Um amor longe demais

É demasiado tarde! Parecia dizer os antigos retratos pendurados na parede, pensava Coriolando.

Ele sabia que tudo aquilo fizera parte da sua vida, embora não tivesse dado a devida importância, muito menos aos conselhos da sua mãe. Talvez, se tivesse escutado as sábias palavras de dona Nadine, não teria passado por tantas coisas, absurdamente desnecessárias, ao longo dos últimos anos.

Coriolando não podia deixar de sentir um aperto profundo em seu peito, ao contemplar as paredes daquela sala. Muitas boas lembranças saltavam da sua memória , como a querer que o tempo retrocedesse, para fazê-lo reviver as boas coisas passadas. Os móveis antigos, muito bem conservados, continuavam no mesmo lugar, e o contemplavam como se perguntassem a razão da sua fuga, da sua ausência sem explicação! Coriolando não tinha argumentos, não tinha palavras, apenas lembrava...

Fazia tempo. Exatamente quatro anos e vinte e três dias que ele partira sob o olhar triste de dona Nadine, que fizera de tudo para que ele desistisse daquela loucura, daquela insensatez absurda, daquele ato impensado e tresloucado.

- Meu filho, desista dessa idéia. Uma coisa assim não pode dar certo, essa moça não é pra você!

Insistia inutilmente dona Nadine, mas Coriolando não lhe dava ouvidos, estava decidido.

Desde que a caravana do circo chegara à cidade, trazendo consigo Diana, a malabarista, Coriolando mudou completamente. Apaixonou-se perdidamente pela bela morena, e já não enxergava mais nada além dela. Deixou os negócios do seu falecido pai nas mãos dos outros sócios e já não parava mais em casa, a ponto da sua mãe protestar, preocupada. Mas nada adiantava, e piorou quando ele chegou com a surpreendente notícia:

- Mãe, o circo vai embora e eu decidi ir com a Diana.

- Mas filho, essa moça não pára em lugar nenhum, só vive viajando! Você não vai se adaptar, desista dessa idéia.

De nada adiantou a insistência da mãe, Coriolando preparou-se, despediu-se de todos, e deixando dona Nadine em prantos, seguiu viagem com o circo.

Passaram-se os dias e os meses. De vez em quando, Coriolando escrevia para dona Nadine falando da sua nova vida, e de como estava feliz com a amada.

A sua mãe não podia lhe responder, pois este não tinha endereço fixo, e mudava-se constantemente. E assim foram-se os anos e as cartas diminuiram, a ponto de cessarem completamente.

Com o passar do tempo, Coriolando foi sentindo um certo desconforto em relação ao seu amor. Era feliz com Diana e ela o amava também, mas em vários momentos sentia-se inseguro. Diana era uma das principais atrações do circo, e por isso, era muito assediada, o que lhe despertava ciúmes. Por mais que se controlasse, era dificil suportar.

Não demorou muito e começaram as discussões e as intrigas, nada de muito sério, mas incomodava, como incomodava!

E o tempo passou. Dois, três, quatro anos se foram e Coriolando caiu em si.

Sua mãe tinha razão, ele não se adaptara. E agora, o que faria? Deixaria o seu amor e voltaria para casa, para o aconchego do lar?! Há anos não dava notícias e não sabia da sua mãe, como estaria ela e que sentiria?

Coriolando vivia um dilema. Depois de muito pensar, decidiu falar com Diana, contar-lhe o que lhe afligia. Quem sabe ela entendesse e fosse embora com ele, voltariam para a sua terra natal e seriam felizes, longe dos assédios e da balbúrdia circense.

- Mas Coriolando, como você pode me propor algo assim?! O circo é a minha vida, você sempre soube disso desde o princípio!

- Eu sei Diana, mas não suporto ter que dividi-la com o espetáculo e com os olhares cobiçosos. Vamos embora, venha comigo, por favor!

Diana abaixou a cabeça, lágrimas vieram aos seus olhos. Como poderia ser aquilo?!

Amava Coriolando, mas a vida no circo era tudo para ela. Ali estavam os seus pais, irmãos e amigos que tivera desde a infância.

Fez-se um silêncio profundo! Coriolando compreendeu o quanto a amava e o quanto era amado por ela, mas não podia competir com o espetáculo da vida no picadeiro. Sorriu amargurado.

- O que vai fazer Coriolando? Perguntou Diana, já pressentindo o pior.

- Eu vou embora. Vou voltar pra minha terra, pro meu lugar, de onde eu não devia ter saído.

Diana protestou, chorou copiosamente, tentou convencê-lo, em vão.

- Não me deixe Coriolando. E o nosso amor?!

Coriolando nada respondeu, estava feito. Partiria naquela mesma tarde. E assim foi.

Finalmente, depois de três dias de cansativa viagem, Coriolando desembarcou na pequena estação da sua cidade. Mesmo depois de tanto tempo, nada tinha mudado radicalmente. Apenas, talvez, os olhares curiosos a ele dirigidos, parecia quererem dizer alguma coisa que ele não sabia.

Ao chegar na sua antiga vizinhança, foi-lhe revelado o porque dos olhares. Sua mãe morrera, há quase um ano.

- Morreu de saudade, meu filho. Dizia um dos vizinhos mais antigos.

- Quando você parou de escrever, sua mãe não aguentou e adoeceu de tristeza. A gente quis te avisar, mas não conseguimos encontrá-lo. Aí ela se foi!

Naquele instante Coriolando teve a sensação de que o chão desaparecera sob os seus pés. O que ele tinha feito. Por que não lhe dera ouvidos? Arrasado, dirigiu-se a casa que estava fechada, fazia tempo.

Estava tudo no lugar, como antes. Alguém andou cuidando para mantê-la limpa e arrumada.

Ali estava Coriolando, parado no interior da casa, mergulhado em pensamentos tristes que não podia conter. Quase que providencialmente lágrimas escorriam-lhe dos olhos. Lágrimas de tristeza e saudade!

Deixara sua velha mãe e os seus sábios conselhos por um amor distante. Teria valido a pena? E se tivesse ficado, será que dona Nadine estaria ali naquele momento, a lhe preparar os bolinhos que ele tanto gostava? Ele não saberia responder. Os velhos móveis e os objetos da casa, o inquiriam impiedosamente.

Coriolando tinha errado! Errara por não ouvir sua mãe, agora era realmente tarde! Essa era uma culpa que o acompanharia até o túmulo.

Enquanto era atormentado por pensamentos tristes, lembrou-se de Diana.

Tinha perdido a sua mãe e a sua amada de uma só vez! Não lhe restara mais nada! Por um instante, pensou em retornar para Diana, mas logo desistiu.

Não, jamais se adaptaria. Se tinha que sofrer, que assim fosse. O tempo cuidaria de tudo!

Desolado, ligou o rádio da sala e jogou-se no velho sofá, enquanto uma antiga canção dizia:

… Um amor tão distante assim... Quem pode suportar?!

Edson