Além de um baile

Acabara de amanhecer e Martha já havia levantado. Não conseguira dormir direito, estava muito ansiosa. O motivo nem ela mesma sabia ao certo. Talvez fosse pelo baile de Carnaval que seus pais dariam naquela noite na fazenda. Já estava tudo pronto; era só esperar a hora passar. O estranho é que nunca se sentira tão ansiosa para uma festa. A ansiedade que sentia era normal, mas dessa vez era diferente. Parecia que esperava algo acontecer.

As horas passaram lentamente até que finalmente o relógio bateu oito horas da noite e os convidados começaram a chegar.

Cláudio chegou à festa com seus pais e suas duas irmães. Estava muito animado de estar ali porque havia voltado da Europa há dois dias e essa festa seria uma oportunidade de rever todos os amigos.

__ Filho, venha cá. Este é o doutor Camargo e esta é a senhora Adélia Camargo, sua esposa. Lembra deles, Cláudio? __ apresentou Felício Soares, pai de Cláudio.

__ Os senhores me desculpem, mas não me recordo. Passei praticamente minha vida inteira na França com meus tios, estudando.

__ Nós sabemos disso. Não se preocupe, Cláudio. Ah! E pode me chamar pelo meu nome memso, Marcos. Afinal de contas sou amigo dos seus pais há anos. Nada de formalidades. __ disse o doutor Camargo, o anfitrião, e sua mulher concordou. __ Bom, onde estão as meninas, querida? __ tornou a falar se referindo às filhas, Manuela e Martha.

__ Ih, vai ser difícil achá-las no meio de toda essa gente.

__ Queria tanto lhe apresentá-las, Cláudio. De certo também não lembra delas. Mas ande pela fazenda que talvez vocês se esbarrem.

E todos riram. Cláudio resolveu andar para ver se encontrava alguns amigos e acabou encontrando. Depois de um tempo conversando, foram dançar. E foi nessa hora que Cláudio a viu. Usava um vestido branco com alguns detalhes em preto. Era a fantasia de Colombina mais linda que já vira. Se aproximou para cumprimentá-la e foi nesse momento que percebeu que usava uma máscara.

__ Com licença, mas a linda Colombina me concede a honra desta dança? __ A mulher aceitou no mesmo instante e Cláudio, durante as músicas, não parava de admirar sua beleza. Sim, apesar de estar com parte do rosto escondido, ele sabia que sua Colombina era linda.

A festa já estava acabando, a maioria dos convidados tinham ido embora. Agora só estavam os mais chegados e entre esses, a família de Cláudio se encaixava.

__ Agora que a festa acabou e aqui só há amigos, você pode tirar essa máscara. Assim posso saber quem é. __ disse Cláudio esperançoso.

__ E acabar com esse encanto? Nem pensar.

__ Bom, você deve ser parente ou amiga da família, pois ainda está aqui. Não estou certo?

__ Talvez sim, talvez não. __ respondeu a misteriosa Colombina. __ Sinto muito, meu Pierrot, mas agora tenho que ir. Até um dia desses, quem sabe.

__ Espere. __ E foi nesse momento que Cláudio segurou o braço da Colombina. Os dois se olharam profundamente e seus lábios se encontraram num beijo demorado e ardente. No instante seguinte, "Colombina" corria pelo jardim em direção à casa.

Os dias se passaram, mas Martha não conseguia esquecer nem aquela festa nem Cláudio, o Pierrot. Contara para Manuela, sua irmã dois anos mais velha, tudo sobre a noite da festa e ela, serelepe e espivitada como era, rapidamente disse que daria um jeito de fazer com que Cláudio e Martha se encontrassem novamente. E assim foi. Um mês após o baile, houve um pequeno jantar na fazenda dos Camargo e claro que Cláudio, juntamente com as irmães e seus pais, foram "intimados" a irem.

Durante todo o jantar, Martha não tirou os olhos do caçula da família Santos, ou seja, Cláudio. Eles conversaram muito e o rapaz acabou falando sobre aquela Colombina.

__ Por acaso, você não sabe quem era ela? __ perguntou ele. Nesse momento, Martha sentiu um frio na barriga. Mas respirou fundo e respondeu calmamente:

__ Não, não sei quem estava fantasiada de Colombina.

__ Poxa, que pena! Queria tanto revê-la. Tenho que confessar uma coisa. Desde aquele dia, não consigo esquecer essa mulher misteriosa. Ela mexeu comigo e com meu coração. __ o frio na barriga aumentou e Martha abaixou a cabeça.

__ O que houve? Eu disse algo de errado? __ quando ela ia responder, sua prima Rafaelli chegou com os pais e a cumprimentou. Martha apresentou Rafaelli para Cláudio e o coração dos dois acelerou. Rafa, como era chamada pela família, o reconheceu, mas preferiu não dizer nada e ele, não a reconheceu, porém sentiu algo. Sentiu o que sentira na festa à fantasia.

Rafa dormiu na fazenda e contou que já conhecia o rapaz e explicou a história para as primas. Martha não comentou sobre a confissão so amigo. Estava muito triste e não sabia o que fazer.

Os meses foram "caminhando" e, a cada dia, Rafaelli gostava mais de Cláudio. Eles ainda não namoravam nem ele sabia quem realmente Rafaelli era, pois ela não tinha coragem de contá-lo. Só que os dois se gostavam, já estavam apaixonados e Martha tinha certeza que era só uma questão de tempo para que sua prima e seu amado ficassem juntos e para que toda a verdade fosse revelada.

Mais um tempo se passou e, não aguentando toda essa situação, decidiu contar para Cláudio tudo, ou melhor, quase tudo. Preferiu não revelar que o amava, afinal, ele amava Rafaelli, concerteza não teria chance nenhuma. O melhor a se fazer era tentar esquecê-lo. E para isso, viajaria para a Europa.

Logo após o casamento de Cláudio e Rafaelli, Martha embarcou no navio "Felicità" com sua mãe e sua irmã para a Itália. Seu pai não pôde ir por causa do trabalho. Seria um novo começo.

Numa manhã de chuva, Martha desperta com as batidas na porta. Era a madre do convento dizendo que Manuela estava lá e queria falar com ela.

__ Oh, minha irmã, que surpresa boa. Que bons ventos a trazem aqui?

__ Infelizmente as notícias não são boas. Rafaelli faleceu ontem e o enterro é hoje à tarde.

__ Que Deus a tenha. Bom, vou pedir para a madre permissão para sair do convento. __ a hora do enterro chegou e Martha foi. Lá pôde ver o seu grande e eterno amor depois de tantos anos (já fazia sete anos que estava no convento de Minas Gerais). E ele continuava lindo como da primeira vez que o vira naquela festa à fantasia há quase trinta anos atrás. O tempo não passara para ele.

__ Cláudio? __ ele, com os olhos inchados de tanto chorar, olhou. __ Você não está me reconhecendo?

__ Martha, minha grande amiga. Quanto tempo. __ e os dois se abraçaram e começaram a chorar. __ Minha amiga, não volte para Minas, para aquele convento. Fique comigo, por favor! __ e Martha pediu transferência para o convento do Rio de Janeiro. Foi assim que a irmã Maria passou seus últimos dias: ao lado do homem que sempre amou.

Meses depois da morte de Rafaelli, Cláudio não se sentiu bem e foi para o seu quarto. Em seu leito de morte, quis conversar a sós com Martha.

__ Me perdoe, minha querida Martha.

__ Por que você está me pedindo perdão?

__ É que por minha causa, você se tornou a irmã Maria. Eu não fui capaz de te amar, de perceber o seu amor.

__ Não foi sua culpa. Eu quis ser freira. É verdade que te amei. O dia de seu casamento foi o pior dia da minha vida. Por isso, fui pra Europa com mamãe para esquecê-lo. Ah!, minha mãe, que saudade da senhora. Ela me disse que não adiantava fugir do amor e, depois de um tempo, percebi que estava certa. Resolvi voltar e me tornar freira, pois sabia que não amaria mais ninguém nessa vida.

__ Então, a culpa é minha por você ter perdido toda a sua juventude trancada em um convento.

__ Não fiquei trancada, não perdi minha juventude. Era meu destino viver para ajudar outras pessoas. E você não tem culpa de não ter me amado como mulher. Ninguém manda no coração.

__ Nunca vou esquecer de você e obrigado por me fazer companhia nesses últimos meses. Obrigado e fica com Deus, irmã Maria, minha grande amiga Martha. __ ele pegou a mão de Martha, a mão já enrugada por causa da idade e, entre lágrimas, a beijou. Minutos depois, fechou os olhos para nunca mais abri-los.

__ Descanse em paz, Cláudio, meu amor. __ disse Martha, desabando em lágrimas.

Depois desse dia, que se tornou o segundo pior de sua vida, Martha, ainda como irmã Maria, continuou seu trabalho ajudando os necessitados e, assim, esperando a grande hora que veria novamente seus entes queridos e seu eterno amor, tendo a certeza que essa hora se daria em breve.

Karine Ferreira (Rio, 07/03/09.)