Para sempre
Ele passou apenas mais uma única vez por aquela cidade. Mas ela nunca imaginava vê-lo novamente. Depois de todas as coisas que tinham lhe acontecido, tudo o que ela havia sonhado, tudo por um mero acaso. Costumam dizer que o acaso não existe, mas porque ele passaria por ali de novo, e justamente ela, que o amava tanto, o ver?
Estava em plena avenida, a mais movimentada. Aquela cidade não era grande, por isso dificilmente acontecia um engarrafamento. Mas aquele dia aconteceu. Ela estava em pé, na beira da rua, esperando para atravessar. Os automóveis iam e vinham, e a menina já estava impaciente. Estava indo para seu curso, não passavam das sete e meia da noite. Horário de verão, sol ainda alto no céu. O manto branco vinha de longe, temia uma chuva repentina. Quando achou que dava para atravessar, avistou um último carro vindo lá encima. Decidiu esperar ele passar, mas assustou-se quando ele se aproximou. Percebeu as rodas esportivas, percebeu que era blindado. Percebeu as maçanetas banhadas á prata, coisas que para ela eram insignificantes. Mas sentia. O vidro lateral estava, mais uma vez por acaso, aberto. E ela viu seu rosto. Tão lindo em meio aos reflexos do sol, banhado por um brilho que lhe era como um dom. O homem que dirigia era negro, gordo e trazia uns óculos pretos. A garota ficou paralisada, não acreditava que aquilo estava acontecendo. O automóvel se movimentava devagar, pois o sinal havia fechado. Ela continuava ali observando, mas não sentia vontade de chorar. Ele a viu. Quando aqueles olhos negros e tão lindos a fitaram, ela pensou em gritar, em ir até o automóvel, em abraça-lo, em dizer-lhe tudo o que ela gostaria de dizer em três anos. Mas se fizesse isso, ela o perderia. Perderia para sempre. Porque nunca mais o veria assim. Então ela apenas sorriu para ele. E ele lhe retribuiu o sorriso. Mas sem perceber, suas lágrimas brotaram no canto dos olhos. Ela o amava. E agora ele estaria apenas a dois passos dela. Não se moveu. Como ela queria ir até ele. Mas não podia. Então ela apenas fez um coração com suas mãos, e em seguida o voto de fã. O pulso fechado contra o coração. Era uma saudação. Ele retribuiu, mas logo o sinal se abriu e o motorista seguiu. Ela o perdeu de vista na estrada, mas percebeu que ele fechara o vidro quando saiu de perto dela. Ela permaneceu ali, sentada na beira daquela mesma estrada, com os cadernos sobre o peito, a mochila pendurada no ombro. O cabelo solto nas costas. Não sabia o que ele fazia ali, mas imaginou que estaria somente de passagem. Uma passagem que mudaria para sempre o destino daquela jovem apaixonada. Hoje, todos os dias, a velhinha vai até mesma estrada, todos os dias, na mesma hora que isso aconteceu, há muito tempo atrás. Ela continuou a amá-lo, e o amaria pelo resto de seus dias.