O Último Feliz Aniversário
De que vale viver para sempre quando o seu verdadeiro amor é mortal?
Eu sabia que isso aconteceria que este dia chegaria! Mas eu não imaginava que seria bem no dia do meu aniversário. Fico imaginado o quão amaldiçoado a lembrança deste dia será daqui para frente.
Caminho pelos cômodos da casa na esperança de encontrá-la, mas não a encontro. Dou passos curtos na escuridão infinita. Lembro-me das noites felizes e maravilhosas que passamos juntos, bem ali na sala, depois no quarto e até mesmo na cozinha.
Eu ficava apreciando sua habilidade gastronômica adquirida com o tempo e a experiência, e mesmo impossibilitado de poder comer os mais variados tipos de pratos, eu sempre a elogiava, eu sabia que deveria estar divinamente saboroso.
Mas hoje e nos dias subseqüentes eu sei que essas pequenas coisas mortais não acontecerão novamente.
Dos meus cento e oitenta anos de idade, os últimos oitenta e seis anos, foram os melhores que já passei em toda a minha vida, disso eu não tenho dúvida.
Mais uma vez caminho até a sala, olho para o lado e vejo aquela estante de madeira, de cor bem escura, onde ficam os portas retratos. Não sou forte o bastante, e fracasso na tentativa de engolir o choro. Lágrimas rubras escorrem sobre minha face. Com as costas das mãos enxugo-as, borrando meu rosto de vermelho.
Pego o retrato. Viajo em meus pensamentos centenários, relembrando aqueles momentos congelados no tempo. Mesmo com meus poderes, sou incapaz de voltar no tempo, ou mudá-lo de alguma forma.
Margareth, minha preciosa Margareth! Como eu a amava.
Mas agora ela se foi, para sempre. O que farei? Ainda não sei. Acho que vou me enterrar nesta casa para sempre, pois outro amor igual ao dela nunca mais terei.
Sempre nos conhecemos, desde quando fingi ser um mortal. E quando revelei minha verdadeira natureza, ela não me tratou com diferença. Ela não me recusou me aceitou como eu era, aceitou o que eu tinha me tornado.
Abandonei todos os meus ensinamentos, e fugi de meu mestre. Margareth fugiu comigo, fomos para a Grécia e moramos lá por alguns anos. Tive uma vida ótima apesar da maldição que passei a carregar. Minha linda amada sempre me ajudava, me escondia durante o dia, e foi assim até os dias de sua morte.
Vivemos um para o outro. Ela queria tornar-se igual a mim, mas eu não permiti. Margareth era pura de alma e coração, eu não poderia manchá-la com está terrível maldição, ela certamente perderia o encanto mortal que sempre admirei. Não há nada mais precioso do que a humanidade que vive dentro de cada pessoa. A forma de viver a vida tão intensamente, como se fosse o último dia. Essa virtude é que mais chama a atenção nos mortais.
Com toda essa felicidade, os anos passaram-se tão rapidamente que não percebi. E mesmo ela estando velha, com mais de oitenta anos, meu amor não mudou em nada, e ela era ainda a mesma pessoa que eu havia conhecido há muitos anos atrás.
Mas hoje ela se foi, para onde eu não sei. Mas espero que para o céu, porque uma mulher mais bondosa que ela eu não conheci até hoje. E nem pretendo conhecer, pois minha vida acabou junto com a dela.
Ela foi enterrada pela manhã, eu nem ao menos pude ir ao velório. Mas está noite eu irei, sem falta. Ficaremos um tempo às sós.
Caminhei o mais rápido que pude para o quarto, abri o guarda-roupa e decidi escolher o melhor terno que tivesse.
Quando o retirei notei que no armário havia uma caixinha, bem perto das minhas coisas. Achei estranho, nunca havia visto uma parecida.
Peguei o objeto e sentei-me a cama para abri-lo.
Um relógio. Mais um para minha coleção.
Oh, Margareth!
Minhas lágrimas vermelhas rolaram mais uma vez, agora com mais intensidade.
E ao fundo da caixinha vi um envelope. Sem demora abri, era uma carta.
Recompus minhas forças e prontifiquei-me a ler a carta. Eram as letras de Margareth, lindas como sempre.
Sorri e comecei a ler:
Mike...
Meu amor quero lhe desejar um ótimo aniversário, e que este dia se prolongue por vários outros anos.
Pois quanto mais envelhecemos, mais indispensáveis parecem às pequenas coisas da vida, compreendemos que há diferentes pessoas no mundo, e que devemos aprender a conviver com as diferenças que às vezes são insuportáveis, e isto se chama paciência que às vezes parece acabar, mas quando amamos, conseguimos nos superar e entender que nem sempre podemos levar tudo a ferro e fogo.
Sei que temos grandes diferenças, mas não podemos deixar um minuto estragar vinte e quatro horas da nossa vida.
Eu te amo e espero que me ame também, pois desejo muito ficar ao seu lado por longos anos, mas se isso não acontecer, quero que seja feliz, muito feliz.
— Margareth.
Eu poderia dizer que neste momento chorei mais que todos os outros dias da minha vida. A dor da perda é insuportável. Eu havia acabado de perceber que não conseguiria viver com aquela dor atroz, invadindo meu peito como uma lança.
Coloquei o relógio no punho esquerdo e a carta no bolso interno do casaco. Saí em disparada para fora da casa, nem sequer fiz questão de trancar as portas.
Com minha velocidade vampírica corri o máximo que minhas pernas poderiam suportar.
Rapidamente eu me encontrava na frente dos portões do cemitério. Olhei para os lados e nenhum movimento, as ruas estavam desertas, mas logo tornar-se-iam movimentadas, o céu já estava clareando-se.
Com um salto pulei os portões de ferro. Fechei meus olhos e pude sentir minha amada. O senso não apontava para frente, nem para trás, muito menos para os lados. Mas ele mostrava-me outro sentido, para baixo.
Mais alguns minutos e pude ver a grande lápide do túmulo de minha amada. No centro do mármore, repousava sua foto, linda, com olhar distante, como se pudesse ver sua alma. Passei minhas mãos sobre a foto, fechei meus olhos e imaginei que fosse seu rosto. Uma vez mais as lágrimas rolaram.
Suspirei e disse: Tenha calma meu amor, quando o sol nascer, me encontrarei com você.
Ao dizer essas palavras abri os olhos e vi o horizonte, vermelho e onipotente. Em breve o astro rei se levantaria.
Senti medo, mas não perdi a coragem. Ali, agarrei-me as bordas do mármore. A dor seria intensa. Mas seria a última.
Quente! Dor!
Minha pele queima! Mordi os lábios e nem sequer um grunhido saiu de minha boca. Com os olhos fechados só tive tempo de repousar minha fronte na lápide, sorrir e dizer adeus a este mundo.