A MULHER DOS QUADROS
Por Alex Sandro M. Spindler
Revisão; Professor Roberto Fogaça Reis
Escritos retirados de uma velha escrivaninha do Senhor Augusto, repousavam lá vários papéis retangulares, lápis coloridos e descoloridos; aqui encontram–se os rascunhos manchados de café...
27 de Maio,
Nem mesmo sei porquê escrevo neste exato momento, mas depois de alguns poemas que escrevi nestes últimos meses, sinto cada vez mais necessidade da palavra escrita, como antes nunca necessitara. - Bem, ah..., fotografia, interessei-me pela sua arte (e também minha) ainda na infância, gastava filmes inteiros tirando fotos escondidas com uma antiga câmera de meu pai. Tempos depois viria o castigo, já que ainda estavamos nos anos setenta, ou seja: ditadura no Brasil. Mais tarde iniciei o curso de fotografia na Universidade Federal em 1989. De lá para cá fotografei todo tipo de evento em busca de aventura, sexo e principalmente amor à fotografia. Gradativamente conheci, transei e fotografei modelos e outras pessoas importantes em todo o país... Aconteciam, realmente, coisas demais em pouco tempo, eram vulvas, seios, e pelvis por todo lado naqueles anos. Todavia, amigos, empresários e certas mulheres consideravam-me um prodígio, pois sempre tive um gosto peculiar, para arte, principalmente fotografia - palavra essa que vem do grego; [fós] ("luz"), e [grafis] ("estilo", "pincel"), e significa "desenhar com luz" - Fotografia é, essencialmente, a técnica de criação de imagens por meio de uma exposição luminosa, fixando esta em uma superfície sensível. Mas isso não vem ao caso no momento. Vamos ao que interessa, meu novo amigo. Então, me conte, você acredita em amor?
31 de Maio,
Em certa tarde nublada, fui a uma cidade vizinha, em busca de alguma nova moldura para um novo trabalho. Por ser uma cidade pequena, tinha apenas uma loja de molduras, que ficava na rua central em frente a um posto de gasolina. A frente da loja era toda de vidro, com um grande balcão logo na entrada. Lá fui atendido por uma jovem, linda e muito gentil, que, após mostrar-me uma dezena de molduras, continuava paciente e atenciosa. Após alguns minutos, acabei por escolher uma com detalhes greco-romanos. Agradeci a atenção e saí pensando em todas as suas qualidades.
Ao chegar em casa, e retornar aos trabalhos, logo coloquei o retrato de uma modelo na nova moldura. Já emoldurado, coloquei-o na minha sala exposicional, porém, continuava a pensar na beleza e delicadeza da jovem enquanto catalogava outras fotos em um portfólio até não mais poder lembrar quais eram traços reais ou não do que recordava. Fui com um amigo, Ivan mais precisamente, a um pequeno Pub, o intuito era apenas beber e descontrair. Logo o clima mudou e já não mais falavamos sobre os adolescentes rídiculos que compravam maços de Classic, mas sim de mulheres, ou melhor das dificuldades contemporâneas de se relacionar com elas. Ivan “o Glorioso”, como era conhecido pelos amigos, sempre tivera facilidade com mulheres. Aparentemente bem-sucedido e sem medo de fazer elogios aos cabelos, lábios ou as marcas de biquni que passavam, conquistava-as com charme e lábia dócil, não mais.
3 de Junho,
Após dois dias, percebi que havia esquecido por inteiro a beleza da jovem que me vendera a moldura. Decidi, quase que instantaneamente: compraria novas molduras com o intuito de revê-la. Ao chegar na cidadezinha, fui diretamente à casa de molduras, ela estava ocupada atendendo outro cliente, então, esperei atenciosamente, escolhendo bem as palavras quais usar.
- Pois não, Sr.?
- Augusto! - Respondi entusiasmado - Eu gostaria de um novo caixilho, mas algo realmente único, não importando o valor.
- Caixilho? Uma moldura!?
- Sim, isso!
Ela mostrou-me algumas molduras, das quais escolhi uma com detalhes espanhóis, parecia a preferida dela. Agradeci a atenção e saí sem desgrudar os olhos da sua beleza. Você não faz ideia da beleza dela! Acredite no que lhe digo meu amigo, eu imploro. É realmente surprendente, não? O amor!
5 de Junho,
Ainda pensava na sua beleza e em o que fazer com esses desejos para com ela. Todavia, sabia eu, que era praticamente um sonho irrealizável, ou talvez até antiético para alguns, porém, o que é a ética se não um modo de privar-nos do que realmente queremos ou pensamos? Decidira fotografá-la, apenas para poder vê-la sempre que desejasse. Tiraria algumas fotos em Preto & Branco, já que adorava o efeito e a fotografia nascera desse modo, mais precisamente com o preto sobre o branco, no início do século XIX. Desde as primeiras formas de fotografia que se popularizaram, como o daguerreótipo - aproximadamente na década de 1823 - até aos filmes preto e branco atuais, houve muita evolução técnica. Atualmente, os filmes têm uma grande gama de tonalidade, superior até mesmo aos coloridos, resultando em fotos muito ricas em detalhes. Espero que tenha compreendido, meu caro, que no dia seguinte, segui em direção a cidadezinha, levando minhas melhores lentes para fotos a distância. Logo que cheguei, comprei ração para os pássaros que ali rodeavam. Tirei a câmera da maleta e fotografei alguns deles e depois daquela mesma distância à mulher dos meus olhos e lentes. Beleza, poderia ser seu nome. Bela como a lua, suave como o vento fino e provocante como um penhasco, tomava meus minutos... O tempo já não era o mesmo. De acordo?
6 de Junho,
Revelei as tais fotos e coloquei-as em molduras, uma em menor resolução pus na carteira, para que a qualquer momento do dia pudesse vê-la. De vez em quando, ao pagar o supermercado ou comprar um CD, ficava longos segundos olhando para a fotografia, esquecendo muitas vezes o que estava a fazer. O princípio da fotografia diz que as imagens são produzidas pelas sombras de objetos no papel fotográfico, mas ela não era sombra e sim luz. Passavam-se alguns dias, e então, ia revê-la e comprar novas molduras. Alguns amigos convidavam-me para ir a um bar ou restaurante, não lembro, mas me recusava sempre dizendo que estava muito ocupado. Coisa idiota de se fazer, não? Pensando bem, meus amigos iriam entender, além disso, eu não poderia me dar ao luxo de falar-lhes dela, poderiam ficar interessados apesar de nossa amizade, sei como funciona o coração e desejos de um homem... Jamais permitiria isso! Ela pertence a mim, só e exclusivamente. Você entende o que eu digo, meu amigo? Entende do coração do homem como eu? Dos anseios, desejos e o amor... Não! Talvez você nunca entenderá.
9 de Junho,
Muitas vezes, no meu tempo livre, compro presentes para a minha amada, mas sinto cada vez mais, o quão impossível é tal amor. Decidira divorciar-me, o que ocorreu tranquilamente, já que Amélia e eu não haviamos tido filhos e nem sequer havia amor algum na nossa relação. Apenas suportávamos um ao outro, você sabe, como a maioria destes casamentos que eu ou você conhecemos... Sociedade antiquada, não? Certa tarde, mal sabia eu o que estava prestes a descobrir. O dia estava cinzento e úmido demais, folhas feias, inteiramente, rasgadas e perfuradas caiam do pé de oliveira, e eu estava a esperá-la na saída da Casa das Molduras que parecia ter os vidros sujos naquela tarde. Um rapaz, aparentemente na vintolescência e bem na moda, segundo a televisão lá de casa estava a esperá-la. Ela foi ao seu encontro e tocou delicadamente os lábios que eu passava noites a idealizar. Dor machucando à dor, agulhas entrando na madeira... Seria o amor passível de medida, seu infeliz? Responda-me! A culpa é toda sua, de tudo!
13 de Junho,
Precisava esquecê-la! Pela manhã, joguei todas as suas fotos fora e continuei meus trabalhos, que me lembravam a todo o momento dela, pois as modelos em que estava a trabalhar lembravam-me muito da sua beleza. Liguei para um amigo, Alfredo mais exatamente, logo combinamos de encontrarmo-nos como nos velhos tempos em um bar. Cheguei cerca de 15 minutos antes, pedi um maço de Malboro e sentei em uma mesa ao longo da janela, lá podia ver toda a avenida. Mães passeavam com crianças, homens de terno e sapatos bico fino passavam com pastas pretas nas mãos, também havia policiais, apáticos nas esquinas como de costume. O bar estava quase vazio, alguns minutos depois que entrei um homem de aparentemente cinquenta e poucos anos também havia entrado, carregava um livro grosso do qual não podia ver o título, pois ele o segurava com força contra o corpo, sentou-se umas duas mesas à minha frente, havia se passado vinte minutos que eu havia chegado e Alfredo ainda não chegara, murmurei. Ordenei então um capuccino sem açucar e voltei a olhar pela janela. Um fusca virava lentamente a esquina e parava em frente ao bar matinal. Alfredo desceu do carro e entrou bar a dentro fumando, vestia um casaco um tanto quanto exagerado já que o inverno não era rigoroso naquele ano.
– Sente-se, por favor. Como andam as coisas? Precisava muito da sua companhia meu amigo.
– Bem, aqui estou! Estou óptimo obrigado. Qual é o problema, Augusto?
– Estou perdidamente apaixonado por uma mulher.
– Isto é bom, não? Você está só, Amélia já não mora com você. Me conte tudo...
– Sim, eu estou só, mas essa mulher que lhe falo não. E pior: ela é muito jovem. Nunca daria certo. Ela nem sequer me nota, eu faria qualquer coisa, mas tudo isso parece irrefutável.
– Está bem, faça o seguinte: tire uns dias de férias, fique em casa, vá até a minha casa... Tente esquecê-la por uns dias. Que tal?
– Soa encantadoramente bem, como um suicídio em partes.
– Nos veremos daqui alguns dias, fique atento ao telefone. Agora preciso ir. Adeus! Tenha cautela e paciência.
Após tentar amá-la, odiá-la, conquistá-la, entre outros, precisava agora esquecê-la. Só precisava revê-la uma última vez... Com frases decoradas de Shakespeare e pensamentos pessimistas de Freud, lá estava eu.
14 de Junho,
Ela estava linda! Com uma calça de brim clara, blusa preta que destacava os vultuosos seios e uma maquiagem nem exagerada nem pouca. Exatamente perfeita! Seus lábios fartos, seu pescoço convidativo e os gestos espontâneos, contudo eróticos, faziam meu coração palpitar e a mente atrapalhar-se. Ela tinha um olhar discreto, jeito submisso de ser, mas um encanto e aspecto de quem sabe mais do que demonstra. Falava devagar, pausadamente e sem preocupação.
- Bom dia, Sr. Augusto. Em que posso lhe ajudar?
- Oi, sim! Claro, ãhn... Eu gostaria de um caixilho, suspirei.
- Oh, sim, claro! Algum estilo ou arte específica?
- ...espanhol
- Espanhol? Certo. Aguarde um momento...
Então recusei diversos modelos para ficar a ouvir sua voz explicando os detalhes e valores de cada um deles. Agradeci e saí com lágrimas nos olhos, a cada passo que dava uma nova lágrima, enquanto, o coração, sofria uma tempestade subitamente. Já a uma certa distância, Virei-me e fotografei-a. Verificava a profundidade de campo fotográfico e o grau de corte temporal. Diferentes distâncias focais das lentes permitem variar a conformação da imagem. Desviar o pensamento manteve mente desocupada.
21 de Junho,
No carro, voltando para casa, pensava: “preciso lutar por esse amor ou simplesmente amar sem um comprometimento maior que o amor”. Revelei novamente as fotos da minha bela sem nome, ou poderia eu chamá-la de “Vênus dos meus quadros”. William Adolphe Bouguereau permitiria a analogia, pois das belas, a simples“vendedora de molduras” era a única infinita. Em um evento de fotografia encontrei-a e fui conversar ou simplesmente aproximar-me.
- Oi, tudo bem, Srta.?
- Apenas Adoriabelle, ou “Belle”, por favor!
- Não sabia que frequentava este tipo de evento.
- Estou acompanhando meu chefe.
Pensei em algo para lhe falar em seguida, mas nada consegui. Quando retornei os olhos para ela, já se encontrava conversando com uma amiga, suponho.
25 de Junho,
O que eu teria a oferecer a uma jovem na idade dela?
Eu sou romântico, poderia preparar jantares a luz de velas vermelhas, incensos afrodisíacos, véus coloridos na sala, Vinho Cabernet e, como trilha sonora, os dois primeiros LP’s dos Beatles. Desde que me lembro as mulheres gostam de romance, certo? Se bem que os tempos são outros, os anos passaram, as mulheres têm mais autonomia, mas será que elas ainda estão dispostas ao romantismo do século XVII, por exemplo. Espero que sim...
O que você acha? Pare de julgar-me!
26 de Junho,
E o que ela teria a oferecer? Além de beleza esplêndida e educação decorada? Qualidades pejorativas, não? Contraditório, talvez. Estaria uma mulher tão jovem apta a conversar sobre assuntos existenciais, filosofia, política arte e fotografia de verdade? Ou isso, ou estaria fadada a vender molduras e sorrir.
Acredito que sim, ou pelo menos imaginava isso. Parecem ridículos muitas vezes os pensamentos que circulam minha mente. O que eu estou tentando fazer? Desapaixonar-me por causa de tal superioridade intelectual? Só podia ser a mente tentando trair o coração. Afinal quem prega as peças do amor, mente ou coração?
1 de Julho,
Eu tinha que tentar, mas a batalha já começava perdida. Belle estava namorando e parecia-me muito feliz com tal namorado. Restavam apenas sonhos. Ilusão de poder em um momento sequer tocá-la, mas como? Como imaginar, sonhar e amar platonicamente era difícil, principalmente, quando se sabe o significado da palavra. Amar em “sine die”. Seria isso possível? Ou simplesmente normal, um homem “velho” apaixonar-se? E quando digo apaixonar não me refiro ao quotidiano flertar e desejar, mas sim amar sem limites! Como podia o amor ser tão complexo apesar de minha idade e conhecimento? Não sei. Talvez nunca saiba... Só me resta esperar, ou melhor dizendo; Sofrer. Sou mesmo um velho babão em cores. Fiquei trancado com os meus sentimentos durante uns dois meses, eu acho. Agora escrevo, e depois? Só sei que, por ora, suas fotos já parecem velhas e descoloridas.
16 de Julho,
Apesar de cansado, e da chuva incessante, fui fotografá-la rapidamente. Ela estava linda como de praxe. Cachecol colorido, casaco escuro e pele rosada. Enrolado nos cobertores olhei suas fotos, logo dormi no sofá com o chocolate quente em uma mão e suas fotos na outra. Quando acordei, às 4h 27min da madrugada deparei- me com City Lights de Chaplin na TV a cabo. Logo ri, chorei e dormi novamente.
24 de Julho,
Fiquei na cama alguns dias, sentia cansaço e fortes dores no peito. Um amigo telefonava, perguntando diversas coisas, mas eu disse que estava tudo bem. O estúdio estava a me chamar há dias, mas recusei o trabalho já que meu corpo precisava de repouso. Nas poucas horas de sono que tinha, delirava em febre, imaginava Belle vindo ao meu encontro, mas de repente seu rosto ia sumindo...
27 de Julho,
Ainda me sentia doente, mas resolvi sair de carro, já não aguentava mais olhar para as paredes. Peguei alguma das RSs e andei; dirigi, melhor dizendo, como que sem motivo parei na cidadezinha da minha amada. Teria sido isso uma peça do inconsciente? Difícil de acreditar. “Por que não vê-la hoje?”, pensei. Após atravessar a rua em direção a loja de molduras, notei que Belle não estava na recepção. Adentrei a loja, disfarcei olhando e comentando para mim mesmo algumas molduras. Então, uma moça veio atender-me:
- Olá, senhor! Em que posso lhe ajudar?
- Adoriabelle está trabalhando? Gostaria da ajuda dela, por favor...
- Não, não, ela está no hospital com alguns problemas de saúde.
Agradeci a informação, porém saí confuso e atordoado.
28 de Julho,
Percebia cada vez mais que ela era a minha sine qua non, ou seja, a condição indispensável do meu ser. Ligava várias vezes ao dia para ver se ela havia voltado ao trabalho. Mas nunca ouvia sua voz. Ficava horas olhando para as molduras, procurando uma resposta, idéia, ou o que fosse. Nada parecia curar meu sofrimento.
31 de Julho,
Após infinitas ligações resolvi ir pessoalmente a pequena loja de molduras. Lá fui informado de que Belle já estaria em casa em repouso integral. Fiquei aliviado e feliz, muito feliz.
Comprei rosas e um brinco para lhe dar quando voltasse ao trabalho. Ela não poderia recusar.
3 de Agosto,
Após alguns dias resolvi retornar a ligação. Escutei atentamente a voz da atendente...
- Ornato Saliente Molduras, boa tarde!
- Belle!!! Oi, tudo bem?
- Oi, tudo bem sim! Mas...
- Estou indo pra aí!
Então fui para o carro, quase esquecendo das flores e brincos que havia comprado, muito entusiasmado para revê-la. Escutava “Your Song” de Elton John no carro. A música mais bela jamais escrita.
“É um tanto engraçado este sentimento interior
Eu não sou do tipo de pessoa que consegue esconder facilmente [...]
Se eu fosse um escultor, mas que pena, não sou
Ou um homem que faz poções em um show ambulante
Eu sei que não é muito, porém é o melhor que eu posso fazer
Meu presente é minha canção e esta é para você
E você poderá contar para todo o mundo que esta é sua canção
Talvez ela seja bastante simples, mas agora que está terminada
Eu espero que você não se importe
Que eu tenha colocado em palavras
Como a vida é maravilhosa enquanto você está no mundo [...]”
Lá chegando não a avistei. Fui falar com a outra moça ela poderia ter ido buscar uma moldura ou um café, não sei. Ela pediu se havia sido eu quem ligara alguns minutos antes, e eu confirmei e pedi se Belle demoraria, pois eu havia falado com ela ao telefone há pouco.
– O senhor falou comigo, ela suspirou.
“Será que Belle ainda não voltara ao trabalho”, pensei. Olhando para baixo, calmamente ela disse:
- Adoriabelle falecera ontem, Senhor!
- MAS COMO PODE??? EU FALEI COM ELA HÁ POUCO!!!
- Acalme-se Senhor! Você falou comigo eu já lhe disse!
- NÃO POSSSO ACREDITAR! MENTIROSA!!! POR QUE ESTÁS FAZENDO ISSO COMIGO???
E saí pela cidade chorando tentando pensar no que faria. Mas não via motivos para tal esforço de respirar, não mais. Passei horas rodando sem sair do lugar. Entrei em uma biblioteca passei os olhos por alguns livros. Sentei em um banco de praça e olhei para uma foto sua até o anoitecer...
8 de Agosto,
Não conseguia comer e não havia forças para sair da cama. Ali fiquei não sei quanto tempo. Pouco me interessavam os dias ou às horas. Não tomava banho fazia duas semanas, eu acho. Recebi diversas mensagens e cartas de amigos perguntando o que andava fazendo... Às vezes meu telefone tocava, mas eu sabia que com quem eu queria falar nunca poderia, não mais.
Acho que estou sem água na geladeira ou torneiras, pois não lembrava se havia pago as infindas contas, além de agora não poder trocar de roupa, visto que não tenho roupa limpa.
30 de Agosto,
Estava deitado no sofá olhando para a TV desligada quando alguém bateu na porta. Era um de meus amigos, Alfredo, para ser mais exato. Era um bom escritor e ótimo amigo. Trabalhava em uma universidade a uma hora da minha casa.
- Olá, quanto tempo? Como tem andado? Você não parece bem! Não atende às minhas ligações há algum tempo...
- É. A vida não tem sido fácil e...
– Fotografando, Augusto?
– Não, não. Volte outro dia, agora estou um pouco ocupado.
– Acho que precisamos conversar, me deixe entrar e preparar um café para você. Você parece horrível.
Ele logo percebeu que eu estava doente e também da falta de saneamento e limpeza da casa. Não havia café e nem água. Perguntou o porquê de eu não estar fotografando, respondi que estava doente. E assim o assunto decorreu enquanto andávamos pela casa.
- Quem é a mulher de todos esses quadros?
- Hmm... Adoriabelle...
- Ela é linda e adorável!
- É, eu sei.
- Quando voltará a fotografar?
- Nunca.
- Por quê?
- Não tenho mais o que colocar nas molduras, meu amigo.
31 de Agosto,
“Fotografar é colocar na mesma linha de mira a cabeça, o olho e o coração”.
Henri Cartier-Bresson