O amor de Stella- Giselle Sato




Quatro meses e muitas saudades. O peito apertando uma angústia que só os que amam demais reconhecem, e mesmo assim, preferem esquecer que existe. O tempo não apagou marcas, nem atenuou lembranças, apenas empurrou o vazio para que o dia a dia tomasse espaço. Ninguém melhor apareceu, nem ela se interessou por nada que estivesse além do horizonte, sempre esperando avistar um sinal qualquer.
Sozinha permaneceu e muda trancou o pranto, ocultou o desalento para evitar o consolo e piedade, cada dia era marcado por uma ponta de esperança que morria ao findar das horas.


A lua cheia brincando na imensidão ponteada de estrelas, parecia rir da mesma forma encantadora e suave com que embalou tantas conversas. Ele e ela foram um par, deitados no gramado amaram vezes sem conta sob aquele mesmo luar, traçaram planos, trocaram carinhos e abraços. A vida exibia em preto e branco o que antes parecia explodir em cores e ela não conseguia mais cantar. A voz saía trêmula, falhava entrecortada pela dor. E ninguém queria ouvir suas canções tristes. A cabana encravada no ponto mais alto da aldeia, foi a escolha perfeita para o pequeno mundo dos amantes. Hoje as paredes exibiam sulcos demais, e o desbotado já não era tão atraente, portas e janelas permaneciam fechadas todo o tempo, a vida bateu a porta quando Mauricio partiu.


Sem explicações, nenhum pretexto, discussão ou suspeita. Não se despediu, apenas fez as malas e saiu, quando a mulher voltou do mercado era como se ele jamais houvesse existido. Nenhum retrato, livro esquecido, camisa no varal, traços apagados e passado findo. Stella movia-se feito fantasma, tocava o sofá onde a marca do cigarro era a única prova, isto e a caneca com o resto do ultimo café. Era isto ou ela enlouqueceria, percorreu a vila, ninguém quis dizer se ele havia tomado a balsa, o velho motorista não conseguiu reconhecer o estranho no meio dos rostos de sempre- em uma cidade pequenina de uma única rua, onde toda gente se cumprimentava e sabia da vida inteira, do dia do nascimento até a hora da morte, como poderiam perdoar a paixão cantora que havia sido a causa de tantas desgraças. A tristeza que a traidora exibia era quase saboreada como o merecido castigo, afinal, todos sabem que não se pode construir felicidade sobre a infelicidade alheia. Pelo menos era assim que os antigos pensavam e repassavam aos jovens.


Stella conheceu o estrangeiro e esqueceu o casamento triste, os filho e tudo o mais, saiu com o vestido do corpo e foi posar para Mauricio. Entre telas e tintas, cores e sombras, ela descobriu o amor, prazer, dor, insegurança, vaidade, alegria, ciúme dos que não haviam vivido juntos e esperança em um futuro com o pintor.
 
Ele nunca prometeu nada, mas Stella era uma mulher apaixonada e assim quadro a quadro, Mauricio tomou o amor daquela mulher simplificando em linhas e traços o sublime.
E quando terminou o trabalho, não viu sentido em continuar naquele fim de mundo, já não havia mais graça em sentir os pés na areia  macia, era hora de voltar para sua realidade.
Nem se deu ao trabalho de explicar, odiava despedidas, não suportava cenas, melhor sair como chegou, deixando um rastro de mistério.
Ele voltou com suas telas e o coração renovado, pronto para abraçar a vida e orgulhoso como nunca do seu talento.
Nem por um minuto, pensou na companheira de tantas emoções redescobertas.


Stella caminhou vezes sem conta, em volta da casa, contando as pedrinhas brancas que serpenteavam o jardim maltratado, perdida em lembranças, chorando o vazio. Lembranças e risos, beijos e abraços, frutas partilhadas entre juras e sussurros.
Um trapo sem luz, o dia findando lento, e ela apenas esperando, esperando Mauricio. Ela pressentia, como toda amante sabe quando chega o romance chega ao fim, e mesmo assim, volta e meia era atraída pelas embarcações que retornavam do continente. Parada no cais,  olhos ávidos procurando o rosto do amado, permanecia horas ao relento... Maurício e o vento...o tempo...cheiro de mar...


E assim, os meses passaram, as chuvas vieram e levaram o calor e as cores.
De repente era tudo ocre e terracota, café em tons de chocolate, nuvens cinzentas brincavam com a palidez de uma mulher quase morta.
Deitada nos lençóis macios, cheirando a lavanda e remédios, ela espiava o céu e bem no fundo sentindo-se quase feliz.
A simples existência de um atenuante, para a dor que carregava, confortou Stella de forma quase pueril. Em algum lugar em um país distante, era amada, vista e admirada.
Ela, que todos desprezavam, valia milhões retratada na sua simplicidade. Era ela a mulher misteriosa e linda, diziam as matérias das revistas e jornais, a razão do retorno de Maurico à arte, ao mundo que agora o abraçava outra vez.

Alguém havia jogado os recortes na varanda de Stella, com a intenção de magoar ainda mais a pobre mulher, e o resultado foi o abandono derradeiro. À deriva, a amante rejeitada despediu-se da esperança e não recebeu da vida, a lição mais óbvia: que o mundo dá muitas voltas e nada é para sempre.

Maurício sentiu o vazio, faltava a inspiração que ele tinha encontrado no cheiro da maresia e no aconchego dos braços da amante. Largou a cidade grande, corroído de saudades e cheio de remorsos, sentiu que precisa rever Stella, chegou à ilha a tempo de acompanhar o funeral da musa. Foi o único. Chovia demais, o frio era intenso, ninguém do pequeno vilarejo preocupou em despedir-se de Stella.

Giselle Sato
Enviado por Giselle Sato em 13/06/2011
Reeditado em 15/06/2011
Código do texto: T3032443
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