O grito da fera
Amanheceu chovendo e um grito violento no meio da mata surgiu. O grito atravessou o vilarejo da lua com uma intensidade descomunal, que fez a minha pele arrepiar de medo, vendo os moradores daquela pequena cidade misteriosa ficarem estremecidos e curiosos.
Alguns subiam nas pedras tentando ver a tal fera furiosa, enquanto outros mais medrosos e precavidos subiam nos telhados das casas num ato de esperteza, querendo vê-la na certeza de estar longe de seu alcance e de suas garras amaldiçoadas.
O grito feroz da fera ameaçava atacar a qualquer momento e enquanto eu me preocupava tentando localizá-la os moradores trancaram suas casas me deixando desprotegido e entregue à sorte.
Seus gritos desesperados me deixavam aflito e acuado num vazio abandonado pelos espectadores, que apenas observavam atentamente com os olhos aflitos na certeza de um espetáculo cruel e sanguinário, deixando- me como um prêmio para conseguir um ato de compaixão da fera.
Ela gritava ameaçando atacar enquanto os moradores alertavam aos berros: - Corre! Se não a fera vai te pegar!
Num momento tão tenso eu não conseguia apurar a realidade dos fatos, desta maneira não sei se torciam pela minha fuga ou pela minha sina de presa fácil para uma fera poderosa e cruel.
Um eclipse momentâneo chegou trazendo a noite com seus segredos ocultos parecendo estar ao lado da fera, pois tapava meus olhos com sua escuridão, então resolvi atacá-la para ter a certeza de que não seria surpreendido, assim a presa se tornaria a fera e a fera a presa num momento em que a lua escondeu a luz de mim.
Os gritos eram assustadores e eu apenas via seus olhos brilhando no meio dos arbustos molhados, então resolvi me aproximar. Caminhei atentamente e em silêncio no meio da lama tentando pegá-la desprevenida e indefesa num ataque surpresa.
Os olhos atentos das pessoas não acreditavam no que viam e uma dúvida entre eles afogava seus momentos de curiosidade transformando num silêncio de tensão e medo.
À medida que eu caminhava camuflado naquele vácuo de luz pelos cantos das pedras numa trilha lamacenta, percebia o olhar dela me seguindo a cada passo que eu dava, ela ficou alerta e esperta, mas agora com a dúvida de quem era a presa. Naquele momento de apreensão ela parou de gritar e passou a observar-me com atenção e interesse esquecendo as dores da solidão.
Não sei se ela estava nervosa ou ansiosa, só sei que a cada passo estava mais próximo dela, quando eu ficava em silêncio, escutava sua respiração cansada e tensa. Subi em uma pedra e deparei com ela frente a frente, olhos nos olhos na expectativa de quem iria atacar primeiro. Para surpresa dos moradores daquela pequena cidade que previam o meu fim, eu a ataquei num salto suicida sobre o seu corpo felino.
Caímos atrás da pedra e fora do alcance dos olhos curiosos dos expectadores deixando uma dúvida no ar, pois nunca mais me viram, nem os gritos da fera ouviram. A última coisa que se lembram e comentam é meu ataque suicida saltando da pedra para a morte certa, porém não foi bem isso que aconteceu, no momento em que ela esboçou um abraço feroz, encostou seu rosto ao meu aliviando o sofrimento do seu coração e a dor da solidão, se transformando numa gata carente e meiga.
Fugimos daquela cidade escondidos entre os arbustos e agora vivemos em um bosque próximo, quando a noite chega trazendo a escuridão, traz também a solidão que é uma fera furiosa fazendo o peito doer de tristeza e dor. Do nosso ninho de amor ouvimos feras solitárias gritando e implorando por um remédio chamado amor para aliviar sua dor.
Paulo Ribeiro de Alvarenga
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