FESTA DE SANTO AMARO

Trabalhávamos na Cooperativa dos ferroviários, eu e o Olímpio. Sexta feira, dia de pagamento,recebemos nossos salários descontados os vales e com certeza iríamos queimar tudo na festa de Santo Amaro. Ficava cerca de uns 80 km de onde morávamos e faríamos o trajeto de trem. Havia um terceiro convidado, recém admitido no grupo. Rafa era do centro de Rio Pardo, filho de um comerciante e entrara na turma depois do ritual rigoroso de admissão. As regras eram claras. Duas tampinhas de cerveja para cada membro. Naquela época só tínhamos Brahma e Antártica. Uma vermelha a outra azul. Tinha que haver unanimidade. Assim cada membro depositava em um caneco de chope uma tampinha azul. Se houvesse uma vermelha, o novo membro não seria aceito. Rafa passou na prova e depois de jurar fidelidade, lealdade e companheirismo. Recebeu o tradicional batismo. De joelhos com as mãos postas, um banho de cerveja completo. Cada um com seu salário, ou o que sobrou dele, inclusive o Rafa, que trabalhava com o pai. Tomamos o trem noturno que passava em Ramiz a meia noite e cerca de uma hora mais tarde desembarcamos na estação de Santo Amaro. A festa corria animada e um conjunto musical animava o baile em um coreto erguido na praça. Santo Amaro era um povoado pequeno com a estação férrea, uma igreja, (sempre tem uma) um pequeno hotel, dois armazéns e um restaurante, farmácia e alguns botecos. Fomos direto para o baile e percebemos que não seria muito fácil dançar. Completamente lotado e cheio de gaúchos com suas bombachas e botas com espora e tudo. Nós éramos os únicos vestidos de terno e gravata. Calculamos que arranjar namorada ali não seria difícil, pois chamávamos a atenção naturalmente. Naquela época o Olímpio ainda não namorava a Claudinha e partiu direto para as suas habituais investidas. O conjunto atacou um bolero e a cantora de voz rouca e agradável mandou o recado. Tirei para dançar uma morena sorridente que ascendeu sem relutância e saímos tentando dançar e driblar as esporas ao mesmo tempo. O rafa dançava com uma loura oxigenada e o Olímpio já havia levado uns dois foras. Depois de umas duas “marcas”, como falavam os gaúchos, resolvi ir ao balcão pegar uma cerveja e dois copos. Quando voltei, meu par havia sumido.

– Foram embora. Falou o Olímpio que afinal dançava com alguém. Nisto, percebo a Claudinha vindo em minha direção com um sorriso de boas vindas. A Claudinha era uma amiga, confidente e leal. Morávamos no mesmo bairro e ela costumava visitar frequentemente sua tia que morava em Santo Amaro. Minha salvação nas horas difíceis. Era ótima dançarina, leve e graciosa. Dava-me prazer dançar com ela. Chegando perto de mim, obviamente saímos dançando.

- Tenho uma novidade pra você. Falou enquanto rodopiávamos ao som de Danúbio azul. Quero que conheça a rainha da festa.

– Rainha? - Sim, é uma amiga que chegou de Santa Maria e está morando em Ramiz.

- Onde está ela?

– Calma, ela está dando uma entrevista pra rádio e o jornal e logo virá pra cá. Sim havia no meu bairro, uma nova garota e eu não sabia. Isto era imperdoável, mas, o que fazer? O conjunto interrompeu a música e atacou de fanfarras e clarinadas anunciando a presença da rainha subindo a escada do coreto, acompanhada pelo padre e o prefeito. Meus olhos deram de cara com aquela garota morena de incríveis olhos verdes e inteirinha portadora de uma beleza capaz de provocar uma tempestade em meus hormônios e mandar o meu batimento cardíaco para as alturas. Andava com graça e o corpo perfeito, a cintura na medida exata, cingida por uma faixa cujos dizeres, Rainha etc. Até hoje não sei o resto. Seguiram se os tradicionais discursos do prefeito e seus coadjuvantes dos quais não ouvi uma só palavra. De repente, seus belos olhos encontraram os meus e foi como se um poderoso imã os atraísse. O olhar de uma mulher é um livro aberto e eu já o lera todinho. Era como se trocássemos mensagens telepáticas de juras inconfessáveis. A Claudinha já percebera e havia tentado falar comigo, mas, eu estava magnetizado por aquela deusa rainha, claro não poderia haver no planeta, ninguém mais capaz de lhe tirar a coroa. Após o termino da cerimônia, Claudinha tratou das apresentações. A rainha já sem a faixa e a coroa, chamava-se Martiña ou para nós, Martinha. Filha de pai brasileiro e mãe espanhola. Nosso primeiro beijo, não foi aquele de comadres, foi direto na boca e tão intenso e sensual quanto demorado. Seguimos abraçados e entramos na pista ao ritmo de um samba canção e seguimos já nem dançando apenas flutuando como se o resto do mundo fosse uma superfície vazia e só existíssemos nós dois. Já eram 4 h da manhã quando notamos que a festa esvaziara e o conjunto apenas servia à uns poucos pares na pista. Claudinha arrancou-nos daquele mundo particular em que gravitávamos. Sua tia só esperava que parássemos de dançar e chegou a hora das despedidas. Acompanhei-as até o carro da família e fui à procura de meus parceiros. Encontrei-os vindo em direção à praça. Não havia onde dormir. Estava tudo lotado inclusive a igreja. Casas particulares também não tinham mais espaço. Não entendia como um pequeno povoado conseguia atrair tanta gente para uma festa de igreja. Restava dormir no banco da praça, no gramado ou passar a noite andando. Optamos pelo banco, mas, uma chuva repentina anunciou que a idéia não era boa. Procuramos abrigo embaixo de uma marquise de onde vislumbrei um parque de diversões. A chuva amainou um pouco e andamos até o parque. Um carrossel parecia proposital, tinha cobertura de lona e aquela hora, fechado com paredes laterais também de lonas.

– Vamos por baixo da lona. Falou o Olímpio.

– Acho melhor chamar, pode ter alguém. Com efeito, chamamos e uma voz mais parecendo um trovão falou, - Já vai! Surgiu então á uma abertura lateral a imensa figura de um negro vestido só de cueca empunhando um facão que parecia uma espada samurai. Era igualzinho aquela figura do gênio da lâmpada de Aladin. A cabeça careca com aquela mecha preza por um anel, exatamente como a figura da conhecida saga. A imensa criatura mandou que entrássemos e após explicarmos o ocorrido, falou,

- Fiquem a vontade vou buscar umas coisas pra vocês dormirem. Voltou logo com alguns pelegos, cobertores e travesseiros. Afinal o nosso gênio da lâmpada atendera nossos desejos de uma noite de sono confortável, dadas as circunstancias. 7 h da manhã o gênio nos acordou, com um chimarrão caprichado que sorvíamos enquanto ele assava uma generosa costela.

Pediu desculpas pela hora e disse que precisava abrir o parque. – Se vocês ficam esta noite, podem voltar pra dormir. Agradecemos a hospitalidade e ficamos amigos do gênio. A festa durava de sexta a domingo. Estava começando o sábado e o movimento começava a aumentar e o som dos sinos anunciavam a missa. O Rafa resolvera acompanhar a missa e eu e o Olímpio preferimos aguardar na praça. As garotas certamente estavam na igreja e resolvemos tomar uma cerveja. Terminada a missa depois de uma hora e meia de espera, estávamos todos curtindo um papo animado regado a cerveja. Já passava do meio-dia e resolvemos todos ir ao restaurante local. Uma construção simples, ampla com longas mesas. Arrumar uma mesa para nós, foi bastante fácil, pois eu trazia a tiracolo, nada mais que a rainha da festa. Um terreno contíguo ao restaurante, servia de matadouro improvisado onde eram abatidos os bois que iam virar bife logo adiante. Os bifes eram servidos em travessas, pois não cabiam no prato. Eu e a Martinha dividimos um e deixamos o outro para o Olímpio que era um bom garfo e a esta altura estaria com fome. Contamos a história da noite anterior e como havíamos dormido no carrossel. Após o almoço, rumamos para a praça para exercitar o saudável exercício de namorar e as vezes uma dança no coreto. O baile ali começava pelas 15 h e ia madrugada a dentro. Foi uma noite completa, como a tempos eu não vivia. Martinha e eu estávamos apaixonados perdidamente e só tínhamos olhos um para o outro. Depois do baile cumprida a tarefa de acompanhar as garotas até o carro, rumamos para nosso hotel carrossel. Devidamente acomodados comentamos as ocorrências do dia e finalmente decidimos dormir. Eu pensava na Martinha e não conseguia conciliar o sono. Já fumara uns dois cigarros imaginando encontra-la novamente. Repentinamente um vulto esgueirava-se silenciosamente sob uma das lonas laterais e para meu espanto, dei de cara com os maravilhosos olhos verdes da Martinha. Tentei falar, mas ela colocou suavemente seu dedo indicador sobre meus lábios. E assim nos ajeitamos sob o cobertor e aí ela falou baixinho no meu ouvido,

- A Claudia sabe que estou aqui, veio até aqui comigo e voltou. A tia dela dorme como uma pedra e ainda é surda. Nos abraçamos e entre beijos e carícias, cochichou ao meu ouvido, - É minha primeira vez.

Senti um calafrio na espinha, mas, me recuperei. Tinha na minha improvisada cama, uma garota virgem e agora me cabia a mais doce e excitante das tarefas de um homem. A primeira vez de uma mulher é algo muito profundo e sensível. Teria que ter o maior carinho e ser o mais delicado possível. Como já tinha experiência anterior, não me foi difícil cumprir a tarefa. Tomei-a nos braços e suavemente iniciamos um ritual de intensas carícias e eu procurava deixa-la à vontade em suas descobertas dos excitantes detalhes de uma relação bem sucedida. Sentia sua emoção e seu coração pulsando intensamente a cada movimento que fazíamos. Foi algo indescritível e intenso de uma forma absolutamente irreal, como num sonho do qual eu não queria despertar.Gemidos sufocados por intensos beijos e quase imperceptíveis para não acordar os outros.

Sem falar em algumas cabeçadas na pata do cavalo do brinquedo sobre a minha cabeça. Finalmente dormimos abraçados como se nossos corpos fossem um só. Pela manhã acordei com o gênio de braços cruzados meneando a cabeça com um sorriso maroto. Percebendo que já estávamos acordados, falou alto,- Nega põe mais uma xícara que tem mais gente pro café. Martinha sorriu ainda meio envergonhada e fomos para o café gentilmente preparado por dona Maria a esposa do gênio. Não havia chimarrão, pois ele deixara-nos dormir um pouco mais. Era domingo e iria abrir o parque mais tarde. Olímpio me olhava como a indagar, o que eu teria feito para ter a rainha da festa, dormindo na minha cama. Despedimo-nos do gênio e sua esposa pois teríamos que voltar domingo a noite. Havia trabalho esperando na segunda feira. Rumamos para a praça e encontramos a Claudinha que nos levou a casa de sua tia, pois precisávamos de um banho e trocar de roupa. Quando saí do banheiro, notei que as duas cochichavam e que o alvo do papo era eu. Com certeza a Claudinha já sabia nos mínimos detalhes. O restante do dia levamos entre beijos e carícias.Algumas danças e comentários sobre a noite anterior e a audácia da Martinha em invadir o carrossel. À noite, jantamos e fomos curtir o baile até aproximar-se a hora de tomar o trem de volta para casa. A Martinha e a Claudinha agora viriam conosco.

A viagem transcorreu sem incidentes embora a Martinha preferisse viajar agarrada a mim na porta do vagão, junto a portinhola de proteção. Desembarcamos e subimos em direção ao centro do bairro para deixá-las em casa. Ao aproximarmo-nos do clube dos ferroviários, o som de uma orquestra denunciava uma domingueira freqüente naquela época. Naturalmente mudamos de rumo e entramos com tudo no baile. Eram só meia noite e dez e ainda havia muita noite pela frente. Embora a grana já estivesse no fim, tínhamos crédito na copa e a cerveja voltou a correr solta. Lá pelas tantas, Martinha me puxou pela mão e andamos ao longo da cancha de bolão, ( um jogo semelhante ao boliche, porém com 9 pinos.) Ao final da prancha de uns 30 cm de largura e uns 15 m de comprimento onde a bola corria, finalizando em um terminal com os pinos arrumados. Havia uma parede protetora com um espaço atrás onde ficavam os garotos incumbidos de devolver a bola. O local estava escuro e naturalmente ideal para nossos jogos amorosos. Um sofá velho arranjado contra a parede servia de descanso para os garotos e veio a calhar. Sugestivamente a Martinha me beijou e me puxou para o velho sofá. O espaço em volta não era o ideal, mas não estávamos preocupados com isso e devido a circunstância nem nos despimos, apenas facilitamos as coisas. Bem você sabe! Aquela garota sabia como excitar-me e nos entregamos completamente ao prazer intenso que nos envolvia num êxtase indescritível. Eu nem imaginava que estavam começando ali os 3 anos mais loucos e intensamente vividos de toda minha vida. Talvez por termos começado de forma tão inusitada ela tenha feito disso uma opção de sempre procurar os locais mais bizarros para nossos atos de amor. Foram 3 anos de completa e insana loucura onde o que menos contava era o local que ela elegia para amarmos. E como amamos. Saímos do baile ao amanhecer e eu e o Olímpio, direto para o trabalho, mal podendo nos sustentar de pé. Mas com certeza faríamos tudo novamente.

Lauro Winck
Enviado por Lauro Winck em 13/04/2010
Código do texto: T2194145
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