A Menina dos Olhos Azuis

Senhor, ajude-me a encontrar um amor. Já não consigo viver sozinho sem os carinhos de uma pessoa especial, uma pessoa que eu possa amar e que seja compartilhado da mesma forma, com um amor bonito e verdadeiro. Sei que não estou pedindo demais Senhor. Nesse mundo de descrença e desavenças eu só lhe peço um amor. Quero transmitir desejo, ser desejado por alguém e quero ser feliz ao lado dela, um amor eterno, sincero, de cumplicidades, afetos e ternuras. Senhor, vou dormir agora, pois já é tarde mas sei que irás atender meus pedidos. Após essa oração, ajeitei meu travesseiro de penas de ganso e puxei um cobertor marrom escuro que me acompanhava desde a infância, mas não conseguia largar. Parece que ele carregava toda a minha história de vida, já fazia parte dela. Quanto mais velho ficava mais macio e quente estava, parecia absorver todo o calor que passei de tempos que o usei. Já aconchegado em minha cama, fiquei pensando novamente na oração que tinha acabado de realizar e mais uma vez como tentando implorar reforçei minha crença em pensamentos dizendo para mim mesmo "senhor, não esqueça de mim". Não poderia medir o tempo, mas acredito que em menos de 10 minutos já estava dormindo.

Ela estava lá, linda. Sentia suas vibrações, queria toca-la a qualquer preço. Meu coração pulsava tão forte que parecia saltar para fora do peito, arrematador. Sentia que nas veias meu sangue fluía em estocadas rápidas como um flash. Era o amor, havia encontrado o que todos procuram. Tinha certeza que era, nunca tinha sentido aquilo antes por uma mulher. Olhei atentamente para ela e como se fosse um expert comecei a desnudar toda a sua beleza com os olhos. Pude observar que sua pele era clara, sem ao menos tocar dava para perceber a suavidez nítida. Sua boca perfeita, parecia que se encaixava na minha como a última peça de um quebra cabeça. Seus cabelos negros, fortes como a grina de um corcel e um par de olhos azuis tão intenso que parecia a mistura do azul do céu e do mar, divino como o azul do céu, intenso como o azul do mar. Seu corpo esculpido pelos deuzes, se fosse na época dos deuzes Cleopatra seria sua escrava. Quanto mais a admirava o amor ía me possuindo, como uma droga alucinógena em um viciado em abstinência. Era nítido que queria possuí-la naquele momento, te-la em meus braços. Sem hesitar fui ao encontro dela, de braços abertos preparados para receber o mesmo carinho, pois ela também estava de braços abertos, como que implorando para aquele abraço.

Senti o suor escorrendo pelo meu rosto, passei a mão na testa e percebi que estava molhado de suor. Ainda com os olhos tentando se abrir, podia ver o meu quarto escuro, iluminado apenas por uma luz que vinha de um despertador digital o qual piscava em segundos com o horário das 5:00 hrs da manhã. Puxei o meu cobertor de lado e senti que estava com o corpo todo molhado de suor e que o lençol da minha cama também estava úmido. Estendi o braço para o lado e liguei o interruptor da luz no intuíto de ver claramente o que estava acontecendo. Devido estar ainda meio sonolento, tinha perdido a noção de tempo e espaço. Sentei-me na beira da cama e tentei buscar alguma lógica para aquele suor, o porque de ter acordado assustado. Coloquei novamente a mão na testa e constatei que ainda estava molhada, mas não estava em estado febril. Olhei para os lados meio atordoado tentando entender o que acontecera. Não tinha explicações plausivas no momento. Tentei buscar nas lembranças, mas não encontrei nada. Pensei comigo: é um sonho, devo ter sonhado com algo, mas infelizmente não estou conseguindo lembrar. Tentei forçar a memória para conseguir resgatar algum sinal de sonho, pensei nos pais, no trabalho, nos amigos, mas nada me fazia lembrar. Já desanimado e desistindo em encontrar alguma explicação me levantei e fui tomar um banho, pois ainda era de madrugada e ainda teria um tempo para dormir novamente. Precisava tirar o suor do corpo, não conseguiria dormir em um lençol úmido e corpo encharcado de suor.

Liguei o chuveiro e deixei a água morna cair sobre o meu corpo. Enquanto me ensaboava tentei resgatar sobre o que havia sonhado, mas nada vinha em mente. Não lembrava do que havia acontecido nem sequer tinha certeza que tinha sonhado, poderia ser uma febre, pensava eu. Mas não estava me sentindo mal, após o toque da água morna até estava me sentindo bem, vigoroso, pronto para encarar o novo dia que iria enfrentar. Tentei me disvencilhar um pouco sobre o que havia acontecido e comecei a entrar na realidade do meu trabalho, onde estava repleto de reuniões com uma agenda que começava logo pela manhã as 9:00 hrs. Terminei meu banho e troquei o lençol da cama para deitar novamente pois ainda eram 6:00 hrs da manhã e teria algum tempo para dormir. Não conseguia mais pois o banho havia me despertado, então como num estalo de dedos fui para o trabalho mais cedo, afim de adiantar algumas decisões que deveriam ser tomadas durante o dia.

Dirigindo meu carro preto de marca chevrolet me guiava por uma avenida movimentada logo pela manhã. Um trânsito típico de um dia de semana. Pude observar que já não havia mais horário para aquele trânsito pois em qualquer horário lá estava ele, cruel e desumano. Segurava firme no volante com uma das mãos e a outra no cambio, já que tinha que manusea-lo constantemente devido a redução de marcha, numa lentidão de tartaruga, quando o transito parava ou quando parava em algum farol, tentava quase que automaticamente me lembrar do que havia acontecido há algumas horas atrás, na minha cama. Nada vinha, apenas os fatos reais de que tinha acordado assustado e com o corpo encharcado de suor. Uma buzina zumbiu no meu ouvido e uma cabeça humana saiu para fora do vidro do carro que estava atrás do meu:

- Vamos meu Senhor, está segurando o transito. Tomei um susto e vi que o farol estava verde e que todos os carros que estavam ao meu lado já estavam a alguns metros na minha frente. Acelerei meu chevrolet e coloquei minha mão para fora do carro, como que em um sinal de desculpas tentando consolar mais um cidadão enfurecido pelo desumano transito da cidade grande. Nesse dia, minha agenda estava repleta. Tinha que dar conta de todos os afazeres e ainda me preparar para o aniversário de um amigo de faculdade. Como era chato ir nessas festas pois me sentia um verdadeiro homem vela, segurando o amor de todos os casais de amigos que ali estavam. Ficava admirado como eles se amavam, sentia inveja, não uma inveja ruim, mas queria ter aquilo pra mim. Sentir o mesmo amor que todos sentiam. Sei que alguns casais brigavam por conta dos problemas corriqueiros que todos tem, mas sentia que existia amor entre eles. Não me sentia bem em ir sozinho nessas festas e ficar bancando o homem vela, precisava de um amor. Me lembrei da oração que havia feito: um dia o senhor irá me atender, pensei sozinho já no elevador do prédio onde trabalhava.

O dia realmente estava puxado, como tinha chegado cedo, já havia adiantado sobre alguns assuntos que teria que terminar pois o prazo era curto. Se não tivesse chegado mais cedo talvez não iria dar conta de tantos assuntos, parecia que estava adivinhando. Talvez o suor é porque já estava trabalhando dormindo para adiantar o meu trabalho. Apesar de trabalhoso e em meio à reuniões, não conseguia me desligar do ocorrido. Era como se estivesse internado em um hospital impossibilitado de me mover e uma enfermeira com hora marcada viesse me entregar o remédio para tomar, não tinha jeito, poderia não querer, mas estava ali, em meus pensamentos.

Novamente fui acordado do mundo irreal por um telefone que estava tocando a minha frente. Mais que depressa atendi o telefone, quando uma voz me disse:

- Silvio, é você.

- Oi Marcelo, sou eu sim.

- Estou ligando para saber se você vai ao meu aniversário hoje, estamos aguardando você e não quero uma resposta negativa.

- Com toda essa pressão, pode contar com a minha presença.

- Até lá então, vê se não se atrase como das últimas vezes.

- Ok, vou fazer o possível.

Sem que me esperasse terminar a frase ele já havia desligado o telefone. Pensei comigo: mais uma festa chata que tenho que ir para contentar os amigos e ficar apagando vela para os casais apaixonados. Como é um tédio isso, queria ir para a minha casa descansar, mas o que não fazemos pelos amigos.

Avistei a rua pelo GPS do meu carro, que sinalizava para entrar a esquerda. Logo que virei pude ver os carros dos amigos enfileirados um do lado do outro, como se tivessem chegado juntos para a festa. Segui mais adiante e vi uma vaga sendo apontada por um flanelinha que estava esticado com o braço quase que implorando para estacionar o carro naquele lugar. Com a habilidade de um piloto de fórmula 1 coloquei o carro na vaga apertada com muita facilidade. Até recebi o elegio do flanelinha dizendo que eu era um bom motorista em colocar o carro de forma tão rápida, mas não sabia se ele estava falando aquilo para me agradar e receber uma gorjeta maior ou se realmente fui preciso ao estacionar o carro. O importante é que havia chegado na festa e tinha resolvido que não iria ficar muito tempo, somente até os parabéns, para não esticar a noite toda pois teria que trabalhar no dia seguinte.

Estava quente. Fui recepcionado pelo Marcelo e sua esposa já com uma taça de champanhe. Após um brinde, em um único gole sequei o copo e fui atrás de mais bebida para me refrescar. O calor estava forte. Meus amigos vinham me comprimentar juntamente com suas esposas e sempre com a mesma piadinha. Cadê a sua acompanhante, não veio ninguém com você. Como era chato aquilo, mas sabia que não iria levar alguém em uma festa só para dizer que estava acompanhado. Precisava de muito mais que aquilo, precisava de amor, de companhia verdadeira. Após algum tempo e com os mesmos assuntos de sempre, já não aguentando mais tanto calor pedi para o Marcelo que não ficasse chateado pois não estava me sentindo bem, precisava ir embora. Sem nenhum constrangimento, me despedi do pessoal e fui até o meu carro para ir para casa. Não estava me sentindo bem, continuava suando como antes. Mesmo o ar fresco da noite não diminuia meu calor. Paguei o flanelinha e segui rumo a minha casa, pois precisava descansar, estava exausto. O pensamento da noite anterior me veio a tona novamente fazendo com que me desligasse das ruas reais e fosse guiado pelas ruas do sonho, quando só escutei uma batida forte na traseira do meu carro desviando-o para a calçada da mesma forma quando um touro bate de frente com o toureiro, sentindo o mesmo impacto. Era o que me faltava para fechar a noite, pensei comigo. Saí do meu carro e como num toque de mágica ela estava ali, parada na minha frente. Era perfeita. Meu sonho veio à tona, era ela. A mulher da minha vida, igual no sonho que tive na noite anterior. Minha lembrança veio como se tivesse concertado o meu chip, me lembrei perfeitamente, era ela. O mesmo rosto, a mesma boca, o mesmo cabelo e o mesmos olhos azuis, mesmo que um toque de raiva pelo acontecido, não deixavam de ter a cor do mar e do céu, penetrante e voraz. A hipnose era tanto que nem me lembrava do carro batido, somente tinha olhos para ela. Paixão a segunda vista, pois a primeira foi no sonho. Como era possível aquilo estar acontecendo. Cheguei perto e pedindo mil desculpas, pude ouvir uma voz suave e doce dizendo:

Deus quis assim, isso teria que acontecer. Pois sonhei com você na noite passada e pedi para ele em minhas orações que você aparecesse nessa noite pois já estava cansada de voltar das festas dos amigos sem ninguém para amar, sozinha e desolada.

Nos abraçamos e nos beijamos no meio da rua, como dois apaixonados guiados por Deus.

Zanca
Enviado por Zanca em 27/06/2011
Código do texto: T3059931