SILVIA
SILVIA
Sílvia sentou-se no primeiro degrau da escada, na varandinha lateral da casa
onde nasceu. Com os pés empurrava ora uma pedrinha, ora um cisco qualquer,
enquanto seus pensamentos saltitavam feito criança pulando amarelinha.
Por mais que quisesse/fizesse, não conseguia sossegar. Nem a mente, nem o
corpo. E seus pés, num vaivém constante demonstravam a inquietação que
ia na alma.
Olhou além do portão da frente, a rua que margeava a casa, depois o quintal,
a grande lagoa (menina dos olhos de seu pai!) e por fim o milharal, até
não divisar nada mais que imagens indistintas de verde, amarelo bege
e solidão.
Apoiou a cabeça entre as mãos espalmadas e fechou os olhos. Por um momento
acreditou estar vivendo outros tempos, tempos passados, quando sentada nesse
mesmo degrau, lia todas as fotonovelas que lhe caíssem as mãos, e sonhava.
Sonhava com seu futuro (esse mesmo futuro do qual hoje preferiria fugir), com
sua casa (sim, era uma casa de sonhos), muito parecida com essa,
mas maior, mais moderna, sem muros nem cercas e na cidade grande .
Na garagem, o carro do ano. Na sala, a maior televisão que ela já tinha visto
numa grande loja, quando havia viajado para fazer o tratamento.
As crianças (ah ! sim! Ela teria 2 filhos, um menino e uma menina) doces e
comportados estariam ao seu lado, todo final de tarde, hora em que o marido,
lindo e bem sucedido, chegaria para jantar.
Tola! Recriminou-se e voltou seus pensamentos para o momento presente. Já
havia o suficiente com que se preocupar agora, não precisava ainda lembrar
a inutilidade de tantos sonhos, tempo perdido, passado, esquecido ...
A realidade era um casamento desfeito, muitas lágrimas, muita dor. Após tantas tentativas, nenhum bebê para acalentar. E ainda, de novo, a leucemia.
Olhou novamente a estrada à frente e tentou se concentrar nas reais possibilidades.
Sabia que não tinha escolha, no entanto, ainda sonhava. Aliás, sempre
fora assim. Precisava ser sincera consigo mesma: sonhar era sua melhor forma
de viver. Por isso tantos planos, sempre! Mas agora, sua vida impunha um único
sonho possível: era pegar ou largar.
Levantou-se com dificuldade. Caminhou para dentro de casa, abraçou seus pais e comunicou a decisão. Sim, faria novamente todo o tratamento. Sabia que as chances eram mínimas, não queria ficar novamente sem cabelo, não queria passar tanto tempo hospitalizada... mas essa era sua única possibilidade de poder voltar a sonhar, a viver.
Chorou, sorriu. Sim, ainda estava viva!