LÍDIA
LÍDIA
Abriu a porta e sorriu triste...acabara de chegar, finalmente! Após tanto tempo viajando, fugindo, procurando sabe-se lá o que, finalmente voltara. E não era sem tempo.A casa, apesar de cuidada, pois sua irmã semanalmente passava algumas horas ali, já apresentava a frieza do abandono de sua dona....havia um quê de falta, de tristeza, de carência no ar.Sentiu frio e girou a chave atrás de si, lembrando os últimos tres anos. Três longos anos em que andou tão longe, conheceu tanta gente, e no entanto, voltava agora se sentindo só, tão só como quando partira. Sentiu medo...Jogou-se no sofá bege/vermelho ainda novo (pela falta de uso), e deixou-se ficar. As lembranças foram chegando, voltando, como se tivesse saído de casa ontem. Uma dor perpassou-lhe o corpo e estremeceu. Será que nunca voltaria a ser a mulher alegre, de bem com a vida, que fora antes da tragédia? Lídia reviu o acidente, a morte (as mortes) e a dor pareceu-lhe de novo, mais uma vez insuportável. A verdade é que se longe não tivera grandes progressos, pelo menos não sentira de forma tão intensa, nem tão amiúde os acontecimentos passados. Exatos três anos e vinte dias e tudo tão “fresco” ......fora um fim de semana perfeito nas montanhas...muito frio, a lareira, o vinho....a “briga” pelas cobertas, as risadas sem fim. Com Leandro era sempre um constante rir. Tudo era motivo para graça... a vida a dois era leveza, brilho, gosto de quero mais. E Lídia era feliz. Às vezes, pensava, assustadoramente feliz. Ela queria voltar no domingo a tarde, Leandro insistia...
- Vamos aproveitar! A gente sai amanhã cedo. Se acordarmos às seis horas chegaremos com folga... eu no Banco e você no Departamento. E assim, ficamos mais uma noite aqui, agarrados em frente a lareira. Você não quer? (e a pergunta vinha acompanhada de beijos e de um abraço que deixava Lídia sem ação...)
- Quero, claro que quero! Quero ficar aqui para sempre, com você... Mas... ai, tem um “mas” Leandro! Não podemos nos atrasar! Tenho mil coisas já agendadas amanhã logo na primeira hora... e tu tens que abrir o Banco, lembra? E além do mais, pela manhã, talvez o tempo esteja muito fechado....e....ah, pára com isso! Tu me agarras e me beijas e não me deixas pensar.... tá certo! Você venceu! Teremos que acordar cedo, mas chegaremos a tempo.
- Finalmente o amor da minha vida, demonstra que quer ficar mais uma noite aqui comigo!!!!!!!!!!!!!!!!E riram, se agarraram ainda mais e inevitavelmente se amaram novamente.
Na 2.feira cedo, Leandro, mais disposto que nunca, acordou, fez o café e chamou Lídia. De repente, como que do nada, ficou sério e soltou a frase que agora insistia em fazer-se repetir e repetir indefinidamente na cabeça de Lídia.- Sabe, se eu não te conhecesse e morresse hoje, minha vida pareceria sem sentido. Mas eu te amo, e por isso, minha vida e minha morte terão um sentido...
- Hummmm....você acordou ótimo...poeta! Mas agora pés no chão, que teremos muita estrada pela frente! E beijou-o. Queria dizer alguma coisa, mas não encontrou uma resposta adequada a tão comoventes palavras. Fecharam a casa, já combinando a próxima vinda.Seguiam com cuidado, pois a neblina estava muito forte, a serra toda encoberta. A conversa era entrecortada por curtos silêncios, pensamentos voltados para a semana que começava, e Lídia lembra de não ter visto nada além de um forte clarão e ato contínuo, sentir que Leandro lhe estendia a mão. Perdeu os sentidos e só recobrou-os mais tarde (na verdade, quase um mês depois), para saber que estava só, que Leandro se fora , que um estúpido acidente (todos os acidentes são estúpidos) havia interrompido o que eles consideravam o “seu caminho juntos”, a “sua história de amor¨. Chorou, sofreu, entrou em depressão.... sobreviveu! E resolveu viajar...sair....correr mundo, procurar alguma coisa, qualquer coisa que pudesse dar um sentido a sua vida. Fez trabalho voluntário, peregrinações....ficou em bons hotéis...viveu de favor....enfim, experimentou e experimentou. Mas, a dor se ora aplacava, noutros momentos parecia mais presente, mais forte que nunca. Até que um dia, pareceu-lhe, doía menos. Esperou mais um pouco, mas a dor parecia ter se fixado, um pouco mais leve, no entanto presente, todos os dias, dia após dia. Resolveu que era hora de voltar para casa...enfrentar e prosseguir vivendo. Voltara e agora tinha dúvidas. A dor parecia-lhe tolher os movimentos, cegar-lhe, imobilizá-la. Deixou-se ficar assim, horas seguidas. Até que exaurida, arrastou-se para um banho. E nesse estado de animo, sem animo, decidiu. Se só nas lembranças conseguia efetivamente viver, não haveria mais de fugir. Iria para onde elas eram mais fortes, onde sabia, sentiria a presença de Leandro. Secou-se, perfumou-se e colocou o vestido “rosa ternura” (o preferido de Leandro) para jantar no restaurante preferido dos dois.