Coração obsoleto

Luzes de velas. Mesa para dois.

Um saboroso vinho e um belo prato. No aparelho de som toca uma balada espanhola.

Do lado oposto, a cadeira vazia que me entristece.

Ela deveria estar aqui. Seus olhos azuis deveriam me encarar neste momento. Seu sorriso, o cheiro, voz, pele e corpo. Tudo remete a cadeira vazia à minha frente.

Armadilhas de um coração romântico.

A música me transporta para nosso encontro.

Um parque.

Uma bela e fresca noite de verão.

Nos esbarramos por acaso, quase um encontrão. Desastrado como eu, pedi desculpas e ela retribuiu com um sorriso meigo.

Era o sorriso mais lindo que vi em toda minha existência. Meu coração palpitou da forma que sempre esperei acontecer. Meu corpo estremeceu por aqueles olhos azuis do jeito que sempre imaginei.

Tive, naquele instante, certeza que ela seria minha para sempre.

Até que a morte nos separasse.

Pequenos fragmentos de “memórias futuras” vieram à mente.

O primeiro beijo aconteceria ali mesmo, perto de um dos brinquedos, provavelmente seria próximo à montanha russa. Sua boca seria doce, como mel. Nos abraçaríamos e a levaria até sua casa de mãos dadas. Falaria bobagens e ela riria delas. Um beijo de despedida. Ainda mais gostoso do que o primeiro.

Mais beijos, encontros e promessas mútuas de amor eterno.

Casaríamos em Novembro.

A vida passaria calma e eu sempre agradeceria a Deus por estar ao lado daqueles olhos azuis. Teríamos um casal de filhos. Passearíamos todos juntos, alegres e felizes.

Envelheceria sorrindo.

Morreria em Março faltando poucos dias para meu aniversário, porque sempre morremos próximo da data de nosso nascimento. Ela estaria do meu lado no fim. Sorrindo em meio às lágrimas. Eu diria que a amava eternamente, e ela começaria a chorar compulsivamente. Apertaria minha mão enquanto minhas vistas escureceriam devagar.

Seria um bom final.

Aqueles lindos olhos azuis como última imagem.

Imagem de um amor eterno.

As “memórias” cessam.

Ela ainda sorri o mesmo sorriso meigo. Depois olha para o homem ao seu lado que lhe pergunta se está bem. Ela diz que sim com um beijo e vai embora abraçada com aquele homem.

Maldito usurpador de “memórias futuras”.

Fico observando por algum tempo até resolver ir para casa dormir.

A balada espanhola termina.

A cadeira ainda está vazia. Pergunto-me por quanto tempo mais.

Tomo um último gole de vinho, apago as velas e vou para cama.

Armadilhas de um coração romântico.

Um coração obsoleto.

Lá no fundo ainda sinto uma fagulha de esperança. Quem sabe um dia!

Amanhã é sábado, dia de parque.

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(Este foi um conto feito em uma atividade proposta por um grupo de amigos que compartilham o gosto pela escrita. O tema era "ultrapassado, obsoleto". Dentro deste tema eu criei "Coração obsoleto". Hehehe... Não sou eu neste texto. Mas que bom que passei uma certa veracidade. Grato a todos os que leram e principalmente aos que comentaram!)

G Gonzalles
Enviado por G Gonzalles em 17/08/2009
Reeditado em 18/08/2009
Código do texto: T1759758
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