As Definições de Amor segundo Guto Nery
Sentado na sua cadeira de balanço verde, o velhinho Guto Nery relaxava depois de almoçar. Pôs um boné vermelho no rosto, para esconder a luz, e começava a se balançar. Guto Nery era calvo e tinha na careca várias manchinhas pretas, cabelos apenas nas laterais da cabeça. Eles eram grisalhos e mais brancos quando próximos às esticadas orelhas. Usava um óculos de forte grau e tinha uma barriga redonda, mas não grande. Sua esposa Odete havia partido para uma melhor há dois anos, e Guto Nery ainda sofria com aquela dor de não ter a companheira ao seu lado assistindo aos programas de jogos nas tardes de domingo. Mas ficava muito emocionado quando se lembrava da esposa querida.
Era um domingo nublado, com sol escondido e nuvens duvidosas, o filho de Guto Nery iria trazer sua neta Marina para passar uma tarde com o avô. Marina era morena, cabelos pretos, com algumas mechas loiras, olhos também pretos, mas redondinhos e ainda com toques de menina inocente. Seu corpo estava se desenvolvendo há toda velocidade, mas ainda era pequena e indefesa. Tinha quatorze anos e não encontrava mais diversão na casa dos avós. O pai de Marina chamava-se Marco Antonio e sempre deixava sua filha na casa do pai para acabar com a solidão do antigo casal. Nesse dia, Marco Antonio deixou sua filha na casa do pai e foi tomar uma cerveja num dos bares do bairro. Marina cumprimentou seu avô, que estava cochilando no sofá ouvindo debates esportivos no rádio.
- Oi vô. – Marina falou e partiu rapidamente para a cozinha.
- Oi minha filha. – Respondeu Guto Nery bastante alegre em ouvir a voz daquela menina.
Guto Nery resolveu se levantar, pois suas costas já doíam. Ofereceu alguma coisa para sua neta, no entanto Marina se fartava de chocolate. De costas, a jovem apenas mostrava os lisos cabelos. Guto Nery se aproximou da neta e ouviu um som de choro, que era da menina. O senhor põe a mão nos ombros da neta e pergunta:
- Está tudo bem, minha filha? – Guto Nery abaixou as sobrancelhas e fixou o olhar na neta.
- Está sim, vô. – Marina virou-se rapidamente e passou as mãos no rosto para enxugar as lágrimas.
- Marina, abra seu coração. Aconteceu alguma coisa? Conte ao seu avô. Não vou falar ao seu pai nem à sua mãe. Pode confiar em mim.
Marina se confortou com as palavras do avô e deixou um sorrisinho. Guto Nery pega na fina e macia mão esquerda da neta e diz:
- Venha comigo.
O velhinho a trouxe até a sua cadeira de balanço e falou:
- Pegue mais uma para você, filha. Essa era de Odete. Nós ficávamos horas conversando sobre a vida dos outros. – Guto Nery sorriu depois de se lembrar da esposa. A cadeira era bem parecida ao do homem, mas essa era rosa. Marina arrastou a outra e se sentou em frente ao avô. – Pronto!
- Agora conte-me. Por que você chorava com aquela bandeja de brigadeiro no braço? Aconteceu alguma coisa com seu coraçãozinho?
Marina estava muito envergonhada e não sabia como dizer o que sentia ao avô. Botou as franjas atrás das orelhas, suspirou e explicou:
- Um menino da escola me magoou. Ele me mandou uma mensagem agora a pouco dizendo que não sente nada por mim. Ai, vô, estou muito mal, triste, fraca. – Marina abaixou a cabeça, fechou os olhos e as lágrimas voltaram cair pelos cantos dos seus olhos juvenis.
Guto Nery deu uma risadinha, mas compreendeu o sentimento da neta. Ajeitou o boné que estava na sua cabeça, o pondo sobre seu rosto e cobrindo por completo. Posicionou-se na cadeira e disse:
- Minha filha, encoste-se na cadeira, feche os olhos e apenas me ouça. Espero que possa deixá-la melhor.
Marina secou as lágrimas com as mãos, fechou os olhinhos e tornou a atenção para o avô. Guto Nery se lembrou de Odete e começou a dizer:
- Muitas pessoas associam o amor a um sentimento indescritível, sendo apenas sentido e não definido. Eu tenho várias concepções sobre esse sentimento tão lindo e puro, mas às vezes tão agressivo e sem dó. Quando dizemos que não há definição, a palavra amor nos faz lembrar aquela pessoa especial.
No final dessas palavras, Marina rapidamente lembrou-se do rosto do menino. Guto Nery continuou seu discurso.
- Eu dei sorte de achar o amor. Odete. Costumava brincar com o próprio nome dela: Oh... Dete. O amor que sentia por Odete era explicado pela minha impaciência de estar longe dela. Eu odiava ter que esperá-la. Odiava me esquecer da fisionomia exata. Queria senti-la, olhá-la, tocá-la, beijá-la a todo instante. Não conseguia ficar um minuto longe da minha pequena. Ver apenas aquele sorriso uma vez já era necessário. Era um êxtase, um clímax, um tudo, um infinito, um amor. Fui ciumento por bastante tempo, mas vi que a senhora com a qual eu andava era pior, chegando a um ponto de pisar nos meus pés quando passavam moças bonitas por nós. Eu adorava vê-la daquele jeito. A presença dela me agradava demais, assim era o amor. Assim defino esse sentimento, como a presença do bem. Isso que passa nesse seu coraçãozinho tão imaturo é apenas uma paixão, revestida de bastante sofrimento, já que não o tem. Eu também senti isso, quando nós não tínhamos nada, e eu era louco por ela, desde a época do colégio. Tive que dar duro para ganhar seu coração, mas consegui. Fui o mais “eu” possível, e meu jeito a conquistou. Deus a tem agora, e sei que ela está me vendo e certamente está chorando, pois ela adorava palavras bonitas. Fique tranqüila, pois você é tão linda quanto sua mãe e tenho total certeza que um dia vai achar aquele cara que o faça sentir a mesma coisa que senti por Odete. Um verdadeiro amor. Espero tê-la ajudado. Dá cá um abraço no seu vô.
Marina estava extremamente emocionada e aliviada. Levantou rapidamente da cadeira de Odete, deu um abraço em Guto Nery e disse:
- Eu te amo, vô.