Almir e o Acaso
Amigos em comum, mesma faculdade, o filtro de água do escritório… Isso é coisa para o divórcio em 2 anos, da viagem pra Monte Verde para comer foundie e voltar de pochete. Não o eufemismo para pança, aquela bolsinha mesmo, que vai amarrada na cintura tintilhando moedas e uma capa de chuva amarela e bem dobrada.
- Bons casais começam no inesperado, cara!
Era o que dizia Almir, "o conquistador do improviso", título merecido após conhecer uma namorada colocando rapidamente o seu pé embaixo da roda de um 4×4 em movimento.
Almir acreditava piamente no Acaso e nas mais certeiras flechadas do cupido. Na trombada que espalha papéis antes da reunião e cruza o olhar ao levantar do chão. Da catraca de ônibus que roleta a garota mais bonita que ele viu na vida, e a faz sentar bem ao seu lado.
Mas como nem sempre o Acaso está para presenteá-lo com estes regalos da paixão a primeira vista, Almir criava suas próprias oportunidades.
A noite de Almir não começava com “oi tudo bem” ou “qual o seu nome?”. Não senhor. Se não derrubasse uma bebida numa dama de vestido branco ou engasgasse com a azeitona de um martini comprado a par, nada feito. E grande parte das vezes ele voltava só, frustrado por seu insucesso e com o fato da madrugada não proporcionar sinais vermelhos para emparelhar seu carro com outro, de outra.
Almir era o Rei do Auto-Serviço, como ele mesmo gostava de se coroar. Farmácias, supermercados, padarias… Incontáveis vezes se pegou olhando embalagens de absorventes enquanto observava uma garota passar com sua cestinha de plástico azulado. Olhares entre gôndolas, comentários sobre a diferença entre o italiano e o hamburguês, sugestões refinadas de produtos na sessão de Limpeza:
- Leve este Pinho Sol, é formidável. Faz o mesmo trabalho que o Sapólio, não resseca a mão e dá muito mais brilho.
No trabalho Almir era fechado. Limitava-se ao seu ofício e a pensar nas infinitas possibilidades de encontros inusitados que as esquinas da vida proporcionavam. Ela poderia estar ali, em um muro com as mãos na cabeça durante uma blitz policial, num elevador que parasse entre andares por dias, em tudo que o Acaso - primo-irmão do Destino – colocasse no seu caminho com uma flecha no peito.
Enquanto ele suspirava, flechada ou não, na baia ao lado a míope e simpática Vânia via muita graça naquele rapaz engraçado que pouco falava. Juntos iriam rir muito, fazer viagens, dividir planos e discussões calorosas como as noites regadas a vinho.
Iriam, pois para Almir, tudo isso só aconteceria se num voo eles sentassem nas poltronas 27 A e 27 B, abrindo o mesmo livro ao longo da viagem. Se batessem o carro e trocassem telefones para acionar sinistros na hora do rush. Ou, quem sabe, se o avião caísse com os dois numa ilha deserta?