Lamentos Pela Noite
Fora o mesmo pesadelo de sempre. Noite após noite, um sonho terrível que domina minha alma, me fazendo acordar encharcado pelo suor, com o coração prestes a explodir, batendo uma velocidade sem igual. Nada igual a nada, pois lá eu estava morto e ela estava lá. Ela...
Ela se fora a mais tempo do que eu possa lembra. Talvez mais de um ano, ou talvez menos. Não sei. Não importa. Não mais. Não sei para onde ela foi, nem sei com quem. Sei apenas que ela se foi e eu fiquei. Talvez tenha sido melhor assim, ou talvez não. Meus amigos, minha família, todos sem exceção diziam que sim, que havia sido para melhor, mas a questão é que desde então esses sonhos se tornaram uma constante em minha vida.
Certa vez li o por quê de não lembrarmos de determinados sonhos pela manhã ao acordarmos, mas admito que hoje, ao menos nesse momento, já não me lembro nem dessa razão. DO que eu me lembro? Lembro que de certa maneira, no meio de tanta loucura essa razão seria irrisória nesse momento. O importante, talvez a coisa mais importante ou a única coisa importante, sejam as imagens desse sonho, que mesmo borradas, mostram claramente minha morte junto a ela. O deja vú é uma constante nessa hora, pois trezentos sonhos sonhados diariamente acabam marcando o homem de uma maneira que lhe é impossível sentir a repetição do sentimento, mesmo sem lembrar da execução do enredo, recheado pela dor, sem presente.
Dor... Muita dor... Dor pela perda, pela morte e pela má sorte. Dor!
No sonho vejo sua pele alva e seus olhos verdes, que passam horas olhando por sobre meus ombros. A cada piscada, uma pontada que dói de maneira lacerante no meu corpo, devorando minhas entranhas, rasgando meu coração, me fazendo gritar de dor e me remoer em horror. Na sua face - a dela - o medo e o receio. Ela não quer me fazer isso, não, mas faz. Não é vontade dela, não é o desejo dela. Ela não quer, mas é o que acontece, aquém de suas vontades.
Vejo de maneira tão clara a transformação que ocorre: o sorriso do reencontro tão logo substituído pela lágrima do pavor da dor que aquela situação em mim traz. Assustada, acuada, confusa. Assim ela corre, fugindo de mim por entre trilhas de assombradas, rumo a paragens para mim desconhecidas, onde ela busca o conforto que não a trará dor. Pobre dela. Pobre de mim. Pobres de nós.
Ela se vai e a dor física passa, dando lugar a uma outra dor. A dor do vazio e da perda. Ela se foi, a dor se foi. Deveria estar em paz, mas não estou, pois no final o que me sobrou? Pouco a pouco, como um castelo de areia, meu corpo vai se desfazendo pelas ondas do acaso. Minha vida, o que sobrara sem ela? Tento achar a resposta olhando para ela, a minha vida, com suas posses e minhas vitórias, cuja tênue imagem se desfaz pouco a pouco conforme ela se vai. Sem ela tudo é vazio, tudo é fraco. Sem ela não há dor, mas não há nada que o valha.
Minhas pálpebras se abrem por mais uma noite. O brilho prateado da lua entra pela janela, refletindo no suor que me cerca. Quem dera tal luz fosse forte o bastante para que dela os sonhos se alimentassem, mas não, minhas sombras são mais fortes e poderosas que essa luz poderia vir a afastar.
Da janela observo então o dia que se aproxima. Escuto os sons. Tento sentir o calor que pouco a pouco vem do leste, e no final das contas, tento mais uma vez enxergar dentro de mim a resposta para a dor, antes que nada mais sobre em mim que uma casca de rancor.