Catálise
Era o cansaço. O mal eterno de quem se divide entre duas, às vezes três vidas. E tudo entrelaçado haveria de dar numa única chance de ser feliz. O andar mais descompassado e quieto fazia crer em tristeza, mas era somente cansaço. Sem perceber olhares ou palavras, sentou-se próxima à saída na expectativa de alcançar mais rapidamente a rua quando chegasse ao destino. O final de tarde barulhento cedera lugar à calma que o ar condicionado sugeria. Encostou a cabeça na janela e alongou o olhar para além dos morros que agora desfilavam na paisagem.
Quase noite. Pensava na história toda. Sentia saudades.
De que? Jamais se encontraram. Marcavam datas, horários, estações, bares e teatros. Tudo não saía dos e-mails. Sabia que não era pra ser, não tomaria forma e assim ficariam feito dois estranhos sem rosto um para o outro. A euforia do encontro possível era facilmente vencida pela realidade. O que sentia por ele? Era profano, com certeza. Fora bordando ilusões sem perceber no inebriante sentimento sem rumo. Mas não havia o encontro. A voz sim. Ah! Esta reconheceria por onde fosse, qualquer porão perdido de um navio distante. Todo eco de vida, diretriz do seu sorriso. Falaram-se algumas vezes e aquela voz fez asas em sua imaginação. Jeito de falar matreiro em corpo de menino. Risadas penetrantes e um carinho de enlanguescer. Sentia saudade disso também. Mas ele desistiu. Nada mais marcaram. Esperou a luz apagar lentamente e cada um silenciou seu desejo.
Não percebeu quando o lugar ao seu lado foi ocupado. Não via nada com nitidez porque chorava. Talvez o arrependimento. Ou cansaço.
O som. Um toque. Alguém atendeu. Aquela era a voz da sua a saudade. Olhar ou não? Era ele, em voz e pessoa. Por segundos compreendeu todo o significado da palavra "estático". Quando reagiu, o outro havia descido e pessoas se aglomeravam para fazer o mesmo. Apressou-se a buscar a imagem. Correu e fez dos olhos a ansiedade pulsante. Busca frenética. De quem? Que rosto?
No desencontro, esbarrava em pessoas e tentava ouvir as vozes. Em vão.
E veio em relâmpagos a magistral vontade de gritar. E gritou. Duas vezes o nome. Segundos que viraram horas desgastavam a esperança. Olhava na direção que seguiam os soluços até que a resposta veio na mão pousada em seu braço e no abraço que nenhum escritor, nem mesmo os mais exaltados conseguiriam descrever. Olhares se buscando e alinhando sob a luz daquela noite de brilho diferente, conhecendo-se ao sabor de desejos reprimidos e chuva. Muita chuva para abençoar o fim de uma busca e início de uma nova história. Uma história que ganha feições e alinho. Um começo. Uma forma. Um roteiro pra imaginação dos amantes e de quem, embora cansada, não consegue se distanciar da esperança.
Era o cansaço. Agora é a felicidade!