: agora seria ir embora de vez e assim ficar longe dela pra sempre. Sabia que voltando para sua cidade, dificilmente iria encontrar com ela novamente. Mas diante do quadro, não havia alternativa que não fosse arriscar e assim, tomou a decisão de tentar a sorte nesse emprego.
Então, agora era hora de fazer a mudança de vez. Voltaria a Paraíso para pegar o resto das suas coisas.
O Fred muito cordialmente junto com sua namorada, foi levá-lo de carro até Paraíso, já que o ônibus que fazia a linha demorava muito.
Chegando lá, foram direto para casa da dona Iolanda, era também a primeira vez que o Fred retornava desde que se formaram. Na verdade, estavam revivendo um passado: entrar por àquele portãozinho e seguirem juntos pelo corredor, como nos velhos tempos.
A dona Iolanda veio logo abrir a porta. Foi àquela alegria, a Mel estava em casa também.
O Tom colocou a sua bolsa no chão próximo a uma das paredes da sala. A Mel, num gesto carinhoso e de cuidados, pegou a bolsa e a guardou em seu quartinho, fato esse que não passou despercebido aos olhos da namorada do Fred.
Conversaram por um longo tempo, colocando as novidades em dia. Os dois amigos foram até a antiga morada que ficava nos fundos, para matar a saudade, agora romperia os vínculos em definitivo com aquele lugar.
O Tom teria muito que fazer, pegar suas coisas que estavam no porão da casa do Professor, embalar direitinho pois pretendia no outro dia logo cedo pegar o ônibus e o Fred precisava retornar e entregar o carro para o seu pai - um fusca de cor bege - que o havia emprestado. Naquela noite o Tom iria pernoitar na república dos amigos seus, onde por tantas vezes eles frequentaram dividindo as refeições.
A casa do Professor ficava ao lado da casa da dona Iolanda, fato esse que o Tom não precisou perder tempo para logo começar a arrumar as coisas. Enquanto embalava , sentia em seu coração a dor da separação...àquela seria a última noite que iria vê-la, seria o último encontro, seria o adeus...
Vou convidá-la para ir à missa como nos velhos tempos e assim, ter a sua companhia por alguns instantes mais – pensou ele.
Quando terminou de arrumar tudo já era quase noite. Foi para república tomar banho e se arrumar para encontrar com ela. A república estava vazia, todos tinham ido para suas cidades e ele iria dormir ali sozinho.
Então se arrumou todo, aliás, não tinha muito o que arrumar, sempre se vestia com muita simplicidade, mas fez o que podia de melhor. Organizou seu tempo para que pudesse chegar um pouco antes das 19 horas, hora da missa.
A passos frágeis subiu a rua, vencendo as últimas quadras, sentia suas pernas trêmulas, o coração acelerado, estava emocionado, àquele seria o último encontro, o adeus...talvez não se veriam nunca mais...sentia um nó na garganta...a idéia de nunca mais vê-la o deixava desesperado...Iria então aproveitar os últimos instantes na companhia dela, e guardar tudo com o maior carinho no seu coração. Na sua cabeça os pensamentos ficavam se ensaiando o que iria dizer para ela, pois era tanta coisa a ser dita... À medida que ia se aproximando do portãozinho, seu coração acelerava mais...Falta pouco metros, deu uma paradinha, uma pontinha de medo se fez presente, estava completamente emocionado. Respirou fundo, se encheu de coragem e rompeu.
Chegou em frente ao portãozinho, a ansiedade havia tomado conta de vez. Como será que ela estaria vestida, será que estaria produzida como daquela vez no pensionato, quando o namorado dela chegou – pensou ele – e assim, todo eufórico apertou a campanhinha – já havia entregado a chave do portãozinho para dona Iolanda.
A Mel surgiu no final do corredor trazendo algumas coisas nas mãos. Pela distância, não dava para saber o que era, pois estava meio escuro. Ela não parecia estar arrumada, fato esse, que ele achou aquilo muito esquisito.
Então, ela abriu o cadeado do portãozinho...
- Sei que você quer ir a missa comigo, mas não estou afim – foi logo dizendo de maneira seca e decisiva.
Aqui estão o seu radinho e o seu despertador – continuou - e pelo portãozinho entreaberto lhe entregou os objetos.
De maneira prática e fria, lhe estendeu a mão e disse: tchau! boa viagem!. Nada de abraço de despedida, nada de algo mais caloroso e mais terno. Ato contínuo, trancou o portãozinho e voltou pra dentro.
Tom ficou atônico com àquela atitude, ficou ali parado incrédulo, vendo ela se afastar sem ao menos olhar para trás...Ficou sem ação, sem chão...
Não, não podia ser verdade...estava boquiaberto... como ela pode ser tão fria com ele, como ela pôde tratá-lo assim, se àquela seria a última vez que se encontrariam...Que decepção...Tantos planos pra nada...
No seu peito uma dor parecia sangrá-lo...como uma faca rompendo os tecidos em direção ao seu coração...
Estava pasmo, decepcionado, arrasado...não era possível que àquilo era verdade, não era possível...
Ele só queria ir com ela à missa, pela última vez...só mais uma vez...um nó se fez na sua garganta, as lágrimas tomaram conta da sua face...ainda ficou ali parado, sem saber direito a onde ir, olhando com imensa tristeza para o corredor, onde ele viu o vulto dela sumir...Talvez na esperança de que ela pudesse se arrepender e voltar...Mas não, ela não voltou...
Sem poder conter suas lágrimas, deixou que elas banhassem seu rosto e pôs em retirada carregando àquela que seria a maior dor da sua vida...
Perambulou um pouco pelas ruas, estava completamente sem rumo. Uma pergunta não queria calar: porquê ela fez aquilo, porquê?? se poucos dias antes ela havia escrito uma carta dizendo àquelas coisas pra ele...e agora lhe tratando desse jeito...não, não combinava com as coisas lindas que ela lhe disse na carta.
A tristeza tomou conta do seu ser, tudo em volta lhe perdeu a graça...no seu coração uma dor que parecia sangrar, na sua alma uma tristeza imensa...seu peito ardia, sua boca amargava...estava doendo demais...demais...
Meu Deus, eu não vou aguentar...- balbuciou ele. Não encontrava lugar, a vontade que tinha era de cavar um buraco entrar dentro e esquecer tudo aquilo...
Ficou assim perambulando até chegar na praça. Viu que a igreja ainda estava aberta, dirigiu-se para lá. Iria ser a última vez que iria entrar naquela igreja que tanto tinha recordações para ele carregar e também porque se sentia muito bem quando ia ali.
Sentou no último banco, a missa já estava no finalzinho. A sua dor era imensa, e ele apenas orou: meu Deus, me dê forças para suportar esta dor...E antes que as pessoas pudessem sair e notar os seus olhos jorrando lágrimas, se retirou.