Porta Retrato
mês 08 do ano 2010
Sob o móvel do seu quarto de solteira, onde tudo continuava no mesmo lugar desde o seu casamento, encontrava-se um porta retrato de prata, onde destacava um magnífico rosto no auge de sua juventude, figura esbelta, silhueta fina, grandes olhos verdes, lábios muito bem torneados, cabelos longos, retrato vivo de uma juventude plena, que há muito se fora, ao seu lado um belo jovem, olhar lânguido, porte esguio.
Alguém com o rosto imóvel contemplava com saudades, aquele pedaço de seu passado, tão longínquo, era como se estivesse ali, como se o ontem fosse o agora.
Nesse instante tudo veio à tona em seus pensamentos - quantas lembranças aquele porta retrato fê-la recordar, seus pensamentos brincavam no ar, em sua mente bailavam doces e amargas recordações - ah! seus dezoito anos, há década se fora.
No entanto, conservava ainda seus belos traços, com apenas pequenas rugas, o que não a fazia menos bela, pois era realmente de uma beleza notável.
Apesar de tudo, aquelas lembranças fê-la chorar, porque há muito ela não sabia o que era ser feliz, conforme fora em sua juventude.
A sua memória reviveu o primeiro amor, há quanto tempo ela não sabia mais o que era o amor, fê-la lembrar o primeiro beijo, há quanto tempo ela não sabia o sabor de um beijo , enfim - há quanto tempo ela esta vivendo por viver, e então se pergunta - de que adiantou tudo o que fêz, abandonou seu único amor, por desavenças familiares, de que serve agora sua beleza, tudo é tão vazio, tão sem razão.
Enquanto ela se perde em seus pensamentos, de longe alguém sem se deixar notar, a admira, cabisbaixo e triste, e quando ela fez menção de sair, já com algumas lágrimas descendo-lhe pela face, ele a chama.
- Olá minha doce menina.
Ela estonteante sequer pôde crer no que ouvira, quem a chamava assim, era unicamente seu primeiro amor.
- há quanto tempo , nunca mais ela ouvira aquela frase, tão antiga, quanto a antiguidade daquele porta retrato.
olhou ao redor, era seu pai, que com os olhos lacrimosos lhe disse:
- perdoa-me filha.
Ela respondeu, - não há o que te perdoar papai, - fique em paz.
De resto, que lhe importava... já estava tudo acabado, varrido definitivamente.
- Então, por que a estranha emoção que dela se apoderara naquele momento em que contemplava o porta retrato. - Senhor Deus, ela pensou - eu ainda o amo, aquela certeza fê-la gelar, pegou o porta retrato, olhou o fixamente e depois pô-lo no mesmo lugar, feito isso, saiu.
Na sala de espera alguém esperava por ela.
- vamos amor.
- sim , vamos querido.
E ambos saíram de braços dados, rindo um riso sem cor e sem brilho, mais um dia se fora, e a noite em breve virá.