Roubo de Marcas ( 2ª parte )

Continuação...

— Não vejo o resto de sua família. Não estão com senhor no sítio? — ele pigarreou e desculpou-se:

— Normalmente, meus dois filhos vinham comigo nos fins de semana. Cresceram... E como pode perceber, o mundo está cheio de atrativos que os afastam da gente e de lugares como este. Mas deixa estar, quando ficarem velhos, eles vão querer vir passear aqui. E eu... Bem, eu sou um homem só. Estou me divorciando há mais de três anos. Não há conciliação na partilha.

— Já pensou em entrar com pedido litigioso?

— Já entrei! — e riu — Mesmo assim, a justiça está me enrolando. Já saiu o divórcio. Agora estamos em outra briga: a divisão! Não temos acordo. Eu quero que ela retire os bens que lhe pertencem separado dos meus. Ela insiste em fazer a divisão das fazendas, metade para cada parte. Eu, eu não a quero nem como vizinha — e simulou um sorriso.

— Nossa! Deve ter boas razões para isso!

— Ah, e como as tenho.

Após o jantar, passaram para uma sala parecida com escritório. Começaram a conversa que de fato interessava a ambos.

— E, então, Dra. Helena... Sei que está aqui para negociar. Traz alguma proposta da Agropec?

— Bem, Dr. Ernesto, queria ouvir sua versão pessoalmente. O que nós temos é a versão dos jornais.

— Então, vamos lá! Eu compro toneladas de produtos agropecuários e centenas de produtos veterinários mensalmente. Esse é o meu ramo de negócio como pode ver. Costumo fazer cotação com várias empresas até encontrar um bom produto com um ótimo preço. Já havia comprado os produtos Agropec em várias outras ocasiões, nunca havia tido problemas. Mas um lote da ultima compra, os peões começaram a notar que os produtos estavam diferentes, tanto no complemento mineral, como na ração balanceada para o gado de confinamento, não apresentando os resultados que tínhamos o costume de registrar e, inclusive notamos a recusa dos animais diante desses produtos nas cocheiras. Desconfiado, eu pedi uma análise dos produtos, até porque eu havia comprado uma quantidade considerável. Para minha surpresa, visto que a Agropec é uma empresa “séria”, os componentes mencionados no rótulo não conferiam com o descrito nas embalagens. Uréia não foi encontrada no sal mineral, nenhum complemento vitamínico foi encontrado nas amostras de ração, e aí eu aproveitei e já mandei fazer análise dos bactericidas dessa marca que comprei no mesmo dia. Você não vai acreditar! Sabe o que tinha no frasco de HerbiGenuíno? Soro fisiológico! Tem cabimento uma safadeza dessas? Foi demais! Eu não agüentei! E mais, pode dizer para o seu patrão, que eu vou para a TV quantas vezes for necessário... Posso até mudar de marca nas novas compras, agora, e o pequeno produtor, aquele que às vezes nem sabe ler direito e mal informado vai continuar comprando seus produtos e enriquecendo o safado?

— O senhor está coberto de razão, Dr. Ernesto. Acho que se ninguém denuncia, a bandidagem continua correndo à solta mesmo. Mas, é justamente porque a Agropec é uma empresa séria, como o senhor disse, e pretende continuar vendendo seus produtos para o senhor e para o resto do país é que eu estou aqui. Agora, conhecendo melhor os detalhes de suas descobertas, eu posso lhe garantir que a safadeza não está na nossa empresa.

— Bem, se você for bater nesta tecla, nós não vamos nos entender. Posso até voltar atrás na minha hospedagem e lá fora está caindo um toró d’água daqueles. Por que me garante isso doutora Helena?!

Helena percebeu que o empresário estava mesmo indignado. Se deixasse a conversa descambar, iria perder a oportunidade de uma boa negociação. Pisando em ovos e com mais cuidado, disse:

— Gostaria de propor que investigássemos o seu vendedor. É uma probabilidade em mil! Suponhamos que o seu vendedor possa estar alterando, ou melhor, “pirateando” nossos produtos fazendo-se passar pela Agropec?

— Não! Isso não é possível! O vendedor é meu conhecido, tem uma casa produtos agrícolas há mais de vinte anos. Ele não seria capaz disso.

— Nós precisamos contar com todas as possibilidades, Dr. Ernesto! Todos os detalhes são importantíssimos. Nesse lote, por exemplo, foi o senhor mesmo que efetuou a compra? Outro detalhe, a mercadoria foi entregue pelo armazém ou o senhor mandou buscá-la em frete próprio?

— Não, eu tenho um sócio gerente, o Nelson, e, às vezes, eu passo para ele resolver esse tipo de coisa. Esse lote, especialmente, não fui eu quem negociou. Lembro-me de ter trocado idéias com o Nelson sobre o preço ou coisa assim e o autorizei a fechar o negócio.

— Está vendo, Dr. Ernesto... Podemos estar diante de uma fraude contra nós. Importar-se-ia de refazermos as análises? Poderíamos comprar os produtos em vários fornecedores desconhecidos, poderíamos incumbir o laboratório de recolher as análises e compará-las com amostras compradas na loja que lhe vendeu os produtos Agropec. Concorda!

— Perfeitamente, Dra. Helena! Não tem nenhum problema! Aliás, eu sou o primeiro a ter interesse em tirar isso a limpo.

— Faremos tudo isto, juntos? Assim, nenhum de nós suspeitará do outro.

— Eu não suspeitaria de uma mulher tão delicada como você... atuando num papel de trapaceira — e sorriu para ela.

— Obrigada pela confiança, Dr. Ernesto.

— Bem, o que acha de mudarmos um pouco o assunto? Não vamos passar o fim de semana falando disso, não é? Aceita um drinque? Importa-se de dispensarmos esse negócio de “doutor e doutora”? Afinal, estamos numa expedição de mosqueteiros — e novamente soltou um belo sorriso —, vamos realizar uma caça ao bandido... e se ele for o seu patrão, você se demite e vem trabalhar comigo, o que acha?

Helena entendeu que o melhor caminho era o da descontração. Então, entrou na brincadeira de seu anfitrião.

— Aceito algo bem fraquinho. Não quero ir dormir bêbada. Mas quem disse que vou passar o fim de semana aqui? E... Quanto a nossa expedição de caça ao bandido, Ernesto? Ela será muito séria! E se o bandido for mesmo da Agropec, eu me demito, imediatamente! Mesmo que não seja para trabalhar com você, mas me demito. Pode ter certeza!

Ernesto preparou dois drinques lha entregando um copo.

— Vamos brindar a nossa nova aventura.

— Vamos brindar à sua gentil hospedagem! Você está sendo muito amável, cooperando para que eu realize o meu trabalho. Obrigada, sim...

— Não está sendo nenhum peso cooperar. Você está se mostrando uma mulher muito inteligente, além de muito bonita, claro. É casada Helena?

— Não! Mas estou pensando seriamente no assunto, senão, não vou encontrar mais candidato.

— Ora, ora... Não se subestime mulher.

A conversa tomou um rumo informal. Ouviram relinchos de animais no estábulo. Ernesto aproveitou para perguntar.

— Gosta de cavalos, Helena?

— Gosto!... Acho-os lindos! Mas não sei montar.

— Gostaria de dar uma volta amanhã? Posso lhe ensinar! Meus animais são extremamente dóceis.

— Ernesto, eu não posso ficar aqui amanhã... Não vim preparada para ficar. Qualquer dia eu aceitarei seu convite.

— Fica convidada oficialmente por mim! Caso queira passar um fim de semana aqui, é só ligar. Eu lhe passo o telefone.

A conversa estendeu-se por algumas horas. Percebendo já ser muito tarde, Helena bocejou e disse que precisa ir dormir.

— Está tarde, Ernesto, acho melhor eu ir dormir. Amanhã quero retornar bem cedo para não correr o risco que corri hoje. E não se incomode de se levantar. Ficamos assim acertados... Você me liga quando saírem os novos resultados das análises.

— Tudo bem! Sua companhia é muito agradável, Helena! Espero sinceramente que os resultados desmintam minhas acusações. Assim, quem sabe... Possamos vir a ser amigos.

— Independente dos resultados Ernesto, podemos ser amigos.

— Vou pedir à Esmeralda que a leve até o seu quarto. Não se preocupe de me acordar. Aqui na fazenda sempre acordo com o primeiro canto do galo.

Obs: Este conto terá sua conclusão na proxima postagem.

Maria Helena Camilo