Fez sol em mim... mas logo vieram as nuvens.
Vou escrever uma historia de amor que poucos conhecem
Essa historia é trágica como toda historia de amor
É selvagem como devem ser as historias de amor
Vai chegar ao fim como toda historia de amor.
Um sol nasceu em mim...
O ônibus estava lotado, havia quebrado o primeiro ônibus e este vinha como dois. Uma lata de gente. As pessoas são todas feias, rotas.
O calor insuportável não desanimava o trabalhador desanimado. Era preciso trabalhar. No fim do mês as contas chegam sem pena, sem acordo. O sistema é uma sentença de morte.
Nunca fui bom de bola, apesar de ter sonhado em ser um jogador de futebol, pelas mulheres, pela fama, pelo dinheiro. Nunca cantei muito bem, apesar de fazer sucesso no caraoquê do bar do Manolo. Toda sexta o povo gosta de me ver cantar. Mas nunca tive coragem de caminhar no sentido da arte. Sonhava com as mulheres, com o dinheiro, com a fama.
Quando eu tinha apenas oito anos de idade fui atropelado e um anjo disse que eu estava predestinado a ser feliz. Foi um sonho lindo. Tenho vinte e cinco anos e não posso dizer que seja triste a minha razão de viver. Mas a julgar por esta lata de sardinha fazendo curvas pela cidade até chegar ao trabalho e pela minha marmita sem carne na mochila velha, poderia ser melhor se não fosse tão ruim a vida de trabalhador honesto. Era apenas um sonho. Um sonho bom.
Se eu não fosse tão medroso já tinha escolhido a vida do crime. O Chico Bagulho sempre me convida para fazer um ganho. Deve ser lucrativo o negocio dele, tá sempre na beca, bem perfumado e tomando cerveja a qualquer hora do dia. Tem dinheiro, tem fama na quebrada e ainda tem a mulherada em cima. "Saude e dinheiro, mulher vem no cheiro". Mas a vida do crime nem sempre compença, o Prosa, outro bandido amigo meu, pegou trinta anos por seqüestro e roubo. O coitado tá lá vendo tudo quadrado. Mas quem me garante que ele não tá melhor que eu? As grades estão por todos os lados. As vezes fico puto, mas ai chego no trabalho e tenho que respeitar as regras, tenho meus filhos pra criar. Sou pai mas a mulher não gostou de viver comigo. Minha historia de amor durou cinco anos e me rendeu duas bocas para alimentar. Vida boa, essa minha!
Pelo menos hoje é sexta, dia de pagamento. Vai dá pra tomar um “breja” com a rapaziada. Vou descer no próximo ponto.
(Está é a vida de João das Dores. Jota como é conhecido. Vocês perceberam que é um personagem do povo. Um trabalhador cheios de sonhos e desesperanças. Apresentei o nosso herói como deve ser. No seu momento de solidão. Mas essa historia é de amor. Por pior que a vida pareça nosso amigo ainda vai ter uma surpresa).
O dia não foi dos piores. O trabalho foi mole e o patrão ainda me deu uma grana a mais. Acho que ele tá começando a gostar do meu trabalho. Isso é bom. Agora vou passar em casa, tomar uma banho e partir para o bar, beber e cantar. O pobre leva a vida no bico e eu estou com uma boa sensação.
De banho tomado eu até pareço gente.
- Garçom uma cerveja bem gelada.
Tudo parecia estar como sempre. O bar começando a encher, os amigos chegando, sentando e falando. Seria uma sexta típica de bebedeira.
Levantei para ir ao banheiro e antes que eu pudesse entender o que estava acontecendo meu coração disparou quando de longe vi uma deusa africana de nariz empinado que me fez ficar ali parado com cara de tarado. Só acordei do sonho quando de longe, em câmera lenta, a nega sorriu para mim. Balancei a cabeça e sentei. O Tonho ainda perguntou algo que não entendi e eu respondi que sim. Quando vi tinha uma porção de aipim na mesa e quem teve que pagar a conta fui eu. Tonho foi esperto. Passei metade da noite tentando chegar perto da mulher da minha vida. A essa altura não consiguia mas pensar em nada só na mulher que entrou sem bater e eu não vou deixar sair. Ela sempre me olhava e ria com as amigas. Até que uma delas veio em minha direção.
- Oi, Jota. Minha amiga Suelem quer te conhecer. O que eu digo pra ela?
Levantei da mesa sem falar nada. Com a pernas bambas fui em direção da nega. Cheguei perto e com decisão fui taxativo.
- Casa comigo hoje?
Ela ficou sem saber o que responder e riu.
- É sério. Casa comigo agora.
Disse isso pegando na mão dela, ajoelhando e beijando. Ela não resistiu nem um segundo e chorando me disse que tudo ficaria bem.
- Me leva daqui agora. Eu aceito.
Não sei nem como chegamos na minha casa. Tudo estava tão rápido que quando percebi minha vida estava mudando completamente. A cada minuto eu percebia que nada seria como antes. Passamos o fim de semana agarrados. Ela me levou para conhecer a família e anunciou que estava indo morar comigo. Achei estranho, mas ninguém se espantou, melhor nem comentar. Fazíamos sexo como dois animais e na segunda feira ela desconfiou que estava grávida. Antes de sair para o trabalho, beijou a minha boca de café e disse que iria fazer o teste de gravidez. Sai de casa flutuando. O ônibus estava lotado de gente bonita. Cheguei no trabalho o chefe me olhou com um sorriso e disse:
- João, você agora vai ser o encarregado chefe. Vai ganhar mais negão. Parabéns!
Me convidou para almoçar e eu todo feliz já estava me sentindo o melhor amigo do patrão. O dia de trabalho foi moleza. Fiz tudo o que tinha de fazer e mais uma pouco. Voltei para casa, a nega tava toda prosa de vestidinho, toda perfumada. Me deu banho e transou comigo. Eu mesmo não fiz nada. A nega me comeu. No jantar ela disse que estava grávida e eu todo feliz contei que tinha sido promovido. Nós dois choramos de felicidade e fomos dormir como dois pombinhos. No outro dia levantei e fui trabalhar. Ela beijou minha boca de café e disse que me amava. O mundo parou. Ela disse que me amava.
- Eu te amo. (eco)
Na hora lembrei do anjo do meu sonho. Eu havia nascido para ser feliz.
Ela me pediu um dinheiro para comprar roupas. Dei a ela meu cartão de credito. Nessa vida qualquer pobre tem cartão de crédito e como sempre fui bom pagador o meu tinha um limite alto. Disse a ela para gastar o quanto quisesse. Coisa de quem tá apaixonado. Quero essa nega linda toda noite. Foi assim que foi...
No trabalho tudo ia maravilhosamente bem. Na mesma semana eu fui promovido novamente. Agora era gerente de pessoal, ninguém chegava no patrão sem antes falar comigo. Cargo da maior importancia. A nega comprou muitas roupas, para ela, pra mim e pro o bebe, coisas para o nosso lar, enxoval... Comecei uma obrazinha pra fazer um quarto extra, comprei um carrinho à perder de vista e tudo era um sonho. Todo domingo nós íamos a praia. Ela com uma pequena barriguinha de biquíni me deixava doido. Dinheiro não era problema. Éramos os verdadeiros emergentes da comunidade. Pela primeira vez na vida eu pude me sentir amado. Isso vicía.
Minha ex-mulher não deixava barato. A pensão das crianças era sagrada e eu chegava junto com os moleques. Mas eramos todos amigos. Teve um dia, Sábado, que resolvemos reunir todos no terreno lá de casa para um churrasco. Era uma enorme família feliz. O Pagode comeu solto. Minha nega grávida conversando com a mãe dos meus filhos, eu conversando com o marido dela, as crianças correndo pra lá e pra cá, tudo estava perfeito, como manda o figurino. Alegria de pobre é um negocio sério. Lá pelas tantas entrou pelo portão o Prosa, aquele meu amigo que tinha sido preso por sequestro.
(Era de fato uma historia de amor. Um conto passivo e feliz. Me dei conta de que historias de amor são sem graça, sem ação. Por tanto vou colocar um pouco de pimenta neste feijão. Afinal na vida real não existem fadas. Acho que errei a mão de pimenta).
Quando minha nega viu o Prosa ficou branca feito morta. Houve um silêncio profético. O silêncio que precede o esporro. Me aproximei dele e disse:
- Rapaz, você por aqui. Teve alta lá do hospital?
- Por bom comportamento pude vir passar o fim de semana em casa, com a família. Quando soube que tu tava dando uma churrascada resolvi aparecer.
Falou isso olhando direto para a nega.
- Seja bem vindo. Vou fazer um pratinho para você. Nega, faz um pratinho lá para o nosso convidado.
Antes que eu pudesse perceber a Nega tinha dado o pinote. Ainda tentei olhar na rua, mas nada. Fiquei preocupado e corri na casa da mãe dela. Encontrei a nega chorando. Me disse que não queria voltar lá enquanto o Prosa estivesse na festa. Perguntei a ela o que estava acontecendo.
- Eu e Prosa tivemos um lance. Foi rápido, um pouco antes de ele se meter no seqüestro e ser preso. Fiz algumas visitas, ele me ameaçou, então eu sumi.
Fiquei desconcertado. Sem saber o que fazer. O Prosa era bico quente, brigão, mau pacas. Deixei a nega na casa da mãe e fui para casa tirar satisfação com o homem. Cheguei em casa, desliguei o som e fui logo dizendo.
- Prosa, o negocio é o seguinte. Você é super bem vindo aqui na minha casa. Mas eu quero saber o que tu venho fazer aqui? Não adianta me enrolar que a Nega já me bateu tudo.
Ele parou de comer e levantou a cabeça.
-Então ela deve ter dito que o filho que ela tá esperando é meu.
Antes que ele pudesse acabar a frase a nega apareceu como relâmpago e deu seis tiros na direção do Prosa. Quatro tiros pegaram nele que já caiu morto. Os outros dois tiros pegaram no meu patrão. Havia esquecido de dizer que o patrão tinha ido com a família almoçar com a gente. Morreu na hora e nem viu o que aconteceu. Eu olhei para a nega. Aproximei devagar. Tomei a arma da mão dela e saímos correndo juntos sem saber para onde ir. Nem o carro lembrei de pegar. Corremos juntos para livrar o flagrante. O resto da historia da gente não importa. O que vale é o que tá valendo. Beijei a nega como se fosse a ultima vez.
...mas logo vieram as nuvens.
Fernando Lopes Lima