A Menina Que Tinha Medo do Escuro
A menina tinha medo do escuro. Era pequena e morena, tinha uma cabeleira e uns olhos negros como a noite. Ela era toda feita de escuro, dentro e fora. O que ela pensava era obscuro, tudo o que via era obscuro. Ela própria era obscura. Dentro de si havia uma negridão que a arrastava e a tomava, algo maior que ela. Chamam isso de medo, mas ela tinha outro nome: era o escuro. Esse escuro tomava conta da menina dilacerava-lhe os pensamentos. O escuro era tudo que ela não conhecia, não tocava, não compreendia e não dominava. A menina cresceu, sua obscuridade foi aumentando e ela foi inconscientemente alimentando-a todos os dias. A menina foi feita da noite e com a noite se tornou mulher. O escuro tomou-a e ela se perdeu em meio a negridão sem fim que fez de si. Ela era todo escuro, e por isso tinha medo do escuro. Ela deixou de sofrer, pois deixou de sentir, ou era isso que ela pensava. Foi então que ela sentiu de verdade, teve um choque de realidade imenso que a trouxe para si: o amor. Foi feliz, deixou o obscuro e deixou a noite. A partir disso foi só sol e alegria, foi uma explosão de vida. Mas o escuro ainda a rondava, e como o dia não é feito só de sol, a lua apaeceu. Essa lua tinha uma forma: a decepção. E esse foi seu segundo choque de realidade. Mas dessa vez, ao invés de voltar de vez a si, ela se perdeu ainda mais. A escuridão abocanhou-a e, com medo que ela voltasse e sentisse de novo, prendeu-a em labirinto. A única forma de sair desse labirinto era amando de novo, todas as saídas eram aquela única que se via inalcançável para a menina feita da noite: o amor. O único que podia ser como um sol para ela, o único que podia aquecer a frieza que ela se fez, o único que podia iluminar a noite da qual ela se criou. O amor era o único que podia salva-la. Mas cadê o amor? Por onde ele se perdeu? Em qual beco distante ele estaria?