QUANDO O AMOR É MAIOR
 
 
Fábio era delegado da Polícia Federal, estava integrando uma força tarefa designada para desarticular uma grande quadrilha de traficantes que atuava em São Paulo.
 
Ele e Laura estavam casados a mais de quinze anos e tinham um filhinho de três anos chamado Tiago. Fabio era um policial honesto e competente, homem de confiança dos altos escalões da polícia. Como pai de família só não era perfeito porque isso é impossível para qualquer ser humano, mas ele ficava muito próximo da perfeição.
 
A dedicação e o zelo que tinha com a esposa só era superado pelo relacionamento que mantinha com o pequeno Tiago, eles tinham um relacionamento especial e uma ligação extraordinária. Laura brincava com familiares e amigos mais próximo dizendo que se sentia uma mãe incompetente porque Fábio liquidou com o reconhecido ditado popular de que os homens não conseguem superar as intuições femininas quanto aos filhos. Fábio sabia o que Tiago queria ou estava sentindo somente com um olhar. Bastava o pai se ausentar uma noite apenas de casa que o menino ficava agitado e enquanto não falasse com o pai ao telefone não conseguia dormir.
 
Foi com aflição que Laura recebeu a notícia que Fábio teria que se ausentar por uma semana devido a uma operação que seria executada na Amazônia, próximo a fronteira com a Colômbia. Ela implorou para Fábio não ir, mas ele não era o tipo de homem que fugia as suas responsabilidades.
 
Mesmo cercada de toda sensibilidade necessária que a situação exigia e ouvindo a notícia pessoalmente da boca de Júlio, um colega de Fábio e amigo da família há muitos anos, Laura recebeu a notícia do desaparecimento do marido com a sensação de que a vida literalmente estava sendo drenada do seu corpo. O mundo desabou sobre seus pés e lhe atirou num abismo escuro de medo, vazio e desesperança. Eles se amavam. Só não deu cabo da vida porque viu em Tiago a força que precisava para continuar vegetando, naquele instante teve a certeza que dali para frente iria dedicar sua vida toda e completamente para Tiago. O que falar para ele que já vinha desde o segundo dia de ausência de Fábio pedindo insistentemente pelo pai?
 
Apesar da garantia de Júlio de que a polícia não iria medir esforços para localiza-lo, algum tempo depois as buscas que realmente haviam sido intensas foram encerradas e Fábio considerado oficialmente morto em serviço. Os indícios que o pior tinha acontecido eram inegáveis e sinistros, pois a audácia dos traficantes tinha sido tamanha que haviam enviados fotos para a polícia dos cadáveres de alguns integrantes da equipe de Fábio e uma carta que relatava que os demais haviam sido baleados no momento do ataque ao barco em que estavam e atirados ao rio para serem devorados pelos animais. O corpos de toda equipe nunca foram sequer localizados, quanto mais resgatados, nem mesmo um enterro digno tiveram direito.
 
No começo Laura alimentou esperanças, mas com o passar do tempo restou somente o sentimento de vazio e a certeza que Fábio iria continuar vivendo somente no seu coração.
 
A reação e o comportamento do pequeno Tiago a deixava cada dia mais aflita e preocupada. Inicialmente, ao receber a notícia que não iria mais ver o pai o menino entrou em desespero, passava os dias chorando e chamando pelo nome do pai agarrado em alguma roupa ou objeto que tivesse seu cheiro em busca de algum conforto.
 
O mais estranho veio a seguir, quando subitamente o menino mudou drasticamente seu comportamento. Nunca mais chorou, não chamava mais pelo pai e passou a realizar sozinho diversas atividades que eles realizavam na companhia um do outro. Passava horas sozinho no quarto com a porta fechada, várias vezes ela o ouviu conversando sozinho ou dando gargalhadas, quando ela entrava no quarto e perguntava com quem ele estava falando o menino dizia que conversava com o pai.
 
Cada vez mais preocupada, a mãe procurou a ajuda de um psicólogo que inicialmente a tranqüilizou dizendo que era uma forma de fuga que ele havia encontrado para lidar com o trauma, alegou que isso era comum até mesmo em adultos e no caso das crianças o quadro ilusório ficava ainda mais potencializado pelo grande poder de imaginação e ingenuidade das crianças. Fique calma e gradativamente vá conversando com ele e dizendo que o papai esta no céu ou coisas do tipo, mais cedo ou mais tarde ele vai sair deste estado inconsciente de negação. Com o tempo o quadro vai melhorar.
 
Não melhorou...
 
O tempo só piorou as coisas e transformava a perda para Laura em algo ainda mais sofrido. Cada vez que ela falava em uma linguagem apropriada que o pai não iria retornar, ele dizia que o pai conversava com ele o tempo inteiro.
 
Certa vez, ao ouvir novamente que o menino afirmava que o pai mantinha contato com ele, em um ato de insensatez incitou o menino a “perguntar” ao pai onde ele estava que ela iria buscá-lo, o menino respondeu que o pai queria voltar para casa mas não podia porque não sabia onde estava. Neste momento ela teve certeza que se tudo se tratava da imaginação do menino e sem conseguir falar mais nenhuma palavra disse que iria tomar uma banho e desabou num convulsivo acesso de choro embaixo do chuveiro.
 
Algumas pequenas coisas foram deixando Laura apreensiva, o menino se negava terminantemente que ela lê-se histórias infantis para ele ou lhe ajudasse nas tarefas. Isso era uma das coisas que eles faziam juntos. Até aí tudo bem, ela entendia. Mas como explicar o desenvolvimento cada vez maior do menino sem qualquer tipo de ajuda de um adulto?
 
Um dia, mãe e filho estavam sentados na sala de estar, ela assistindo televisão com um olhar vazio e ele sentado na mesa rabiscando algo em seu bloco de papel. Perdida em seus pensamentos, Laura deixou escapar uma frase que estava pensando e sem sentir saiu baixinho de sua boca como que conversando com ela mesma:
- Pode parecer bobagem, mas eu queria tanto que nesta viagem você não tivesse levado sua aliança. Ao menos eu teria o símbolo do nosso amor para sempre junto de mim.
Ao ouvir isso o menino respondeu:
- Mamãe, o Papai ta dizendo que deixou a aliança dele em casa. Está guardada no roupeiro, no bolso interno do paletó cinza que você odeia...
Laura não conteve o choro e correu até o quarto em uma busca frenética, momentos depois olhava incrédula para a aliança em suas mãos.
 
Ela parou de agir racionalmente, era impossível o filho saber isso. A única explicação, lógica ou não, era que realmente Fábio estava se comunicando com Tiago.
 
Contendo a ansiedade em sua voz, Laura foi até o filho e falando que agora acreditava nele, perguntou se podia fazer algumas perguntas para o Papai. O menino disse que sim e ela começou:
- Onde você esta?
- Não sei, ainda estou confuso mas as coisas estão voltando lentamente. – respondeu o menino.
Mas desta vez Laura não desistiu:
- Onde foi nosso primeiro beijo?
- No aniversário de quinze anos da sua irmã, isso eu me lembro bem, você se fez de difícil e tive que insistir muito...
Tomada de alegria com a resposta, Laura tornou a perguntar:
- Qual o nome da sua ex-namorada que eu tinha ciúmes?
- Alessandra.
Ela não precisou perguntar mais nada. Utilizou o resto do tempo externando todo sentimento de paz, alegria e amor que estava sentindo.
 
Laura chamou Júlio poucos dias depois sem falar do que se tratava, ao ouvir a história mostrou-se cético inicialmente, mas pouco depois ao passar pela mesma prova de Laura não teve dúvidas que estava realmente falando com Fábio através de Tiago.
 
Ainda levou um bom tempo até que Fábio conseguisse passar as informações mínimas necessárias para que fosse localizado, mas com paciência e uma enorme dedicação de Júlio, uma grande mobilização foi montada e Fábio localizado ainda em estado de coma numa população ribeirinha da Amazônia. Ele havia sobrevivido por milagre, pois após ser baleado e dado como morto foi lançado despido no rio pelos traficantes. Um pescador o resgatou, levou-o para um local seguro, tratou seus ferimentos mas não quis arriscar procurar a polícia devido a vários policiais corruptos na região, além disso, ele não fazia a mínima idéia de quem Fábio pudesse ser.
 
Fábio permaneceu quase quatro meses em coma na floresta e mais 44 no hospital, até que recuperou a consciência em uma manhã de outubro com Laura e Tiago ao seu lado. Ao ser perguntado por todos que tipo de ligação ele tinha conseguido estabelecer com o filho o melhor que ele conseguiu responder foi: “Quando o amor é maior, milagres acontecem...”
 
   
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