Você não sabe o que tem... Até perder
Flávio acordou de manhã, como fazia todos os dias, tomou banho, desfrutou do café e, foi para a universidade. Era um dia frio e chuvoso, bem desmotivador para quem é produtivo numa segunda-feira. Mas Flávio era um rapaz ajuizado e, muito invejado por sua estabilidade. Aliás, sua principal qualidade era o fato de ser estável. Não se via uma pessoa, em seu convívio social, que se comparava à calma pacífica de Flávio. Ele sabia lidar com problemas, resolvê-los com a mais pura das palavras, sem deixar nenhuma seqüela.
Sua fama se espalhara minuciosamente pelos arredores. Mas claro, um sujeito com tantos compromissos sempre expressando um ar de 100% no rosto, sempre simpático, sempre alegre, sempre de bem com vida. Realmente não é uma coisa comum de se ver.
Talvez outra palavra que o caracterize seja a sua pro atividade. Flávio sempre via o além, é como se tivesse um binóculo. Sua mente pensava, captava, procurava entender, calculava cada detalhe, previa, enxergava com outros olhos. Era um dom desenvolvido.
Sua vida era cheia de altos e baixos. Mas é claro, eles eram totalmente contornados, até que um dia, o inesperado - pelo menos para Flávio - aconteceu. Uma surpresa para seu coração, com um impacto provador para os profundos sentimentos.
Ao fim da tarde daquele mesmo dia, Flávio recebeu uma ligação: Era sua namorada querendo conversar. Sua percepção não demonstrou desconfiança, ela realmente tinha esse costume. Marcaram para se encontrar numa cafeteria.
O rapaz tranquilamente se dirigiu ao local, sempre pontual como de costume. Estacionou o carro e saiu andando girando a chave e assobiando.
A poucos metros do estabelecimento Flávio já podia sentir o aroma delicioso dos grãos de café moídos, mas sua avidez foi interferida quando encontrou Lara, sua namorada, sentada esperando numas das mesas de dois lugares. Ela sempre chegava depois. Foi ao encontro dela olhando bem no fundo dos seus olhos. Olhava fixo enquanto andava, como se estivesse procurando algo. Mas ela se desviava do olhar. Flávio sabia. Alguma coisa estava errada.
- Oi amor como esta? Aconteceu alguma coisa?- Falou o rapaz, sempre simpático.
- Esta tudo bem Flávio, quero conversar com você.- respondeu Lara, direta ao assunto.
Flávio sentou-se e aproveitou para pedir um expresso.
- Então qual é a novidade? Vai me pedir em casamento? – Brincou o rapaz, estampando um belo sorriso no rosto.
- Na verdade Flávio eu vim para resolver uma coisa em nossa relação. – Palavras secas e diretas foram suficientes para apagar o sorriso de Flávio.
- Resolver o quê? – A cara de preocupação começou a surgir.
- Eu venho percebendo em nós dois um relacionamento mecânico, o tempo vai passando e a gente começa a ver coisas que antes não víamos. As coisas não estão como antes, você sabe disso. Acho que é melhor nós tomarmos uma atitude diante da situação.
- Está terminando comigo?
- Quero dizer que não há mais entre nós...
- O que Lara, o que não há mais entre nós?- Flávio falava trêmulo – Como você pode jogar todo tempo que passamos juntos no lixo. Não entendo. Até ontem nós estávamos rindo juntos, você me contava as coisas que aconteciam no seu trabalho. Não, não, não tem nada de errado.- Flávio estava nervoso e não parava de falar. – Nosso relacionamento sempre esteve ótimo, não sei do que você esta falando.
Lara estava com a cabeça pra baixo. Talvez fosse muito nova pra passar por uma coisa dessas. Mas Flávio sabia que alguma coisa estava por detrás da história.
- Lara, olha para mim, por favor – pediu carinhosamente o rapaz que temia o pior. – você conheceu outro não é? – Flávio implorou para que não fosse isso.
As lágrimas da garota se exteriorizaram e escorreram por todo o rosto. Ela abaixou a cabeça novamente sem falar nada.
Flávio sentiu uma facada no coração. Sua segurança emocional tão forte se rendeu ao rompimento da relação. Um rompimento injusto e cruel a sua alma.
- Sinceramente Lara, você não sabe o que tem, até perder. Eu te amava muito... como amava.
Flávio se levantou e foi embora, sem se despedir e sem tomar café. Dirigindo para casa se rompeu em pranto. A expressão da instabilidade emocional agora estava estampada em seu rosto.
- Mãe, você estava certa, ela é muito nova e imatura. – Desabafou Flávio a si mesmo.