SINESTÉTICA: Um amor em um momento - PARTE II
PARTE II
Primeiro dia da Dieta
Chega a manhã. Três grandes copos de água foram seu alimento. E como uma doida varrida começou sua colheita de laranjas imaginárias. Deve ter colhido quase uma caminhão imaginário - pensou. Riu muito. Quase rolou de rir. Sentiu-se feliz. Com a barriga roncando – no entanto – feliz.
Doméstica era sua profissão. Fazia com tanta dedicação seu serviço que ao final do dia tudo parecia que tinha recebido um toque de mágica pelo brilho dos móveis e pelo agradável perfume de limpeza que exalava da casa que cuidava.
Mais uns dois litros de água, tomou no almoço. Precisava se alimentar. E imaginou-se colhendo de novo as imaginárias laranjinhas. Saiu ao quintal e pôs-se a colhê-las. Uma mãozadinha aqui, outra mãozadinha lá e mais uns cem quilos colhidos. Que delícia – delirou ela. A vizinha que estava no sobrado ao lado observava a doméstica pela janela de vidro fumê. Ah mais uma doida fazendo a dieta da luz – afirmou – isso não vai dar certo. Se bem que se essa ficar um ano sem comer não vai dar muita diferença. - Riu maliciosamente a crítica vizinha.
A barriga parecia que tinha um caminhão roncando. Pensou nessa hora em tantas coisas. - Um boi inteiro assando no espeto. - Acho que vai ser pouco. – delirava a caprichosa secretária do lar. Sentou-se um pouquinho, antes de terminar o segundo piso. Olhou uma barra de cereais que trazia na sua mochila. É agora, lá vai ela. Não vai resistir. Seus olhos se arregalaram. Seus lábios desapareceram. Vai comê-los. – Não vou c-o-m-e-r! E realmente não comeu. Pôs-se a trabalhar.
A tarde chegou. Hora de ir para casa. Mais uns quatro litros de água. Saiu na janela e começou a colheita. Só que agora imaginou uvas. Uma colheita de deliciosas uvas. Contava duzentos e três cachos deliciosamente colhidos. Água na boca. Um barulho na barriga. E um turbilhão nos olhos. – Vou me sentar. Pensou “isso passa”. Enfraqueceu-se. Suou um pouco. Suou mais ainda. Quase lavada de suor resolveu tomar banho.
No banho começa a lembrar de tudo que comera até ali. As guloseimas, os bolos, os salgadinhos um mais gostoso do que o outro: coxinha, risólis, pastéis, quibes, e outros... Seus pensamentos em abrupto ímpeto mudam de direção. E o intento cada vez fica mais forte: emagrecer, ficar bela, saudável e quem sabe conseguir um amor – casar.
O banho termina. Ela vai para frente do espelho. Observa-se, admira-se, gosta-se. Nunca se olhara daquele jeito, nunca se gostara tanto. E a pergunta da aflita: - será que já emagreci? – Riu. Comentou: – que precipitada eu sou. Já quero resultado.
As primeiras horas da noite lhe são muito extensas, demoram a passar. Esta sensação lhe era estranha. A fome. A dor no estômago. Os delírios por comida. - Quantas horas demoram esses minutos? – pensou Sinestética. - Eu vou sair para ajudar a passar o tempo mais ligeiro. Talvez eu me esqueça um pouco dessa fome.
A rua estava muito iluminada, pois era noite de lua cheia. Lembrou-se do brilho da luz. Resolveu sentar-se no banco da praça e ficar ali a se alimentar da luz da lua. – Agora vou colher o quê? Já sei vou colher lírios. – As flores naquela noite estavam muito iluminadas. A igreja branquinha parecia que possuía luz própria. Os holofotes iluminavam toda a extensão da praça. Dando impressão de que era dia. Observava as crianças correndo no parquinho, brincando muito. Via a felicidade nelas, seus sorrisos ecoavam e a cada um deles era como se ela se saciasse um pouco mais. Um sorriso da molecada lhe apagava uma lembrança de um salgadinho. Um beijo de um pai ou uma mãe em filho - um tipo de docinho lhe saía da vontade de comer. E isso começava a lhe dar prazer. Os namorados na praça se beijando – davam-lhe a seu paladar o doce do mel, o frescor da menta. E isso lhe deu muito prazer – extasiada - por um minuto ficou atônita. Não entendia bem o que era isso. Mas, gostou. Quando se sentiu realmente alimentada, decidiu caminhar um pouco. Esqueceu de sua colheita. Achou que não precisaria mais se alimentar naquele momento. – Estou cheia! Agora tenho que caminhar pra gastar essas calorias a mais. – balançou a cabeça em sinal de autossarcasmo.
O calor daquela noite lhe dava sede. Resolveu voltar para casa. No caminho tudo lhe era - de certa forma – novo. A maneira como olhava para cada coisa era diferente. Sua vida parecia ter outro sabor. E algo lhe batia no peito galopante, mais intenso – talvez a vida se renovando – filosofava.
Chegou em casa depois de caminhar bastante. Tomou muita água, precisava digerir tudo o que viu-viveu.
Fazia muito tempo que não observava as estrelas. Decidiu sair e louvá-las, decifrá-las. Esta noite elas estavam muito belas, pareciam um shake de escuridão e luz. Alguns minutos observando dava-lhe uma paz sem igual. Sentia que seus horizontes se estendiam para mais longe. Pensou ser um cometa. Viajava por entre estrelas e planetas, mas se emocionou realmente quando passou pela terra e viu um planeta azul com sua grandiosidade e beleza. Pensou em sua perpetuação – pensou eu sua preservação – pensou-se como criação – pensou na paz entre os homens. A viagem terminou. E estava na hora de dormir.
Deitou-se, agradeceu a Deus por mais um dia. E como uma criança que conheceu algo de novo no mundo dormiu como um anjo.
(CONTINUA...)